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Eu Negro

quarta-feira, 21 de abril de 2021

 


ESTRANHO AMOR

Brenda escreve sua mensagem com certo temor. Posso sentir a tensão nas entrelinhas. Parece que tornando pública sua situação, possa se sentir mais confortável. Mas não é nada fácil, carregar a pesada culpa que traz consigo.
Ela inicia sua narrativa dizendo que sempre foi uma pessoa tranqüila, com muita paz de espírito e que jamais teve qualquer tipo de relacionamento conturbado com as pessoas, homens ou mulheres. Casou com o homem que amava e teve dois filhos maravilhosos de 3 e 6 anos, que iluminam sua vida. O casamento acabou e o tempo lhe estampou pequenas marcas em sua vida. Muito bonita e até mesmo cobiçada pelos homens, sentia-se insegura ao ver sua juventude escapando lentamente sem que nada pudesse ser feito.
A vida de Brenda entrou em um ciclo de rotina, onde tudo é nada e nada é tudo. Aborrecia-se com pequenas coisinhas e às vezes ignorava solenemente assuntos de extrema importância. Era o sinal de que algo precisava mudar em sua vida, só que nada mudava e a rotina com a casa e com os filhos era como uma sentença a ser cumprida.
Finalmente um fato novo surgiu em sua vida. A irmã mais nova, Cecília, que tinha 23 anos, viria para morar com ela. Ajudaria com a casa e as crianças, enquanto estudava e trabalhava. Brenda estava felicíssima, pois, teria mais tempo para si e poderia, quem sabe, encontrar um novo amor.
A chegada da irmã trouxe muita felicidade para todos. Brenda ousava até ir ao cinema com amigas do bairro e vez em quando tomar umas cervejinhas com os amigos na padaria da esquina. Sua irmã, muito séria e responsável, cuidava da casa e das crianças nessas horas. Tudo corria às mil maravilhas.
Certo dia a irmã trouxe uma verdadeira novidade. Tinha arrumado um namorado. Um amigo de trabalho, boa pessoa, sem vícios, querendo compromisso sério. Trouxe o rapaz para que todos o conhecessem.
No início Brenda não gostou muito dele, além do quê, passaria a freqüentar a casa, retirando a privacidade que ela tanto prezava. Particularmente aborrecia-lhe a idéia de ter que passar a andar vestida pela casa durante as quentes e desconfortáveis noites de verão.
A irmã de Brenda era linda e jovial. Loira, olhos verdes, corpo torneado naturalmente, Cecília era a irmã mais nova e a mais bonita. Seu namorado Fred era alto e moreno. Corpo trabalhado nas academias de musculação fazia suspirar as meninas do bairro.
Era um sujeito boa praça, possuía um bom emprego, carro novo, e estava sempre de bom humor. Gostava de Cecília, respeitando-a e lhe sendo fiel. Não era um amor ardente. Talvez esse ele nunca tivesse sentido. Estava seguro com Cecília. Sabia que ela poderia ser uma ótima esposa e dedicada mãe dos seus filhos.
A vida é uma autêntica caixinha de surpresas. Brenda confessa que jamais imaginou envolver-se com Fred, apesar na proximidade do cotidiano, e sequer o olhava mais detidamente, quando tirava a camisa dentro de casa para executar algum serviço rotineiro do lar.
Tornaram-se amigos e às vezes ficavam até altas horas da noite conversando sobre diversos temas, sempre agradáveis, eram momentos deliciosos. Cecília geralmente se recolhia cedo, pois acordava de madrugada para trabalhar. Brenda e Fred construíram uma rotina noturna tão intensa que já não conseguiam mais viver sem ela. Apaixonaram-se.
Brenda conta que pensava haver enlouquecido. Mal se alimentava, não cuidava mais da casa e nem dava conta da criação dos filhos. Um fogo intenso a consumia por dentro. Diuturnamente seu corpo vivia em brasas. Sua mente migrou para uma dimensão onde só os amantes ensandecidos conseguem sobreviver. Não podia ser real.
Conta que lutaram por meses, contra essa heresia. Passou a visitar a mãe com mais freqüência e dormir por lá nos finais de semana. Fugia de Fred e sentia que quanto mais fugia mais se ligava a ele, mais precisava dele, na mais pura e deliciosa insensatez dos amantes.
Não se lembrava há quanto tempo tinha tido a última noite de amor. Havia se separado há quatro anos, e de lá para cá, ficou duas vezes com o ex-marido, após visitas noturnas às crianças e de umas taças de vinho além da conta. Brenda havia esquecido como era queimar de desejo.
Fred não olhava mais Cecília nos olhos. Vivia irrequieto e demonstrava uma inconstância incomum. Cecília fingia nada perceber, mas, sabia que as noites em que adormecia e deixava os dois a sós, estavam germinando uma flor que ela não poderia colher. Apaixonada por Fred sabia que nada podia fazer, a força revolucionária da paixão varria a vida dos três, sem dó nem piedade. Foi apenas questão de tempo. Brenda conta que se entregou de corpo e alma ao cunhado, numa noite chuvosa de domingo. Estavam sós, as crianças tinham ido com Cecília para a casa da avó. Um imenso temporal assolou a cidade. Estavam os dois tentando varrer a água que teimava em entrar pelo vão inferior das portas, quando a luz apagou e os dois, molhados e ofegantes, se tocaram. O estrondo de um raio fez cumprir a anunciada profecia e fez Brenda se proteger e aninhar-se nos braços de Fred.
Eletrizante, foi uma situação eletrizante, ela me relata. Foi como se o céu houvesse desabado e todas as direções mudado de rumo. Foi tão intenso que o tempo passou e não se percebeu que o dia havia amanhecido. Exaustos e saciados como dois animais, permaneciam unidos como se tivessem passado a vida inteira juntos. Uma onda de ternura e amor cobriu os dois amantes com o nascer da aurora. Um final épico, como nas grandes óperas como a Aída de Verdi, quando ao fim do quarto ato, o guerreiro Radamés é condenado por traição e levado para o interior de sua cripta, onde se despede da vida e da lembrança de sua amada para sempre. Então aparece Aida, que conseguiu entrar furtivamente no túmulo para morrer ao seu lado. A escrava egípcia e ex-princesa etíope encontra a morte nos braços do seu amado, encerrando a epopéia.
Para Brenda o mundo poderia terminar ali, naquele exato momento. Pois morreria feliz como Aída, nos braços do seu amado.
Termina sua mensagem dizendo que depois disso vinte anos se passaram. A paixão durou exatamente um ano. Brenda chegou a engravidar de Fred mas perdeu a criança sem que ninguém soubesse. Hoje é funcionária pública, os filhos cresceram e se foram. Ela vive sozinha com suas lembranças. Sua irmã Cecília que oficialmente nunca soube de nada, está casada e feliz com a família. Fred desapareceu depois deste incrível ano de paixões e luxúrias que viveram. Nunca mais soube notícias dele, que ainda hoje aquece seus pensamentos nas noites chuvosas de verão, entre doses solitárias de vinho.
Brenda carrega a culpa de ter tirado o grande amor da vida de sua irmã e ao mesmo tempo tê-lo conquistado e obrigado a renunciá-lo por conta das convenções da sociedade e da família.

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