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Eu Negro

quarta-feira, 21 de abril de 2021

AMOR ETERNO - O NOVO OTELO DO SÉCULO XXI

 

 A narrativa que alimenta o medo de amar.
Fernanda diz que está sofrendo bastante e que pensa em terminar seu casamento que já dura uma década. Motivo ela tem mais que de sobra, o ciúme doentio do marido.
Fernanda me pede conselhos que talvez eu não saiba nem tenha conhecimentos científicos para explicá-los. Mas alguma coisa sobre o ciúme podemos conversar informalmente.
O ciúme é tema de enorme bibliografia e de debates em todos os meios de comunicação. Mas é na academia, nos centros de ensino e pesquisa que conseguimos encontrar alguma teoria plausível sobre o assunto. Se é que teoria surte algum efeito nesses casos.
O início do casamento foi um paraíso. Fernanda nunca havia imaginado que existisse felicidade tamanha. Amor, sexo e dedicação eram componentes constante entre ambos, que mergulhavam de olhos fechados, um na alma do outro, como se nunca fossem retornar à superfície.
Sergio sempre foi um excelente companheiro. Atendia a todos os desejos de Fernanda, mesmo os mais pueris. Trabalhava em uma excelente empresa e gozava de ótima reputação profissional. Porém, não possuía ambição alguma, não entendia que o futuro se constrói a partir do hoje, com a experiência adquirida no passado.
O tempo foi passando e Sergio foi sendo tragado pelo redemoinho inexorável da vida. Defasado profissionalmente, desatualizado socialmente, transformou-se num espectro perto do que era quando Fernanda o conheceu. Seu sobrepeso e sua barriga proeminente delatavam a falta de preocupação com seu corpo e deletavam pouco à pouco o desejo insaciável de sua mulher pelo corpo tão bonito que outrora possuira. O sexo foi rareando cada vez mais. Sua aparência desleixada e sua falta de compromisso com a vida minavam a relação com Fernanda, que às custas de dietas e caminhadas conseguia manter seu corpo e sua forma física.
O golpe de misericórdia foi dado quando Sergio foi comunicado sobre a dispensa da empresa. Seu trabalho de anos que agora seria ocupado por um jovem talentosos e ambicioso, composição infalível para se sobreviver no capitalismo.
Como não podia ficar sem trabalho, saiu em busca de um emprego que infelizmente nunca apareceu. Quarentão, barrigudo e desanimado, usou sua indenização para comprar uma barraca de cachorro quente, tornando-se empreendedor por consequência da vida.
Fernanda conta que sempre esteve a seu lado. Nunca o abandonou, mesmo nas noites de grande angústia, quando ela ardia de desejo e ele passava a madrugada acordado, reclamando da vida, de tudo e de todos, patético, disfuncional.
Meses após o terremoto da demissão e do fracasso do empreendimento de cachorro-quente, se iniciou em Sergio um profunda transformação. Tornou-se arredio e quase não procurava Fernanda. Vivia defronte ao aparelho de TV, assistia do desenho animado aos cultos evangélicos eletrônicos nos avançados horários noturnos.
Passou a perseguir Fernanda. No início de maneira mais discreta e com o passar do tempo de maneira mais ostensiva. Até que um dia a agrediu. Fernanda conta que não sabia qual a dor é mais doída, se a física ou a espiritual. Tantos anos de total dedicação e amor por aquele homem e após todo esse tempo recebe uma bofetada no rosto, para logo após ser chamada de prostituta e vulgar, seu mundo caiu.
Somente a complexa grandiosidade da mulher pode explicar o perdão a um gesto tão aviltante como esse. Continuou ao lado do marido, que não era mais o homem que sempre amou, enquanto que ao mesmo tempo, ele jamais teria ao seu lado aquela mulher que tanto se dedicou e renunciou.
Passou a estudar o tema e aprendeu que o cíume é principalmente provocado pela sensação antecipada ou delirante da perda física e espiritual do outro. Ou então com a idéia da perda da posse soberana de um mundo patriarcal e fálico. Quando torna-se patológico, o ciúme com suas dúvidas corrosivas, ultrapassam uma linha imaginária que nos torna equidistantes entre fantasia, verdade e certeza. O portador do ciume patológico é levado à verificação de suas próprias dúvidas delirantes, arguindo a outra parte sobre os lugares onde esteve, violando correspondências, ouvindo conversas pela extensão, grampendo o telefone da parceira, revolvendo bolsas e bolsos, verificando os odores da roupa íntima da parceira, contrata detetives, espreita, desconfia, vive em um mundo de pleonasmos hedonistas, onde nunca há alivio para os seus sentimentos doentios.
Fernanda sentiu que nunca mais teria paz em sua vida pois Sergio havia se tornado um ciumento patológico. 
Ao não trabalhar e agora depender do salário de Fernanda, buscava evidências todos os dias de uma possível traição. Fernanda chegou ao absurdo de mentir e confessar que teve uma conversa mais picante com um amigo de trabalho para que pudesse dormir em paz. Passou uma noite de inferno. Sergio nunca estava satisfeito com as explicações. Passou a aparecer de surpresa na saída do trabalho de Fernanda. Esgueirando-se por trás das árvores, como uma serpente, ansiando encontrar sua mulher com outro.
Fernando sofre de ciúme patológico e Fernanda continua ao seu lado. 
Sérgio agora faz terapia para recuperar sua auto-estima perdida no trauma da demissão do emprego onde imaginou que só sairia aposentado. O casal ainda está juntando os cacos dos corações que despedaçaram nos paredões do destino, mas estão ali, unidos e firmes, buscando um amanhecer de esperança.
Fernanda encerra sua mensagem como um libelo de tolerância e de amor verdadeiro. Agora sabe que o amará eternamente, pois, só um amor eterno consegue sobreviver a uma realidade tão dura.




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