sábado, 23 de setembro de 2023
Branquitude, raça e trapaça
sexta-feira, 15 de setembro de 2023
PARDO! O camaleão racial do colorismo.
quinta-feira, 7 de setembro de 2023
A Negritude Brasileira
Por isso o negro deve estar a postos cotidianamente, lutando pela igualdade, sendo solidário com seus iguais, se aquilombando, se rebelando contra as injustiças, estudando sempre, exigindo ser tratado como um cidadão pleno de seus direitos, enfim, compreendendo que a sociedade eurocêntrica, branca e racista nunca lhe oferecerá nada a não ser pobreza, humilhação, opressão e exclusão.
Desde quando o primeiro navio negreiro aportou por aqui com sua carga (des) humana, no século XVI até os dias atuais, a população negra, tanto escrava e depois livre, nunca recebeu por parte do estado qualquer tipo de aporte civilizatório.
Após o fim da escravidão, o enorme contingente de população negra que respirava uma pretensa liberdade, passou a ser um “estorvo” para a burguesia branca da época, que nutria verdadeira ojeriza pelos "crioulos da terra".
A partir de então foi cometido o segundo grande crime com a população afrodescendente brasileira, que foi o projeto governamental de embranquecimento da população brasileira.
O projeto foi iniciado através da imigração maciça de cidadãos europeus, que receberam do governo brasileiro todas as condições necessárias para refazerem suas vidas e prosperarem no novo país.
Enquanto isso, a população negra recém liberta, era jogada na sarjeta, como um descarte inconveniente e desnecessário. Foi um movimento premeditado, criminoso e covarde, pois, de um dia para o outro, centenas de milhares de negros e negras se viram expulsos do território onde viviam e foram postos em marcha pelas estradas da vida, sem eira nem beira. O triste infortúnio do povo negro no Brasil começou com o sequestro e a escravização em massa de seres humanos ainda no continente africano. O segundo momento foi a tenebrosa travessia transatlântica, que ceifou milhões de vidas africanas e alterou inclusive a rota migratória milenar dos tubarões, que passaram a seguir os navios negreiros sabendo que se alimentariam de carne fresca que era atirada dos navios por motivo de doença ou morte. O terceiro momento foi a culminância do cativeiro no Novo Mundo, onde os africanos cumpriam o triste destino de trabalhar de maneira forçada e gratuita até à morte, sem nunca tocarem novamente a terra de onde vieram acorrentados.
O segundo crime foi o abandono por parte do governo no pós abolição. Destruir as possibilidades de ascensão da população negra não foi um acaso ou uma falha geracional, foi sim um projeto oficial do estado brasileiro, que foi apresentado inclusive no Congresso Mundial das Raças, realizado em 1911 em Londres. A delegação brasileira chefiada pelo antropólogo racista João Batista Lacerda, ao terminar a apresentação do projeto, previu publicamente que dentro de um prazo de 100 anos, ou seja, em 2011, o Brasil teria 80% de sua população composta por brancos, 17% de indígenas e 3% de mestiços, proporção que indicava a erradicação definitiva dos negros retintos da população brasileira.
Entre a abolição e o projeto de erradicação houve um abandono proposital da população negra, que foi tornada invisível e deixada de lado pelo estado brasileiro, sem capacitação profissional, analfabeta e subnutrida, não sendo beneficiada por qualquer tipo de política pública de inclusão social e perspectiva cidadã.
Sem saber como fazer, mas ao mesmo tempo na emergência de ter que sobreviver, o povo negro passou a ocupar os territórios mais precarizados e periféricos das cidades. Sem trabalho no campo, agora ocupado por imigrantes de diversas nacionalidades do hemisfério norte, migrou para as cidades em busca de qualquer tipo de trabalho que lhes garantisse a sobrevivência, já que mesmo na condição de cidadãos livres, tiveram a cidadania negada, além de terem sido submetidos descaradamente à invisibilidade social.
A população negra nunca pode viver em paz nesse país notadamente racista e cujo projeto de nação foi fundamentado na escravidão. O resultado dos crimes cometidos contra o povo negro geraram profundas cicatrizes sociais que ainda hoje permanecem abertas e nos assustam com suas hemorragias. Os indicadores sociais da população negra são absurdos e gritantes no que concerne às assimetrias relacionadas ao contingente de população branca do país.
A cosmovisão africana é tão ampla e generosa que consegue internalizar nos seus a necessidade da tolerância e do compartilhamento da convivência pacífica com etnias diferentes no mesmo espaço geográfico. Assim sendo, os brancos vão ao samba, ao Candomblé e às rodas de capoeira nas comunidades periféricas, mas não querem dividir com os negros os assentos no Teatro Municipal.
E assim a banda vai passando e tocando o mesmo trecho da velha rapsódia onde os negros permanecem sendo secundarizados por um sistema racista, segregador e excludente.
Negras e negros no Brasil vivem em constante estado de tensão existencial, provocada pelo racismo estrutural que os remetem a sucessivas derrocadas psicanalíticas. Enveredando por trilhas fanonianas, é bastante previsível que enquanto seres humanos sensíveis, sofram por serem feridos por sua própria nação, uma nação pseudo democrática que lhes violentam através desse sistema cruel que os agride desde o útero com a violência obstétrica da saúde pública até a cova rasa (muitas vezes como indigentes) no final da vida. Por isso sofrem sucessivos abalos emocionais ocasionados pelas ameaças estruturais de um sistema moldado para segregar e oprimir um contingente étnico considerado inferior pelo estado e pela branquitude.
Nós fizeram nos odiar uns aos outros. Nós convenceram que éramos feios, horrorosos. Nós levaram a que alisássemos nossos vigorosos cabelos crespos. Nós fizeram sentir que fossemos aberrações, incapazes. Sentíamos inveja dos brancos com seus cabelos lisos e olhos verdes e azuis na escola. Sempre fomos ilhados como descendentes de escravos, filhos de trabalhadores braçais e faxineiras. Sonhávamos com a branquitude, com o modo de viver branco e nós maldizíamos por não ser um deles. Para as crianças e juventude negra o belo é o branco, o líder é o branco e essa certeza se consolida quando a escola escolhe a rainha da primavera, que é sempre branca. A branquitude não para de cometer crimes históricos contra a população negra e esse é um dos mais perversos que é pulverizar nossa auto estima por conta da cor de nossa pele, do nosso cabelo, dos nossos traços fenotípicos e de nossa origem.. A branquitude e o racismo estrutural empurram nossa auto estima para o fundo do abismo da auto rejeição e da não aceitação.
A aceitação ou a sensação dela faz os negros vitoriosos economicamente buscar mulheres brancas para casar. São diversos sentimentos embutidos nessa opção que muitos consideram errática e discutível. Pode ser por amor, por atração física ou os dois juntos. Mas também pode ser por auto promoção, para ser sentido “aprivado” pelo mundo branco. Falam em atração dos opostos mas nunca vi branca rica casar com negro pobre. Raras são as brancas que casam com negros pobres, obviamente que existem exceções, mas são muito raras. Geralmente os casamentos ou uniões interraaciais acontecem entre negros bem.sucefidos economicamente e mulheres brancas pobres. A questão é porque os negros com dinheiro não casam com mulheres negras? Talvez porque se veja através delas e não costuma gostar do que vê. O racismo entranhou de tal forma em sua personalidade que ele rejeita seu espelho, indo se olhar em um fenótipo caucasiano.
A força da empresa colonial foi pródiga em transformar as culturas dos territórios colonizados em manifestações barbaras e até demoníacas. As religiões de matriz africana nunca invadiram países ou promoveram genocídios em nome de seus deuses, ao contrário do cristianismo que promoveu matanças e genocídios históricos como as cruzadas e Jerusalém e a Ordem de Cristo com seu projeto de colonização nós territórios do Novo Mundo. Em nome de Cristo foram escravizados mais de 15 milhões de africanos nas Américas, sendo que mais de 1 milhão foi jogado no Oceano Atlântico durante a pérfida travessia.A Inquisição também matou em.nome Cristo centenas de milhares de pessoas durante a Idade Média, porém o Candomblé e a Umbanda são religiões acusadas de possuírem pacto com o diabo. Então o jovem cuja família professa uma religião de matriz africana é obrigado a esconder sua opção religiosa por conta do patrulhamento do cristianismo. Mais uma vez a auto estima do jovem negro é jogada no chão pelo sistema cruel e opressor da branquitude. Fica difícil ser verdadeiramente feliz em ser parte de uma sociedade que opera através da inversão de valores visando a supremacia dos brancos sobre a população negra. O resultado é dor e sofrimento, pois o negro, desde quando acorda até se deitar para dormir à noite é um ser em fuga do seu próprio destino, que infelizmente lhe nega os valores de sua ancestralidade em prol de um panorama difuso, oportunista e covarde que é a branquirude.
No Brasil o desemprego, a sub cidadania, a Educação, a Saúde, o meio-ambiente precarizado, o cárcere e a morte são sombras que permeiam um horizonte difuso, que invariavelmente pairam durante toda a vida sobre os destinos do povo negro. Por mais que a cama seja confortável, não há condições para dormir em paz, pois o comichão ancestral não deixa e nos retira o sono dos justos. Não seremos um Titanic antropológico que insiste em navegar na direção do grande iceberg que é o capitalismo voraz das economias centrais, que poderá nos destruir nós fazendo naufragar nos mares traiçoeiros da vida.
Para nós negros poder acordar e viver um novo dia já é uma grande vitória. Nosso sangue escorre impunemente pelas ruas e vielas das periferias e cidades sem alma e sem coração. A visão de corpos negros descompostos, esquartejados, crivado de balas fazem parte do cotidiano escabroso da necropolítica que alegra a burguesia de uma sociedade feia, cafona e cruel que nos detesta. Para a elite branca brasileira quanto mais negros perderem a vida mais diminui a distância para a erradicação. Bradam que bandido bom é bandido morto, mas não refletem o que gera o bandido. Qual o meio ambiente em que o bandido foi criado, quais foram as possibilidades de promoção social que o estado ofereceu para aquele ser humano ser um cidadão produtivo e dotado de todas as prerrogativas. Não pensam em solucionar o problema social, é muito mais cômodo mandar eliminar e enterrar os corpos. Em certo aspecto continuam querendo nos erradicar como no pretérito congresso de 1911. Apesar do panorama social trágico gerado pela necropolítica e pelo controle dos corpos oprimidos à exaustão, a burguesia consegue ganhar muito dinheiro com todo esse caos social, tanto pela corrupção como pelo abastecimento enlouquecido dos aparelhos de repressão de estado.
O samba esse grande patrimônio nacional que gera bilhões de reais pais agora nós 365 dias do ano possui uma cadeia produtiva gigantesca. Costumamos assistir somente a ponta do processo, os grandes eventos como os desfiles e ensaios das escolas de samba e blocos de rua que arrastam milhões de foliões pelas ruas e avenidas do país. Por trás dessa culminância há um esforço gigante para que tudo aconteça como estúdios de gravação de músicas, fabricação de instrumentos de percussão, chapelarias e fábrica de calçados, produção de adereços e fantasias, construção de carros alegóricos com ferreiros, especialistas em fibra de vidro, resinas, isopor, indústria de efeitos especiais, transportes, hotelaria, milhões de vendedores ambulantes, equipes de rádio e televisão, comentaristas e imprensa especializada, comercialização de direitos musicais e de imagens, contadores e advogados, seguranças, viagens mundo afora, enfim, uma cadeia produtiva monumental que gera trabalho e renda o ano inteiro no Brasil e também no exterior.
Quem comanda esse grande império do samba e carnaval? Os brancos obviamente. Mas como pode ser se os negros que começaram com essa maravilha cultural? Sim, começaram e sofreram todo tipo de perseguição durante décadas. Sofreram na carne e inclusive com prisões por insistirem em praticar o samba. Desde a casa da Tia Ciata até o governo Getúlio Vargas os negros passaram um dobrado com a lei só pelo simples fato do samba ser uma manifestação da cultura negra.
Quando o samba deixou de ser perseguido, a branquitude finalmente encontrou uma brecha, um grande nicho para fazer fama e fortuna com a exploração da atividade cultural. Hoje podemos assistir os brancos comandando o samba e o carnaval enquanto que os negros se tornaram componentes secundários e até folclóricos em alguns casos. Por mais incrível que possa parecer as próprias baterias das escolas de samba que resguardam a herança atávica e ancestral serem precedida por mulheres louras siliconadas e marombadas, ocupando um lugar que historicamente sempre pertenceu às mulheres negras.
Seguindo em frente pelo mesmo caminho podemos ver a perseguição ao funk e ao hip hop por parte da sociedade racista atual. Essas manifestações culturais são a forma da juventude negra se comunicar musicalmente com a sociedade. É a voz das periferias, das comunidades, de negros e negras que não possuem condições politicas de manifestar o descontentamento com o racismo e o abandono por parte do estado. O movimento de apropriação do funk e do hip hop pela branquitude já começou. Em um futuro bem próximo assistiremos o mesmo movimento de apropriação cultural.
A capoeira sofreu a mesma apropriação depois que passou a ser considerada um esporte com inclusão nos currículos escolares de algumas unidades escolares. Hoje a capoeira está consolidada em todo o planeta com seus mestres loiros de olhos azuis. Porém, em um passado não muito distante, nutre os anos de 1889 a 1937 o governo manteve a vigência no Código Penal da Lei da Capoeiragem, que prendia os praticantes da luta, além do castigo físico de 300 açoites. Nossa história é recheada de protagonismos e usurpações. A branquitude nos observa e fica pensando no melhor momento de se aproveitar do resultado de nossos talentos. É como chupar o caldo da cana e jogar o bagaço fora, no caso o bagaço somos nós.
Há uma guerra civil em curso que ceifa 60 mil vidas pretas todos os anos, terminando com os sonhos de uma juventude negra que em sua curta existência só conheceu a indiferença, a violência e o desamor em uma vida corrompida e miserável.
A corrupção estatal depende e se sustenta através dessa guerra para fazer girar a roda da fortuna. O negro famélico que segura o fuzil na comunidade é um pobre mamulengo de um enorme teatro de horrores. Ele é a base da pirâmide do mundo do crime, sendo considerado um joguete, uma peça do estoque étnico descartável que é a juventude negra. Os donos da dinheirama gerada pelo narcotráfico vivem de maneira nababesca em confortáveis mansões, cercados de luxos e advogados, contando o dinheiro que chega aos borbotões em suas mãos. O pretinho do fuzil na comunidade não pode estudar, pois a ditadura cruel do seu cotidiano lhe diz que precisa aprender somente a linguagem da violência e que para sobreviver precisa fazer dinheiro para o seu “patrão”. Por isso as penitenciárias estão repletas de negros e negras, o sistema mantém o projeto de precarização étnica e lucra bastante com isso. Para a elite é o jogo do ganha/ganha, enquanto que para o povo negro só tem a opção do perde/perde.
Estamos na luta contra todo esse horror institucional e não sairemos das trincheiras, não arredaremos pé, nelas não se dorme e o combustível que nos mantém alerta e combativos é o cheiro do suor de irmãs e irmãos que lutam ombreados e aquecidos com a chama da liberdade. É uma guerra longa, oriunda dos tempos imemoriais, de onde viemos vencendo batalha por batalha, conquistando e fincando a bandeira da justiça em territórios antes interditados aos negros e negras. Assim foi com as cotas nas universidades, nos espaços privilegiados de governo, nos parlamentos e na sociedade de uma maneira geral.
Somos filhos da grande África, o berço da humanidade e da civilização, onde a caminhada humana sobre o planeta Terra teve início.
Infelizmente só podemos contar com nós mesmos, pois não há atualmente qualquer tipo de devir civilizatório onde o povo negro possa estar incluído ou quiçá considerado protagonista, que não tenha sido conquistado com muita luta. Não somos vistos como referência histórica afirmativa enquanto construtores de um projeto de futuro de nação. O eurocentrismo nos tirou tudo isso com o colonialismo e a escravidão, mas estamos lutando para recuperar nossa história, nossa cosmovisão e nossa espiritualidade. Erguendo cada vez mais nossos monumentos, tijolo por tijolo, felizes e esperançosos com o lindo amanhecer que nos aguarda logo ali adiante em um belo amanhecer da história.