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O Espelho

domingo, 30 de maio de 2021

Nelson Sargento Já Chegou no Céu dos Sambistas


 Sambista não tem velório, velório de sambista é gurufim. Nelson Sargento bem que merecia um grande e animado gurufim na quadra da Mangueira. 

O gurufim é um ritual fúnebre/festivo dos povos de origem africana, que celebram e homenageiam em corpo presente a morte de algum membro da comunidade. O termo ‘gurufim’, segundo o folclorista Luis da Câmara Cascudo, é uma corruptela de ‘golfinho’, cetáceo que em diversas culturas, conduz a alma do morto, ou seja, faz a passagem dos espíritos dos que morreram para uma outra vida.

Segundo o pesquisador Luis Antônio Simas, no Brasil é comum na religiosidade dos bantos e iorubas a cerimônia do Axexê, que é um rito, uma comemoração, uma festa para a morte. Simas explica que a crendice popular diz que a morte quando chega nunca leva somente uma pessoa. Na verdade gosta de levar três. “Então o povo faz uma festa ao redor do morto, onde canta, bebe e brinca para enganar a morte”. É uma malandragem, para que a morte não perceba que tem um morto sendo velado naquele local. Então ao observar a festa e o povo feliz na comemoração, não percebendo o engodo, vai embora sem levar as pessoas ali presentes.

Uma das maiores pesquisadoras viva da história do samba, Marília Trindade Barboza, diz que o maior gurufim que sem tem notícia foi o do sambista Paulo da Portela, fundador da escola de samba cujo nome incorporou. As exéquias aconteceram no ano de 1949 e infelizmente não puderam ser realizadas na sede da escola de samba, pois, segundo Marília, a recém viúva não permitiu que o corpo fosse velado na quadra da agremiação por conta de quizilas entre a escola e seu falecido marido, fundador da instituição, coisas do samba. A imprensa da época noticiou que 15 mil pessoas lotaram as ruas de Madureira para acompanhar a passagem do funeral.

O gurufim foi na rua mesmo. O comércio cerrou as portas em respeito e homenagem ao ilustre sambista. O povo cantava e bebia enquanto caminhava acompanhando. Segundo Marília Barboza muita gente ganhou um bom dinheiro no bicho ao apostar no milhar da sepultura, que por mais incrível que possa parecer, deu na cabeça, mais gurufim que isto impossível. Culminar com o milhar da sepultura do falecido dando na cabeça.

O memorável sambista Padeirinho da Mangueira também se referiu ao gurufim em um de seus sambas, especificamente o “Linguagem do Morro”: “Briga de uns e outros/Dizem que é burburim/Velório no morro é gurufim”.

Dona Neuma a grande dama do samba de Mangueira narrava que também fazia parte do gurufim algumas brincadeiras: “A gente tirava a porta da sala principal e deitava sobre os caixotes. Colocava o morto ali em cima rodeado de gente sentada em bancos. Quando a cachaça comia solta, nego dormia e os outros pintavam a cara dele com uma rolha queimada”

Luiz Antônio Simas diz que essas brincadeiras costumavam ter o mar e os peixes como tema, pois os golfinhos carregam a tradição de transportar as pessoas para outros mundos. Em uma delas o capitão perguntava: “Gurufim veio?” e em coro todos respondiam: “não, não veio” e perguntava novamente: “Baleia veio? “Não, não veio” respondiam, e então quem veio? E o grupo apontando para alguém: “olha a sardinha aqui”...e cada um era apelidado pelo nome de um ser marinho.  A pessoa que era a sardinha então tinha que responder, e passar adiante. Quem não respondesse ao chamado, tinha que pagar uma prenda, como levar um tapa na mão, conhecido como “bolo”, explica Simas. 

Velório no Morro” (Raul Marques e Tancredo Silva)

 Lá no morro quando morre um sambista

É um dia de festa e ninguém protesta

As águas rolam a noite inteira

Pois sem brincadeira o velório não presta

Tem também um gurufim

Que no fim acaba sempre em sururu

Mas é gozado pra chuchu (…)

(...) Já encomendaram ao anjo Gabriel 

Um novo céu para dar abrigo a sua gente 

Que morre assim constantemente, de repente.

 

A morte está presente no cotidiano dos poetas do samba. Nelson Cavaquinho cantava: “...Depois que eu me chamar saudade/Não preciso de vaidade/Quero preces e nada mais”, e “Quando eu passo/Perto das flores/Quase elas dizem assim: Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim”.

Então o poeta traz essa epistemologia de um novo céu para abrigar a sua gente, os sambistas, o céu dos sambistas. Não basta o gurufim, há que haver um céu especial.

Pois é amigos e amigas, o samba sempre foi o grade pulsar do coração cultural do povo e ficou menor com a partida de Nelson Sargento.

A trajetória de Nelson Sargento se mistura com a história do samba. Nelson sempre foi joia rara, amigo leal, sambista de boa cepa, sorriso malandro, não dava bom dia a cavalo nem entrava em bola dividida. Unanimidade no mundo do samba, deixa um vazio danado e um grande legado, permanecendo para sempre o alerta de que o samba agoniza mas não morre.

A essa hora já chegou no Céu dos Sambistas. Duvido que São Pedro não tenha criado um só para os sambistas. Se não houvesse criado, São Pedro certamente teria recebido a demanda de Paulo da Portela que com certeza protocolou um requerimento solicitando a criação do espaço.

No Céu dos Sambistas é diferente. A rapaziada fica de boas nas nuvens, tirando uns acordes para mostrar pro São Cartola e realizando exercícios vocais com Elizeth Cardoso, Beth Carvalho e Clara Nunes.

No Céu dos Sambistas a coisa toda não é tão rigorosa, Noel Rosa sempre fuma um cigarrinho escondido e Geraldo Pereira sempre dá um jeito de tomar umas e outras com Nelson Cavaquinho, Beto sem Braço e Zé Espinguela. Padeirinho só acompanha pois já parou de beber há muito.

Dona Neuma organiza tudo e é quem manda de verdade no Céu dos Sambistas. Paga esporro e enquadra todo mundo no fundo da quadra. Dona Zica também tem grande poder e comanda na moral a feijoada de sábado que o Natal da Portela adora. O medo do pecado da gula passa longe do Céu dos Sambistas. Lá rola Tripa Lombeira, Barriga de Porco, Sarapatel, Rabada, Mocotó, Buchada de Bode e como ninguém é de ferro sempre rola um prato leve como Angu à Baiana com chouriço.

No Céu dos Sambistas não há como ter tristeza. Isso é com os ‘zé ruela’ que ficaram lá embaixo reclamando da vida. Aquela coisa filé de vida eterna, não andar duro, tudo suave, nos conformes, chapéu panamá, sapato bicolor, camisa de seda, mulheres no salto, não tem como não sair samba bom. 

É no Céu dos Sambistas que são feitos os sambas bons que ouvimos no dia a dua. Quando os sambas ficam prontos, eles mandam os anjos do samba colocarem nas cabeças dos compositores e compositoras aqui da Terra. 

Se for um anjo sambista meio preguiçoso, ele entrega o samba durante o sono do compositor, dá menos trabalho assim. Se for uma anja daquelas sagazes, ela faz ser como uma luz que chega de repente com a rapidez de uma estrela cadente e zumpt! Enfia o samba na é que tem que se arvorar em encontrar caneta e papel nos lugares mais esdrúxulos e inimagináveis.

Nelson Sargento já chegou no Céu dos Sambistas. A alegria é intensa, foi recebido pela corte celestial mangueirense, composta por Saturnino, Dória, Roberto Firmino, Gargalhada, Zé com Fome, Zagaia, Chiuco Porrão, Alfredo Português, Seu Tinguinha, Waldomiro Pimenta, Jamelão, Preto Rico, Jajá, Jurandyr, Comprido, Tantinho, Luizito, Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Tia Fé, Neide, Mocinha, Rasgado, Delegado entre tantos outros ilustres mangueirenses.  

Nelson Sargento era o Presidente de Honra da Mangueira, instituição cultural internacional fundada por negros pobres do Morro da Mangueira. Nunca teve doutor no meio porque para fazer samba não precisa de livro e sim de ancestralidade.

Sargento percorreu a linha da vida sempre na paz e com humildade. Gente boa,  pedra 90, ás de ouro, pessoa fina da melhor qualidade, fina estampa. Nem precisou passar pela entrevista de acesso para saber se podia entrar e ficar no Céu dos Sambistas, entrou direto, pois no ônibus do samba Nelson Sargento sempre andou na janela.

Está de boas no Céu dos Sambistas. Luis Carlos da Vila acabou de compor um belo samba para sua chegada. Quem está cantando é o Tantinho acompanhado por Mijinha e Elizeth Cardoso.

Todos estão perfilados, em trajes de gala, com as bandeiras e estandartes das agremiações. Só o Jamelão que está resmungando da falação e algazarra das pastoras de Mangueira. Dodô da Portela acabou de ralhar com o Delegado que estava conversando com Candeia e João Nogueira sobre samba e futebol durante os preparativos.

No Céu dos Sambistas todos estão em festa e engalanados para receber Nelson sargento sob as bênçãos do Comandante em Chefe do Céu dos Sambistas, Paulo da Portela. O samba está triste na Terra mas há uma grande festa no Céu dos Sambistas.

Nelson Sargento pode não ter tido seu merecido gurufim, são tempos de pandemia. Foi consolado por Tia Ciata e João da Baiana. Nelson Sargento está feliz no Céu dos Sambistas.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Cultura


 

Democracia


 

Trem do Samba


 

África do Sul . Conferência da ONU.


 

Gabriel Queiroz


 

Bê Queiroz


 

Palco sagrado da Mangueira.


 

Com Denny Glover . Máquina Mortífera.


 

Direitos Humanos.


 

Com Jacy Proença e Ele Semog no Quilombo Mata Cavalo em Livramento. Mato Grosso.


 

Luiz Carlos Magalhães Presidente da Portela.


 

Palácio do Samba . Mangueira.


 

MÚSICA


 

MÚSICA


 

FLAmília


 

terça-feira, 4 de maio de 2021


Vou participar do evento como palestrante abordando a ligação do conceito de "Necropolítica" desenvolvido pelo pesquisador Achille Mbembe com o crescimento do neofascismo nas Américas.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

GÊNESIS

 

GÊNESIS



Os sinos dobram solenes

Anunciam o fim de uma era

Foi decretado o renascimento

É momento de partir

Elevar-se

Ser conduzido ao etéreo

Abandonar a casca de poeira de estrelas

Partir livre e sem amarras

Solto na imensidão do cosmo

Viajar por nebulosas

Aglomerados de galáxias

Berçário de estrelas

Matéria escura

Sóis brilhantes no caminho

Multiversos

Onde estarão os anjos

A corte celestial

Onde celebra-se o reencontro com os ancestrais

A nova forma é plasmática

Sem densidade ou contornos definidos

Ultrapassando as leis bárbaras do conhecimento humano

Atravessando dimensões

Mundos paralelos

Percorrendo o insondável

Em júbilo com a perspectiva de Deus

Sonhando com a glória do encontro

O Dono de todo esse poder

O grande arquiteto do universo

Sentir Seu incomensurável amor

Amor imanente

Já não ouço mais os sinos

Aquele velho mundo ficou para trás

Território de expiação e sofrimentos

Onde os humanos purgam suas dores existenciais

Seus desejos inconfessáveis

Seus pecados e aberrações inconfessáveis

Sinto a liberdade mais pura

Ouço os acordes do paraíso

Mente livre das limitações da matéria

Dos julgamentos e das culpas

Da prisão limitada do carbono

Flutuo suave nos infinitos recônditos do universo inimaginável

Ouço o troar da Criação

Luzes rugem rasgando as trevas imemoriais

Surgem novos mundos

Gênesis primordial gerando corpos celestes

Nascem do mais puro caos mas seguem o ordenamento universal

Seguem a determinação de Deus

Onde está guardado o mais profundo dos mistérios que é a Criação

O nascer da consciência pela Onisciência

Onde tudo se inicia

A alma

O espírito

Os sentimentos

O amor

Deus.

sábado, 1 de maio de 2021

Oração da Mãe Preta



Mãe negra que estais no orum santificado seja vosso nome. De seu generoso ventre africano nasceu a humanidade. Oh! Eva! Negra Eva! Mãe de todos nós! Oh! Mãe da diversidade! Mãe dos degredados, dos despossuídos, dos famintos, daqueles que nada têm.

De seus seios fartos jorrou o leite que manteve de pé seus filhos diletos. Também nutriu o filho do branco que a escravizava. Leite bom, leite de sustança, leite de tetas sagradas que inundou o planeta de corpos fortes, sadios e viris.

Venha à nós o vosso amor, vosso acalanto, vossa sabedoria. Perdoai nossa covardia, nossa leniência, nossa omissão em não lutarmos pela restauração de teu reino perdido para os invasores. Perdoai oh! Mãe Negra! Por sermos reféns do medo, do terror, da paúra de um porvir maior.

Perdoai-nos Mãe Negra, por permitirmos que esse sistema opressor escravize nosso povo. Por não nos rebelarmos por sair de uma escravidão para outra. Saímos do cativeiro da terra para o cativeiro do dinheiro, que nos é negado e sua falta nos atira para longe nos valhacoutos das cidades. Somos a bílis do corpo humano terra. Somos o esgar de uma orgulhosa civilização de outrora.

Perdoai-nos por não lutarmos pelo futuro de nossas crianças, nossas amadas crianças negras. Nosso futuro povo negro que encontrará uma muralha de indiferença e desconfiança que magoará para sempre seus corações puros, causando sofrimento e dor.

O racismo Mãe Negra, nos destrói em silêncio. Produz marcas invisíveis, faz com que machuque sem deixar marcas visíveis, mas marca para sempre a alma. A dor do negro é uma dor solitária, é dor de peregrino, dor de tuaregue nos desertos da alma sem nunca repousar no oásis da felicidade plena.

O racismo apaga aos poucos o sorriso franco e nos impõe o sorriso forçado. O sorriso de negro gente boa, de negro sangue bom, de negro de alma branca. O pior é que não lutamos. Nosso povo perdeu o rumo da luta que ficou na Serra da Barriga com Zumbi e seus guerreiros e guerreiras, que lutaram por 100 anos contra dois impérios. Nós decidimos ficar quietos por aqui Mãe Negra. Lutamos no teclado do computador enquanto nossos povo está sendo massacrado pelo poder dos brancos de má vontade, que querem nos relegar uma cidadania de terceira, pois a de segunda já vivenciamos.

De terceira também será a cova rasa para mais de 35 mil jovens negros que são assassinados todos os anos. Agora Mãe Negra, estão nos exterminando sob a égide da lei. Nosso povo está morrendo de várias maneiras: pelas balas da polícia, na violência do narcotráfico, da pedra de crack, pela tortura, pela inanição, pelos abortos clandestinos, isso mesmo Mãe Negra, não satisfeitos em nos matar não nos deixam ao menos nascer. No futuro não existiremos mais. Somos estoque étnico descartável para o capitalismo. As balas que nos oferecem são de chumbo e não de confeitos ou guloseimas.

O pão nosso de cada dia Mãe Negra, é a dor de ver nosso povo sob os viadutos no que pode se chamar de arremedo de vida. Vivendo nos guetos, nas palafitas, nas favelas, sem trabalho, sem recursos, sem dignidade. Por isso Mãe Negra que estais no céu, perdoai nossas dívidas por que não temos como pagá-las. O sistema é cruel e não nos dá trégua.

Perdoai as nossas dívidas, pois nossas dívidas também são existenciais. Nossos credores espirituais que estão no Orum são Zumbi dos Palmares, João Cândido, Teresa de Benguela, Steve Biko, Malcoln X, Martin Luther King, Marielle Franco, George Floyd, Rosa Parks e tantos outros que esperam mais de nosso povo e ficamos atados ao imobilismo. Aguardando um porvir prometido pelo canto de sereia do capitalismo que nunca virá. Os brancos racistas possuem o dom de iludir. Nos acenam com falsas possibilidades e assim nos mantêm em modo de esperança, onde o futuro é uma porta na linha do horizonte da qual jogaram a chave fora.

Perdoai nossa dívidas assim como nós não perdoamos a dos nossos devedores que é impagável. Dos colonizadores, dos escravistas, dos traficantes de escravos que tantas dores infligiram ao nosso povo, nossos sofridos ancestrais.

Perdoai nossas ofensas assim como não perdoamos a quem nos tenha ofendido com a crueldade do cativeiro. E que ainda nos ofende com a indiferença, com a desigualdade, com o racismo e o preconceito. Não perdoamos aos que nos delegam um sistema de ensino falido, uma educação de péssima qualidade, o interdito ao acesso à cultura e ao lazer.

Santificado seja o vosso nome, assim na Terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos é negado hoje. E então caímos em tentação e muitos de nós recorrem ao delito, à desobediência civil e se tornam pessoas à margem da lei, em conflito com a lei, como diz a lei criada pelos brancos. Na verdade acho que a lei é quem está em conflito com eles, desde que nasceram. Antes de nascer já eram humilhados pela obstetrícia violenta. Depois que nascem são agredidos pela violência das comunidades, pela falta de apoio escolar, pelo estreito convívio com o narcotráfico, com o álcool e outras formas lícitas e ilícitas de fuga da realidade.

Por favor nos deixes cair em tentação. Nos livre do mal da docilidade, da doma, da subserviência, da resignação. Dê-nos o pecado da rebelião, do confronto, das trincheiras da liberdade. Tire-nos, oh! Mãe Negra, desse limbo, tão cheia de graças que és e que tudo pode! Acorde-nos desse sonho que nos imobiliza, faça com que haja um despertar coletivo, onde arcanjos negros e brancos possam soar suas trombetas e assim comandar nossos exércitos rumo à liberdade. Bendita sois vós entre as mulheres! Bendita sois vós que sempre nos amparou e nos amou.

Vamos nós ao vosso reino após vencermos essa luta. Vamos vencer a maldade, a segregação, a intolerância. Vamos marchar nas ruas e avenidas das cidades. Será feita a vossa vontade e será saciada a sede de justiça. Que cada pessoa do povo negro possa ser reconhecido como igual, apesar das nossas diferenças. Assim seja na Terra como no Orum.