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terça-feira, 20 de abril de 2021

 


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EU E O EMBAIXADOR

O Negro na TV e a Invisibilidade Programada

Certa vez tomava café da manhã com um embaixador de um país africano em um hotel na zona sul da capital do Rio de Janeiro. O diplomata educado nas melhores universidades inglesas carregava uma expressão iracunda, poderia se dizer até feroz. Inquiri se estava tudo bem e ele me respondeu entre dentes o porquê de permitirmos que um crime tão hediondo fizesse parte da rotina cotidiana de nosso país. Não entendi bem e perguntei qual seria o crime e ele me respondeu com dureza: invisibilidade.

Sua ira era natural. Ao acordar no hotel da Praia de Copacabana, ligou a TV enquanto se preparava para o encontro comigo, um representante de uma organização negra brasileira. Segundo ele. Aos poucos foi tomando pé da situação e sua atenção passou a se fixar na programação da TV do nosso país. A medida em que trocava de canais, sua surpresa aumentava e com ela a mais legítima indignação.

O embaixador era um homem de sólida formação acadêmica. Passou parte de sua vida em Cambridge, uma das mais conceituadas instituições de ensino da Inglaterra e do mundo. De suas salas de aula saíram mais de oitenta vencedores do Prêmio Nobel, além de ter formado cidadãos que transformaram o conhecimento da humanidade, como Issac Newton, Charles Darwin e Stephen Hawking.

O racismo estrutural brasileiro deixou o embaixador africano aturdido após a constatação da invisibilidade programada do negro nas grades de programação de todos os canais. Além do mais, há um segundo fator ainda mais intrigante, segundo ele alegou, q1ue é a propaganda. Os comerciais nos canais de TV apresentam majoritariamente atores e atrizes caucasianos. O que para ele é um contrassenso econômico pois a população brasileira possui mais de 50% de pessoas não brancas que consomem os produtos que são anunciados diariamente na programação. A única explicação possível, segundo o embaixador, é que é mais lucrativo para os grupos econômicos manterem os negros distantes das imagens de seus produtos, pois, seus pensamentos canhestros e supremacistas, consideram o povo negros “desagradável de se ver na TV”. 

Oriundo do país que possui a maior população negra do planeta, cerca de 60 milhões de nacionais, o diplomata não compreendia como os negros brasileiros se submetiam a uma situação racista como esta.

Coberto de razão, tristeza e de indignação, o embaixador partiu se sentindo triste com o que viu por aqui. Disse-me pesaroso, que não conseguiria deixar de pensar durante a viagem de volta para seu país, sobre a construção ou desconstrução da autoestima das crianças e da juventude negra do Brasil. Que futuro esperar para esses seres humanos que Têm diariamente sua ancestralidade ocultada, invisibilizada e criminosamente saqueada em seus mais arraigados valores culturais, científicos e espirituais.

Saí daquele café da manhã pensando em quantas meninas negras desse país sonharam um dia em ser “Paquitas” do programa da Xuxa. Em quantos meninos negros sonharam com a atuação em uma telenovela que não fossem marginais ou “o melhor amigo” do personagem protagonista branco. O mundo do show business na TV reserva espaço para personagens negros caricatos como o que protagonizava nosso inesquecível mangueirense Mussum, onde era o adorador da cachaça e da ignorância.

A TV possui enorme participação na construção do imaginário popular. Suas dramaturgias paralisam o país de norte a sul e eles através de um processo de dominação e perpetuação da subalternidade do povo negro, o colocam dentro dos dramas como empregadas, escravos, pajens, onde geralmente são ridicularizados, escrachados e até tratados como animais pelos personagens brancos. Há no fundo uma “macunaimização” do negro, tornando-o preguiçoso e indolente, negras sedutoras e sempre à disposição dos agrados do sinhozinho ou de negros fiéis ao senhor até a morte, traindo inclusive seus irmãos de infortúnio. É uma tragédia sociológica que aliada á necropolítica se tornou uma bomba-relógio anticivilizatória.

O projeto é assim: Quebrar a autoestima quando há, desqualificar o comportamento, determinar um tipo de moda e de costumes onde o negro não possa ser inserido ou se inserir, manter o discurso estruturante de poder através da academia branca e elitista.

Os meios de comunicação perderam há muito, se é que já tiveram um dia, a característica de comunicação. Hoje são meros veículos de publicidade que inserem em suas grades comerciais programações de entretenimento para que o espectador fique atento à frente do aparelho para que as mensagens comerciais possam ser exibidas. Tanto que nos momentos de maior suspense das tramas, a exibição é interrompida para a apresentação dos comerciais.

Em nenhum desses momentos a representação do povo negro é apresentada como um mero cidadão comum. Na televisão os comerciais de produtos para bebês, os pequerruchos são sempre brancos e as famílias dos reclames de margarina parecem que são escandinavas. Em relação às mulheres negras é um massacre. Somente mulheres brancas consomem absorventes, vinhos, voos internacionais, decoração de interiores e internações em clínicas de estética.

Tudo isso acontece impunemente, de maneira sutil e descarada, como se fossemos um país nórdico. É uma vergonha! É ultrajante, criminoso, é uma situação vergonhosa e preconceituosa que entra na casa de centenas de milhões de brasileiros todos os dias, sob bordões de eficiência e qualidade.

Nunca mais tornei a ver o embaixador. Sua indignação porém jamais pude esquecer. Aquele café no hotel da praia de Copacabana continua até hoje causando embrulhos em meu estômago e causando desconforto. Perguntei ao embaixador como era a políticas de comunicação no país dele. Ele respondeu que em seu país as 250 etnias negras hegemônicas no poder não permitem que o eurocentrismo provoque o massacre existencial que comete no Brasil. Nunca esqueci de uma frese que me disse: “Em meu país, os juízes são negros, os parlamentares negros, os pilotos de avião negros e os comandantes dos navios também são negros. Somos o 25 PIB do planeta e fazemos isso sem os brancos nos controlarem. Nós fazemos as leis, nós os negros governamos nosso país”.

Lembro certa vez da surpresa de um amigo de faculdade quando disse que nos países africanos os negros faziam tudo que aqui é feito pelos brancos, no que concerne ao poder político e em muitos casos econômico. Meu amigo demonstrou um grande espanto pois isso nunca havia o passado por sua cabeça. Sua mente ainda vivia no período colonial e por assim acontecer, com o pensamento da população mundial, para os negros por falta de referência e para os brancos por conveniência mesmo, o racismo gera a falsa premissa que os brancos são os que devem controlar a sociedade.

Os negros precisam avançar para além dos esportes e da música enquanto seres dotados de expertises fantásticas. Os meios de comunicação de maneira ciclotímica reproduzem o apartheid invisível e o racismo institucional no Brasil.

É fundamental que façamos o pequeno exercício de nos sentarmos diante de um aparelho de TV por uma hora e marcarmos em uma folha de papel quantos negros apareceram durante este período e em qual situação se encontravam. Penso que seria um bom início para que possamos um dia, nos manifestarmos melhor, quando vier por aqui um futuro provável embaixador africano que goste de assistir TV.

 

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