O JEITINHO BRASILEIRO
DE FABRICAR HERÓIS DA PÁTRIA
Nosso herói nacional é Tiradentes.
Mas vamos lá, o que fez efetivamente o alferes para ser herói da pátria?
Quantas batalhas revolucionárias comandou país afora. Nesse quesito os líderes
do Quilombo dos Palmares merecem mais créditos, pois, enfrentaram cerca de 20
expedições imperiais e dezenas de ataques de bandeirantes (os milicianos da
época) entre 1595 e 1695.
Palmares, um enclave republicano
negro, foi chamado de A Tróia Negra, possuindo cerca de 30 mil habitantes em
seu apogeu, no século XVI. Resistiu durante cem anos aos impérios holandês e
português, tendo inclusive celebrado um acordo de paz com o governo de
Pernambuco com a aquiescência do rei de Portugal.
Ganga Zumba o líder maior de Palmares
aceitou o acordo e desceu a Serra da Barriga com um grande contingente
quilombola para viver em uma reserva delimitada pelo governador de Pernambuco.
Zumbi e outro guerreiros optaram por permanecer em Palmares, pois não confiavam
nos políticos pernambucanos nem na coroa portuguesa.
Pouco tempo após se fixar com seus
pares na planície, Ganga Zumba foi envenenado e seus seguidores capturados e
devolvidos aos antigos escravizadores ou vendidos novamente como escravos para
novos senhores. Zumbi permaneceu em Palmares guerreando e usufruindo a
liberdade. Foi vítima de uma traição, morrendo encurralado em Palmares, com sua
morte causando a derrocada do quilombo.
O que fez Tiradentes em nome da
liberdade? Absolutamente nada. Tiradentes e os sediciosos de Vila Rica lutavam
pela criação de uma república em Minas Gerais, separada do resto do Brasil,
pelo simples fato de não concordarem com a Derrama, um sistema de imposto
criado pela coroa portuguesa que diminuía o lucros dos proprietários de sítios
de extração de ouro e pedras preciosas. Vila Rica no final do século XVIII era
a maior e mais rica cidade da América portuguesa, com uma elite local próspera,
proprietária de centenas de escravos.
A Inconfidência Mineira foi um
movimento iniciado por ricos proprietários de minas e sítios de exploração de
jazidas, que hipocritamente lutavam por liberdade mas não defendiam o fim da
escravidão. Ao contrário de Simon
Bolívar que libertou os escravos em todas as guerras de independência que
venceu. A nova república que se instalaria em caso de sucesso do movimento de
secessão mineiro, manteria seus escravos e a vil exploração do homem pelo
homem.
O final do movimento todos sabem,
assim como em Palmares, houve um traidor que revelou os planos sediciosos à
coroa portuguesa em troca de perdão de suas dívidas com Portugal. O rei
decretou que todos fossem presos imediatamente, tendo a grande maioria dos conspiradores,
condenando os principais à morte. Mas como aqui já era Brasil, somente o único
pobre do grupo foi executado, o Alferes Tiradentes. O restante foi perdoado e
alguns cumpriram um breve degredo em África e outros até recuperaram o
prestígio político que gozavam anteriormente.
Não houve guerra, batalhas,
confrontos ou ao menos pequenas escaramuças militares que justificassem a
honraria de ser nomeado herói da pátria. Foram simplesmente algumas reuniões e
elaboração de panfletos, como na Revolta dos Malês em Salvador. Aliás, ambos os
movimentos com caráter iluminista.
O governo republicano brasileiro,
recém estabelecido à época, necessitava de heróis em sua extrema vocação
positivista. Foram buscar na sedição mineira o mote para a criação de um mito nacional
que confrontava o império português e Tiradentes caiu como uma luva nessa
esperteza histórica, pois, sua execução, ensejava a sordidez e o despotismo do
sistema imperial. Não existe a mínima comparação entre a sublevação de Palmares
e a Inconfidência Mineira. Palmares durante cem anos enfrentou 20 batalhas
contra dois impérios além de inúmeras expedições de bandeirantes mercenários,
enquanto em Vila Rica não foi dado um único tiro.
Qual a diferença fundamental entre a
Inconfidência Mineira e Palmares? Palmares, a Tróia Negra, foi um enclave
negro, uma república negra que durou cem anos. O exemplo de Palmares não
poderia ser passado às gerações futuras, pois mostra que os oprimidos podem
transformar a realidade. Assim como João Cândido na Revolta da Chibata, onde
marinheiros negros tomaram os navios da Marinha de Guerra, levaram-nos à Baía
de Guanabara e apontaram seus canhões para o palácio do governo, exigindo o fim
dos castigos físicos promovidos pelo oficialato branco da época. Interessante
lembrar que em 1910 a marinha brasileira era uma das maiores do mundo. A dupla
João Bosco/Aldir Blanc imortalizou o movimento com a música ‘O Mestre Sala dos
Mares’.
Os verdadeiros heróis então sempre
foram tornados invisíveis pelo estado brasileiro? Claro que sim e isso é só o
começo. Talvez esteja aí a explicação para o Brasil sempre ter virado as costas
para a América Espanhola, digamos assim.
É inacreditável que em nossas
instituições de ensino não se trabalhe com os movimentos de libertação dos
países da América do Sul e Caribe. É menos crível ainda que não se escreva uma
linha sequer sobre o Haiti, que conseguiu sua independência através de uma
revolução popular conduzida por escravos. Talvez por este motivo aquele país
sofra tanto, devido ao ‘castigo’ imposto pelos colonizadores europeus. Na mente
dos escravizadores e colonizadores o Haiti não pode prosperar, pois cometeu um
erro imperdoável que foi lutar e ter conseguido sua liberdade através da
rebelião popular.
Cuba é outro exemplo de resistência
no Caribe. A revolução cubana devolveu ao povo oprimido o orgulho de poder
respirar liberdade. Durante o período do ditador Fulgêncio Batista, a ilha
caribenha era praticamente um bordel dos Estados Unidos, onde os estadunidenses
da Flórida alugavam voos charters para alugarem meninas a partir de 10 anos de
idade, com as quais passavam o dia, cometendo suas imundícies hedonistas. A
máfia transformou a ilha em um cassino onde jogo, drogas e prostituição foi a
tônica daquele território até a chegada vitoriosa da revolução. Cuba paga um
alto preço civilizatório devido ao bloqueio econômico imposto pelos EUA há 60
anos. Porém, o povo cubano é orgulhoso, pois, na ilha não há medicina ou
educação privada. Todos os cubanos frequentam as mesmas instituições, por isso
os filhos dos operários e camponeses se formam em universidades de excelência,
que inclusive exportam médicos para todo o planeta, principalmente para a
África, em missões humanitárias.
Porém o mais impressionante é a
figura histórica de Simon Bolívar. Chamado de O Libertador, Bolívar nasceu em
Caracas no ano de 1783, onde foi educado por um seguidor do filósofo francês
Jean-Jacques Rousseau que lhe transmitiu as ideias do Iluminismo.
Bolívar dedicou sua vida a um projeto
utópico de expulsar de América e Caribe toda a presença da coroa espanhola,
sendo a Espanha um dos maiores impérios à época. Em sua cruzada libertadora, derrotou
e expulsou os espanhóis em diversos países, libertando do jugo colonial
espanhol Venezuela, Colômbia, Panamá, Equador e Peru. Simon Bolívar criou a
Grâ-Colômbia (embrião distante do Mercosul), que foi a união dessas nações
libertadas e da qual foi presidente por dez anos.
Essas histórias de libertação nos são
ocultadas pelo estado brasileiro para que pensemos não ser possível libertar
nosso país do colonialismo cultural e econômico a que somos submetidos. Então
nos enfiam goela abaixo um falso herói que foi Tiradentes, para que possamos cultuar
valores libertários mais amenos. O positivismo da época apresenta um mártir
cabeludo e barbudo, à imagem de Jesus Cristo, para causar comoção popular.
Quando na verdade sabemos que os enforcados tinham a cabeça e a barba raspados
antes da execução da pena. Tiradentes estava careca e sem barba quando foi
enforcado.
Dizem que a história se repete.
Atualmente estamos assistindo a derrocada de um outro herói nacional chamado
Sergio Moro. Alçado à condição de paladino da justiça, está assistindo atônito,
seu império ruir dia após dia. Moro cometeu o pecado capital de embarcar na
aventura de outro mito fabricado, Jair Bolsonaro, onde sua recompensa pelo
trabalho de tirar o campeão das pesquisas do páreo foi o Ministério da Justiça.
Para que isso acontecesse, tirou do certame o principal adversário do candidato
Bolsonaro, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Utilizando-se de métodos
pouco ortodoxos na doutrina do Direito, mandou grampear os telefones do
escritório de advocacia que defende o ex-presidente, além de ter permitido o
uso de uma condução coercitiva sem que o acusado houvesse ao menos ter sido
convidado a depor. Porém o mais grave no meu entender foi a relação promíscua
que estabeleceu com o Ministério Público Federal, recebendo inclusive, com antecedência,
textos das denúncias que seriam exaradas pelo ministério público e a discussão
de sentenças.
Foi mais um caso de construção de
mito para atender interesses da classe dominante. Como o ex-presidente estava à
frente das pesquisas, vencendo ainda no primeiro turno, era necessário tirá-lo
do páreo e o melhor caminho seria sua prisão. Ao ser condenado o ex-presidente
perdia a condição de "ficha-limpa" para poder concorrer e o caminho
ficou livre para o segundo melhor colocado Jair Bolsonaro. Ao fim do certame eleitoral
Moro foi cobrar "fatura", ou seja o Ministério da Justiça. Recebeu o
que foi devido e rapidamente foi defenestrado pelo déspota, que o atirou em uma
masmorra política invisível. Sem um partido político que o sustentasse e com o
aparato governamental agindo sub-repticiamente contra ele, viu seus sonhos
desfazerem-se no ar. Os advogados do ex-presidente conseguiram provar no STF
que o juiz foi parcial, reduzindo a pó o pouco de credibilidade que lhe
restara. Moro hoje se assemelha a um ectoplasma político, onde todos ao vê-lo
fogem do seu contato, está isolado e periga ser preso.
Jair Bolsonaro é um caso à parte.
Chamado de mito por seus seguidores, possui um currículo bastante peculiar.
Tenente do Exército Brasileiro, foi enviado para a reforma com o posto de
Capitão sem nunca ter cursado a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – ESAO,
que forma os capitães da força. Após tentativas contínuas de insubordinação,
ameaçou bombardear quartéis por conta dos baixos salários, medida extrema que
MST e CUT jamais pensaram. Afastado e posto na reserva entrou para a vida
política como vereador em 1988, abraçando definitivamente a carreira política,
se tornando deputado federal por vários mandatos e eleito presidente da
república em 2018. Suas bandeiras políticas e declarações públicas sempre foram
extremadas e polêmicas. Tornou-se um mito ao dizer que nenhum filho seu casaria
com uma mulher negra pois tinham sido bem educados. Ou quando falou para a
deputada federal Maria do Rosário do PT que não a estupraria porque ela era
muito feia. Ou pior, que utilizava o apartamento funcional que possuía em
Brasília para “comer gente”. Confessou praticar zoofilia quando jovem e sempre
discriminou gays e lésbicas. Mas se tonou um mito, como muitos outros que o
Brasil teima em criar.
Nossa história é repleta de mentiras
históricas. Só um povo muito ingênuo pode acreditar na nossa independência.
Enquanto nossos irmãos latino-americanos lutaram bravamente para expulsar os
colonizadores e conquistarem suas liberdades, aqui o nosso libertador foi o
herdeiro do trono português, do império colonizador. Sim, libertou e não fez a
república, libertou e manteve o império e a escravidão. Talvez seja esse o
motivo do povo brasileiro ser tão despido de passado. Por isso é tão fácil
enrolá-lo na bandeira nacional, cantar o hino e apresentar os novos mitos. Não
há orgulho por se tronar livre. Nossos antepassados nunca lutaram para expulsar
o império português, obviamente aconteceram alguns movimentos mas todos
fracassaram. Somente através do militares com a república foi que nos livramos
do jugo imperial. Porém fica a dica: os militares gostaram e de tempos em
tempos procuram intervir no rito democrático brasileiro. Assim repetiram a
façanha em 1964, quando tomaram o poder através de um golpe militar que fechou
o congresso nacional e mandou para o exílio os políticos de oposição.
A ditadura militar que manteve o país
nas trevas durante duas décadas, fez o povo acreditar que o Brasil precisava se
livrar da “ameaça comunista”, assim como aconteceu com a eleição de Jair
Bolsonaro, onde além da ameaça do “ouro de Moscou”, surgiram as novas “fake news”, que preconizavam novas
gerações de bissexuais convertidas através do “Kit Gay” e da “Mamadeira de
Piroca”, “fake news” sempre
entremeadas com a ameaça comunista de um comunismo que não existe mais e a
preservação da família através até da castidade.
Ao virarmos as costas para nossos
irmãos latino-americanos e insistir em lamber as botas do Hemisfério Norte, nos
recusamos a conhecer as verdadeiras lutas de libertação realizadas por grandes
revolucionários e por um povo guerreiro.
A história é riquíssima de exemplos de
grandes libertadores, verdadeiros heróis nacionais além de Simon Bolívar, onde
podemos citar Pancho Villa e Emiliano Zapata no México, San Martim que libertou
do jugo espanhol a Argentina e o Chile. Tivemos também Augusto Sandino na
Nicarágua, Jose Martí em Cuba e culminando com George Washington, denominado o
Pai da Pátria pelo povo dos EUA, por ter comandado a guerra de independência
dos Estados Unidos contra o império inglês colonizador.
Mesmo em contextos diferentes podemos
citar Gandhi que libertou a Índia de mais de 200 anos de jugo do império inglês
e Nelson Mandela, cujo incansável trabalho pela liberdade e igualdade, libertou
seu povo do apartheid na África do Sul dominada por holandeses e ingleses entre
1488 e 1994, dando fim a décadas de dominação holandesa em seu país. Mandela foi
o primeiro presidente negro eleito do país, sendo condecorado com o Prêmio
Nobel da Paz entre outras 250 condecorações internacionais. Nelson Mandela é considerado
o Pai da Democracia Racial da África do Sul. Para que conseguisse o intento de
libertar seu povo, amargou 27 anos de encarceramento na Ilha de Robben, de onde
saiu para ser eleito presidente e promover grandes transformações naquele país.
Não podemos deixar de citar as
resistências dos povos originais como Astecas, Incas e Maias. As resistências dos
povos originários do Brasil e dos Estados Unidos tornam-se um capítulo a parte
de tão fabulosa que foram e ao mesmo tempo terrivelmente melancólicas, levando-se
em conta o resultado dos crimes que foram perpetrados contra esses povos. O
extermínio de uma nação indígena tem o mesmo efeito de se incendiar uma grande
biblioteca.
A história é sempre escrita pelos
vencedores e assim sendo a historiografia oficial optou em criar o mito do
“bravo bandeirante”, do valente desbravador, mito assassino que foi responsável
pela escravização e morte de milhões de indígenas e quilombolas.
Outros mitos ainda surgirão,
dependendo da necessidade política do momento. E assim, com efeitos especiais e
truques, a história brasileira e a de seus heróis vai sendo construída, sempre
de acordo com a necessidade do seu principal freguês que é o sistema
capitalista.
Texto digno de ser lido nas salas de aula do Brasil inteiro, em todos os segmentos e redes de ensino.
ResponderExcluirPorém, há que se ter muita coragem neste contexto político no qual vivemos, pois, temos visto que muitos professores ao proporem a leitura de bons textos e necessárias reflexões, são acusados e denunciados de "comunistas" aos cuidadores da Escola sem Partido, como se falar a verdade histórica fosse traição à Pátria.
Parabéns ao texto e ao Blog. Este também é um canal de contribuição à aprendizagem sem censura, que liberta a mente e o coração.
Você está coberta de razão. Mas precisamos enfrentar a escuridão com nossa luz e que Deus nos proteja.
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