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quarta-feira, 21 de abril de 2021

O JEITINHO BRASILEIRO DE FABRICAR HERÓIS DA PÁTRIA

 


O JEITINHO BRASILEIRO 

DE FABRICAR HERÓIS DA PÁTRIA



Nosso herói nacional é Tiradentes. Mas vamos lá, o que fez efetivamente o alferes para ser herói da pátria? Quantas batalhas revolucionárias comandou país afora. Nesse quesito os líderes do Quilombo dos Palmares merecem mais créditos, pois, enfrentaram cerca de 20 expedições imperiais e dezenas de ataques de bandeirantes (os milicianos da época) entre 1595 e 1695.

Palmares, um enclave republicano negro, foi chamado de A Tróia Negra, possuindo cerca de 30 mil habitantes em seu apogeu, no século XVI. Resistiu durante cem anos aos impérios holandês e português, tendo inclusive celebrado um acordo de paz com o governo de Pernambuco com a aquiescência do rei de Portugal.

Ganga Zumba o líder maior de Palmares aceitou o acordo e desceu a Serra da Barriga com um grande contingente quilombola para viver em uma reserva delimitada pelo governador de Pernambuco. Zumbi e outro guerreiros optaram por permanecer em Palmares, pois não confiavam nos políticos pernambucanos nem na coroa portuguesa.

Pouco tempo após se fixar com seus pares na planície, Ganga Zumba foi envenenado e seus seguidores capturados e devolvidos aos antigos escravizadores ou vendidos novamente como escravos para novos senhores. Zumbi permaneceu em Palmares guerreando e usufruindo a liberdade. Foi vítima de uma traição, morrendo encurralado em Palmares, com sua morte causando a derrocada do quilombo.

O que fez Tiradentes em nome da liberdade? Absolutamente nada. Tiradentes e os sediciosos de Vila Rica lutavam pela criação de uma república em Minas Gerais, separada do resto do Brasil, pelo simples fato de não concordarem com a Derrama, um sistema de imposto criado pela coroa portuguesa que diminuía o lucros dos proprietários de sítios de extração de ouro e pedras preciosas. Vila Rica no final do século XVIII era a maior e mais rica cidade da América portuguesa, com uma elite local próspera, proprietária de centenas de escravos.

A Inconfidência Mineira foi um movimento iniciado por ricos proprietários de minas e sítios de exploração de jazidas, que hipocritamente lutavam por liberdade mas não defendiam o fim da escravidão.  Ao contrário de Simon Bolívar que libertou os escravos em todas as guerras de independência que venceu. A nova república que se instalaria em caso de sucesso do movimento de secessão mineiro, manteria seus escravos e a vil exploração do homem pelo homem.

O final do movimento todos sabem, assim como em Palmares, houve um traidor que revelou os planos sediciosos à coroa portuguesa em troca de perdão de suas dívidas com Portugal. O rei decretou que todos fossem presos imediatamente, tendo a grande maioria dos conspiradores, condenando os principais à morte. Mas como aqui já era Brasil, somente o único pobre do grupo foi executado, o Alferes Tiradentes. O restante foi perdoado e alguns cumpriram um breve degredo em África e outros até recuperaram o prestígio político que gozavam anteriormente.

Não houve guerra, batalhas, confrontos ou ao menos pequenas escaramuças militares que justificassem a honraria de ser nomeado herói da pátria. Foram simplesmente algumas reuniões e elaboração de panfletos, como na Revolta dos Malês em Salvador. Aliás, ambos os movimentos com caráter iluminista.

O governo republicano brasileiro, recém estabelecido à época, necessitava de heróis em sua extrema vocação positivista. Foram buscar na sedição mineira o mote para a criação de um mito nacional que confrontava o império português e Tiradentes caiu como uma luva nessa esperteza histórica, pois, sua execução, ensejava a sordidez e o despotismo do sistema imperial. Não existe a mínima comparação entre a sublevação de Palmares e a Inconfidência Mineira. Palmares durante cem anos enfrentou 20 batalhas contra dois impérios além de inúmeras expedições de bandeirantes mercenários, enquanto em Vila Rica não foi dado um único tiro.

Qual a diferença fundamental entre a Inconfidência Mineira e Palmares? Palmares, a Tróia Negra, foi um enclave negro, uma república negra que durou cem anos. O exemplo de Palmares não poderia ser passado às gerações futuras, pois mostra que os oprimidos podem transformar a realidade. Assim como João Cândido na Revolta da Chibata, onde marinheiros negros tomaram os navios da Marinha de Guerra, levaram-nos à Baía de Guanabara e apontaram seus canhões para o palácio do governo, exigindo o fim dos castigos físicos promovidos pelo oficialato branco da época. Interessante lembrar que em 1910 a marinha brasileira era uma das maiores do mundo. A dupla João Bosco/Aldir Blanc imortalizou o movimento com a música ‘O Mestre Sala dos Mares’.

Os verdadeiros heróis então sempre foram tornados invisíveis pelo estado brasileiro? Claro que sim e isso é só o começo. Talvez esteja aí a explicação para o Brasil sempre ter virado as costas para a América Espanhola, digamos assim.

É inacreditável que em nossas instituições de ensino não se trabalhe com os movimentos de libertação dos países da América do Sul e Caribe. É menos crível ainda que não se escreva uma linha sequer sobre o Haiti, que conseguiu sua independência através de uma revolução popular conduzida por escravos. Talvez por este motivo aquele país sofra tanto, devido ao ‘castigo’ imposto pelos colonizadores europeus. Na mente dos escravizadores e colonizadores o Haiti não pode prosperar, pois cometeu um erro imperdoável que foi lutar e ter conseguido sua liberdade através da rebelião popular.

Cuba é outro exemplo de resistência no Caribe. A revolução cubana devolveu ao povo oprimido o orgulho de poder respirar liberdade. Durante o período do ditador Fulgêncio Batista, a ilha caribenha era praticamente um bordel dos Estados Unidos, onde os estadunidenses da Flórida alugavam voos charters para alugarem meninas a partir de 10 anos de idade, com as quais passavam o dia, cometendo suas imundícies hedonistas. A máfia transformou a ilha em um cassino onde jogo, drogas e prostituição foi a tônica daquele território até a chegada vitoriosa da revolução. Cuba paga um alto preço civilizatório devido ao bloqueio econômico imposto pelos EUA há 60 anos. Porém, o povo cubano é orgulhoso, pois, na ilha não há medicina ou educação privada. Todos os cubanos frequentam as mesmas instituições, por isso os filhos dos operários e camponeses se formam em universidades de excelência, que inclusive exportam médicos para todo o planeta, principalmente para a África, em missões humanitárias.

Porém o mais impressionante é a figura histórica de Simon Bolívar. Chamado de O Libertador, Bolívar nasceu em Caracas no ano de 1783, onde foi educado por um seguidor do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau que lhe transmitiu as ideias do Iluminismo.

Bolívar dedicou sua vida a um projeto utópico de expulsar de América e Caribe toda a presença da coroa espanhola, sendo a Espanha um dos maiores impérios à época. Em sua cruzada libertadora, derrotou e expulsou os espanhóis em diversos países, libertando do jugo colonial espanhol Venezuela, Colômbia, Panamá, Equador e Peru. Simon Bolívar criou a Grâ-Colômbia (embrião distante do Mercosul), que foi a união dessas nações libertadas e da qual foi presidente por dez anos.

Essas histórias de libertação nos são ocultadas pelo estado brasileiro para que pensemos não ser possível libertar nosso país do colonialismo cultural e econômico a que somos submetidos. Então nos enfiam goela abaixo um falso herói que foi Tiradentes, para que possamos cultuar valores libertários mais amenos. O positivismo da época apresenta um mártir cabeludo e barbudo, à imagem de Jesus Cristo, para causar comoção popular. Quando na verdade sabemos que os enforcados tinham a cabeça e a barba raspados antes da execução da pena. Tiradentes estava careca e sem barba quando foi enforcado.

Dizem que a história se repete. Atualmente estamos assistindo a derrocada de um outro herói nacional chamado Sergio Moro. Alçado à condição de paladino da justiça, está assistindo atônito, seu império ruir dia após dia. Moro cometeu o pecado capital de embarcar na aventura de outro mito fabricado, Jair Bolsonaro, onde sua recompensa pelo trabalho de tirar o campeão das pesquisas do páreo foi o Ministério da Justiça. Para que isso acontecesse, tirou do certame o principal adversário do candidato Bolsonaro, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Utilizando-se de métodos pouco ortodoxos na doutrina do Direito, mandou grampear os telefones do escritório de advocacia que defende o ex-presidente, além de ter permitido o uso de uma condução coercitiva sem que o acusado houvesse ao menos ter sido convidado a depor. Porém o mais grave no meu entender foi a relação promíscua que estabeleceu com o Ministério Público Federal, recebendo inclusive, com antecedência, textos das denúncias que seriam exaradas pelo ministério público e a discussão de sentenças.

Foi mais um caso de construção de mito para atender interesses da classe dominante. Como o ex-presidente estava à frente das pesquisas, vencendo ainda no primeiro turno, era necessário tirá-lo do páreo e o melhor caminho seria sua prisão. Ao ser condenado o ex-presidente perdia a condição de "ficha-limpa" para poder concorrer e o caminho ficou livre para o segundo melhor colocado Jair Bolsonaro. Ao fim do certame eleitoral Moro foi cobrar "fatura", ou seja o Ministério da Justiça. Recebeu o que foi devido e rapidamente foi defenestrado pelo déspota, que o atirou em uma masmorra política invisível. Sem um partido político que o sustentasse e com o aparato governamental agindo sub-repticiamente contra ele, viu seus sonhos desfazerem-se no ar. Os advogados do ex-presidente conseguiram provar no STF que o juiz foi parcial, reduzindo a pó o pouco de credibilidade que lhe restara. Moro hoje se assemelha a um ectoplasma político, onde todos ao vê-lo fogem do seu contato, está isolado e periga ser preso.

Jair Bolsonaro é um caso à parte. Chamado de mito por seus seguidores, possui um currículo bastante peculiar. Tenente do Exército Brasileiro, foi enviado para a reforma com o posto de Capitão sem nunca ter cursado a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – ESAO, que forma os capitães da força. Após tentativas contínuas de insubordinação, ameaçou bombardear quartéis por conta dos baixos salários, medida extrema que MST e CUT jamais pensaram. Afastado e posto na reserva entrou para a vida política como vereador em 1988, abraçando definitivamente a carreira política, se tornando deputado federal por vários mandatos e eleito presidente da república em 2018. Suas bandeiras políticas e declarações públicas sempre foram extremadas e polêmicas. Tornou-se um mito ao dizer que nenhum filho seu casaria com uma mulher negra pois tinham sido bem educados. Ou quando falou para a deputada federal Maria do Rosário do PT que não a estupraria porque ela era muito feia. Ou pior, que utilizava o apartamento funcional que possuía em Brasília para “comer gente”. Confessou praticar zoofilia quando jovem e sempre discriminou gays e lésbicas. Mas se tonou um mito, como muitos outros que o Brasil teima em criar.

Nossa história é repleta de mentiras históricas. Só um povo muito ingênuo pode acreditar na nossa independência. Enquanto nossos irmãos latino-americanos lutaram bravamente para expulsar os colonizadores e conquistarem suas liberdades, aqui o nosso libertador foi o herdeiro do trono português, do império colonizador. Sim, libertou e não fez a república, libertou e manteve o império e a escravidão. Talvez seja esse o motivo do povo brasileiro ser tão despido de passado. Por isso é tão fácil enrolá-lo na bandeira nacional, cantar o hino e apresentar os novos mitos. Não há orgulho por se tronar livre. Nossos antepassados nunca lutaram para expulsar o império português, obviamente aconteceram alguns movimentos mas todos fracassaram. Somente através do militares com a república foi que nos livramos do jugo imperial. Porém fica a dica: os militares gostaram e de tempos em tempos procuram intervir no rito democrático brasileiro. Assim repetiram a façanha em 1964, quando tomaram o poder através de um golpe militar que fechou o congresso nacional e mandou para o exílio os políticos de oposição.

A ditadura militar que manteve o país nas trevas durante duas décadas, fez o povo acreditar que o Brasil precisava se livrar da “ameaça comunista”, assim como aconteceu com a eleição de Jair Bolsonaro, onde além da ameaça do “ouro de Moscou”, surgiram as novas “fake news”, que preconizavam novas gerações de bissexuais convertidas através do “Kit Gay” e da “Mamadeira de Piroca”, “fake news” sempre entremeadas com a ameaça comunista de um comunismo que não existe mais e a preservação da família através até da castidade.

Ao virarmos as costas para nossos irmãos latino-americanos e insistir em lamber as botas do Hemisfério Norte, nos recusamos a conhecer as verdadeiras lutas de libertação realizadas por grandes revolucionários e por um povo guerreiro.

A história é riquíssima de exemplos de grandes libertadores, verdadeiros heróis nacionais além de Simon Bolívar, onde podemos citar Pancho Villa e Emiliano Zapata no México, San Martim que libertou do jugo espanhol a Argentina e o Chile. Tivemos também Augusto Sandino na Nicarágua, Jose Martí em Cuba e culminando com George Washington, denominado o Pai da Pátria pelo povo dos EUA, por ter comandado a guerra de independência dos Estados Unidos contra o império inglês colonizador.

Mesmo em contextos diferentes podemos citar Gandhi que libertou a Índia de mais de 200 anos de jugo do império inglês e Nelson Mandela, cujo incansável trabalho pela liberdade e igualdade, libertou seu povo do apartheid na África do Sul dominada por holandeses e ingleses entre 1488 e 1994, dando fim a décadas de dominação holandesa em seu país. Mandela foi o primeiro presidente negro eleito do país, sendo condecorado com o Prêmio Nobel da Paz entre outras 250 condecorações internacionais. Nelson Mandela é considerado o Pai da Democracia Racial da África do Sul. Para que conseguisse o intento de libertar seu povo, amargou 27 anos de encarceramento na Ilha de Robben, de onde saiu para ser eleito presidente e promover grandes transformações naquele país.

Não podemos deixar de citar as resistências dos povos originais como Astecas, Incas e Maias. As resistências dos povos originários do Brasil e dos Estados Unidos tornam-se um capítulo a parte de tão fabulosa que foram e ao mesmo tempo terrivelmente melancólicas, levando-se em conta o resultado dos crimes que foram perpetrados contra esses povos. O extermínio de uma nação indígena tem o mesmo efeito de se incendiar uma grande biblioteca.

A história é sempre escrita pelos vencedores e assim sendo a historiografia oficial optou em criar o mito do “bravo bandeirante”, do valente desbravador, mito assassino que foi responsável pela escravização e morte de milhões de indígenas e quilombolas.

Outros mitos ainda surgirão, dependendo da necessidade política do momento. E assim, com efeitos especiais e truques, a história brasileira e a de seus heróis vai sendo construída, sempre de acordo com a necessidade do seu principal freguês que é o sistema capitalista.

 

 


2 comentários:

  1. Texto digno de ser lido nas salas de aula do Brasil inteiro, em todos os segmentos e redes de ensino.
    Porém, há que se ter muita coragem neste contexto político no qual vivemos, pois, temos visto que muitos professores ao proporem a leitura de bons textos e necessárias reflexões, são acusados e denunciados de "comunistas" aos cuidadores da Escola sem Partido, como se falar a verdade histórica fosse traição à Pátria.
    Parabéns ao texto e ao Blog. Este também é um canal de contribuição à aprendizagem sem censura, que liberta a mente e o coração.

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    1. Você está coberta de razão. Mas precisamos enfrentar a escuridão com nossa luz e que Deus nos proteja.

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