Postagem em destaque

O Espelho

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS BRANCA

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS BRANCA
Somos filhos e filhas de Firmina e Lima Barreto.

Para a Academia Brasileira de Letras – ABL, escritoras e escritores negros brasileiros ainda são vistos como no tempo da colônia. A história é pródiga em demonstrar inúmeros argumentos que corroboram esta afirmação. 
De saída cabe lembrar que o primeiro livro escrito e publicado por uma mulher no Brasil intitulado Úrsula, no ano de 1859, obra de Maria Firmina dos Reis, mulher negra que “ousou” ser escritora ainda no período da escravidão. Apesar das súplicas, Maria Firmina não pode constar como autora na capa do livro, onde lê-se “uma escritora maranhense”.
O nome de Maria Firmina até os dias atuais está restrito aos círculos acadêmicos e de organizações culturais negras, que republicam suas obras e escrevem teses e monografias sobre sua vida. Para o público brasileiro em geral Maria Firmina permanece invisível, um mistério gerado propositalmente pela historiografia oficial branca.
O segundo caso é o escritor Lima Barreto. Sua história carrega uma tragédia enorme, pois, mesmo sendo o primeiro cronista brasileiro, com inúmeras obras publicadas, nunca conseguiu ser aceito pela Academia Brasileira de Letras – ABL, onde tentou por três vezes ser admitido sem sucesso.
Lima Barreto era órfão de mãe, a quem que perdeu muito cedo. Como afilhado do Visconde de Ouro Preto, conseguiu ingressar no Colégio Pedro II, para logo após a conclusão do curso secundário ingressar no curso de Engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Abandonou o curso no terceiro ano, pois seu pai enlouqueceu e Lima Barreto precisou trabalhar para sustentar seu irmãos menores. Prestou concurso para escriturário para o Ministério da Guerra em 1904, onde permaneceu até se aposentar.
Seu trabalho no jornalismo e sua extensa obra literária onde podemos destacar “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”(1909) , “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” (1915) e “Clara dos Anjos” (1948) lhe credenciavam em muito seu ingresso na Academia Brasileira de Letras, porém, apesar de mais de uma dezena de publicações e centenas de crônicas em jornais e em sua própria revista “Floreal”, nunca conseguiu realizar seu sonho de ingressar na casa fundada por um escritor negro chamado Machado de Assis. 
Ao analisarmos a trajetória da literatura afro-brasileira, podemos encontrar diversos escritores e personalidades negras que poderia tranquilamente ser membros da Casa de Machado de Assis. Negros incontestes como Abdias do Nascimento, Milton Santos, Cartola, Joel Rufino, Muniz Sodré, Carolina de Jesus, Martinho da Vila, Solano Trindade, Gilberto Gil, Silas de Oliveira, Emanuel Araújo, Mestre Didi, Mãe Menininha do Gantois, Mãe Stela, Salgado Maranhão, Edson Cardozo, Clovis Moura, Sueli Carneiro, Edna Roland, Luiza Barrios, Ivanir dos santos, Éle Semog, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzales, Ana Cruz entre dezenas de outras personalidades negras brasileiras, dignas da homenagem.
O caso mais emblemático que atualmente incomoda os ilustres acadêmicos e da escritora negra Conceição Evaristo. No campo das letras, é titulada Mestre em Literatura pela PUC/RJ e Doutora também em Literatura pela Universidade Federal Fluminense. Evaristo possui uma sólida formação acadêmica, é uma intelectual de porte, além do talento para escrever. 
Assim como o escritor negro Lima Barreto, a escritora negra Conceição Evaristo sempre foi recebida com uma enorme má vontade por parte dos acadêmicos. 
A fila da rejeição é enorme e parece que Conceição Evaristo será mais uma a compor este triste cenário de invisibilidade colonial. O mais incrível nesta estória toda é que Conceição Evaristo é uma celebridade no campo literário. Foi homenageada inclusive pela feira Literária de Paraty – FLIP. O que a impede de ingressar na casa fundada por Machado de Assis? Currículo certamente não é.
O que precisamos fazer é nos levantarmos contra essas posturas coloniais e retrógradas, quiçá racistas e preconceituosas. A literatura brasileira sempre será rica em sua diversidade da matriz indo-afro-ibérica. Apesar do culto tardio à Carolina de Jesus, a sociedade precisa ser honesta com seu presente e valorizar todas as filhas de Firmina que aí estão e as que estão por vir.
Conceição Evaristo na ABL Já!