Noto que há um frisson acerca da possibilidade de um golpe militar durante as eleições de outubro no Brasil. Lembro do personagem do Henfil, o Dudu Alarmista, que via conspiração por todos os cantos. Não quero aqui cumprir papel de oráculo do mundo político, pois não tenho capacidade para tal. Porém, alguns aspectos sobre a possibilidade de quebra da institucionalidade precisam ser considerados, como por exemplo, a nova conjuntura da geopolítica global.
O Brasil desde o Governo FHC até o Governo Temer era um forte candidato ao Conselho de Segurança da ONU e por conseguinte, tornar-se um global player, chegando a atuar junto com a Turquia na condição de mediador na crise do Irã. Enviamos tropas para o projeto de pacificação do Haiti e investimos fortemente na consolidação do Mercosul e do BRICS enquanto grupo político global.
O fim do alinhamento automático do Brasil aos EUA, custou um preço muito alto para os governos do PT. Ao desenvolver o projeto PROSUB do submarino nuclear brasileiro com os franceses, o Pré Sal com os chineses e adquirir os novíssimos caças supersônicos Grippen da FAB com os suecos, o PT rompeu com uma tradição de alinhamento centenário com os EUA. Alguns podem lembrar da visita de Biden ao Brasil na tentativa de dissuadir o governo brasileiro de comprar os caças suecos para comprar os aviões de caça dos Estados Unidos.
O golpe fatídico que decretou o fim dos governos petistas no Brasil foi a criação do novo banco multilateral dos BRICS com sede em Singapura. O bloco político, que é composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, compõe quase 50% da população mundial, que significa um ótimo ambiente para negócios e parcerias. A criação do banco multilateral ameaça e muito a hegemonia dos EUA nos aportes financeiros às nações do complexo tabuleiro da geopolítica global. Os tradicionais empréstimos, além dos juros a pagar, trazem em seu bojo empresas dos EUA que participam de diversas maneiras dos programas de desenvolvimento dos países beneficiados com os empréstimos. O banco do BRICS quebra a hegemonia do Banco Mundial e do BID, onde os EUA são hegemônicos. Para os caciques do Departamento de Estado dos EUA os governos do PT foram longe demais ao ameaçar a dependência histórica do Brasil em relação aos EUA.
Para deter a desidratação econômica e política na relação Brasil x EUA, foi decretado o fim da era do PT no Brasil. A grande articulação empenhada no processo, aliou empresários corruptos, a banda podre do Congresso Nacional, os militares, o Judiciário com o STF incluso, além dos meios de comunicação corporativa. O país foi transformado em um cassino político/judicial, com manchetes espetáculo das sendo veiculadas diariamente, visando a mobilização da sociedade contra as administrações petistas. O processo foi tão caótico que quem decretou o impeachment da presidente Dilma Roussef foi o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que preso e condenado agora cumpre pena por corrupção.
Todas os processos e condenações contra Dilma, Lula e o PT foram anulados pelo Judiciário. O juiz que promoveu uma verdadeira devassa nas hostes petistas, o ex-juiz Sérgio Moro, foi declarado parcial pela Suprema Corte, após ter assumido o Ministério da Justiça do governo que se beneficiou com a sentença proferida por Moro, que retirou Lula da disputa presidencial, declarado vencedor do pleito conforme indicavam todas as pesquisas de opinião.
O presidente Bolsonaro ao assumir o governo, teve como primeiro ato político declarar amor ao ex-presidente Donald Trump e alinhamento automático aos EUA, então sob sua gestão de extrema direita.
O que foi levado adiante todos sabemos, quando iniciou-se no Brasil um processo de privatização dos mais deletérios que se tem notícia. A venda da BR Distribuidora, Eletrobras e outras de menor porte foram um teste de tolerância com a população. Como não houve reação, estão planejando como privatizar a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.
No conjunto de desmonte do golpe, outras medidas somaram-se às privatizações, como a aprovação da reforma da previdência com o prolongamento da vida laboral dos trabalhadores adiando suas aposentadorias, reforma trabalhista com o enfraquecimento das entidades representativas dos mesmos trabalhadores, suspensão dos concursos públicos e dos reajustes salariais dos servidores da União.
O projeto de retomada do Brasil pelos EUA, foi concluído sem a necessidade de utilizar através da guerra, do imenso aparato militar estadunidense, como foi feito no Iraque, por exemplo. Com o golpe no Brasil e a assunção de Bolsonaro ao poder, o Mercosul e o BRICS foram abandonados, o Pré sal passou para as empresas do ocidente rico e o projeto do submarino nuclear foi afogado.
Voltando ao golpe de outubro, não há nenhuma necessidade política para fazê-lo, pois, tudo voltou a ser como antes no quartel de abrantes. A única possibilidade de golpe que vejo no horizonte seria para blindar a família presidencial e alguns generais que podem ter se locupletado enquanto estiveram no poder, além de algumas pendências gritantes como os responsáveis pela morte da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro e do Capitão Adriano na Bahia. Ainda há a pendência com a gerência da crise de Covid pelo Ministério da Saúde tendo o General Pazuello à frente da pasta. Certamente todos esses malfeitos serão investigados seriamente depois que Bolsonaro deixar o governo caso perca a eleição.
Se houver golpe ele não será pela preservação da institucionalidade democrática e sim pela imunidade da criminalidade.
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