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Eu Negro

domingo, 12 de junho de 2022

O AMOR AO PRÓXIMO É COMUNISMO?

Por Pastor Sílvio Meincke, pastor da IECLB em Santa Catarina e São Leopoldo. Mora atualmente na Alemanha.

Primeira constatação: O Povo Brasileiro é muito religioso. Cada segunda rua tem nome de santo. Em cada esquina ouvimos aleluias. Jogadores entram em campo com o sinal da cruz. E o nosso linguajar invoca Deus a cada instante: Meu Deus! Graças a Deus! Por Amor de Deus! Deus te Abençoe! Deus é grande! Deus no Comando! Portanto, não falta religião no Brasil e nem falta fé em Deus. 

 Segunda constatação: Todos e todas concordamos que a Fé em Deus tem uma consequência ética. Para cristãos e cristãs, a consequência ética máxima da fé em Deus é o AMOR AO PRÓXIMO. “Amarás o Senhor teu Deus …. e o teu próximo como a ti mesmo”. Quem é membro de uma comunidade cristã conhece esse Grande Mandamento (Mateus 22.36-40) e com ele concorda. 

Penso que não há dúvidas em relação a essas duas constatações:
1) Cremos em Deus.
2) Queremos praticar o amor ao próximo. 

Mas, eis que surge a GRANDE PERGUNTA: Por que essa sociedade tão religiosa e tão cristã não consegue influenciar sua prática política com o amor ao próximo que enaltece como consequência ética máxima da sua fé? Por que a sociedade brasileira, depois de 500 anos de religiosidade intensa, continua dividida em centro e periferia, em “bairros nobres” e favelas, em luxo e lixo, em desperdício e carência, em pessoas privilegiadas e pessoas excluídas? Por que continua sendo uma das sociedades mais injustas do mundo? PIOR: Como explicar que qualquer projeto de INTERMEDIAÇÃO POLÍTICA DO AMOR AO PRÓXIMO é logo apontado raivosamente como coisa de COMUNISTAS?

Quando o Rio Grande do Sul contava com 70% de analfabetos, e Brizola mandou erguer milhares de pequenas escolas primárias, por amor às crianças analfabetas, ele logo foi insultado como comunista, especialmente pelas pessoas piedosas e “fortes na fé”.
Quando João Goulart queria fazer as Reformas de Base, com o fim de melhorar a vida de milhões de brasileiros/as, ele foi derrubado com um golpe e teve de fugir, apontado como comunista. E muitos cristãos aplaudiram o golpe. 
O Projeto Mais Médicos (uma prática de amor que beneficia 50.000.000 de pessoas), é apontado como coisa de comunistas.

Uma Reforma Agrária, com acesso à terra para famílias pobres (antes expulsas do campo, aos milhões, através da concentração das terras), é odiada como coisa de comunistas. 

Matar em média dez jovens negros, todas as noites, isso pode! “Bem feito. Vagabundos. Bandido bom é bandido morto. A culpa é deles” – dizem muitas cristãs e muitos cristãos.

Intermediar o amor ao próximo, na forma de cotas, para jovens negros, excluídos durante séculos, para que encontrem finalmente uma chance de vida? “Nunca! Coisa de comunistas” – dizem pessoas que invocam Deus e pregam o amor! 

Crianças que morrem de fome? “A culpa é dos pais! São pobres porque não tem fé” – proclamam cristãos, especialmente os bem piedosos. 

Matar um milhão de indígenas a cada século, sem nunca parar, até os dias de hoje, em disputa pelas terras? (Coisa normal, graças a deus, deus no comando, em nome de deus, deus sabe o que faz, deus te abençoe, o amor é que vale, o amor é tudo, deus é fiel). Devolver aos indígenas um milésimo das terras que lhes foram roubadas, para que possam viver? Jamais! Coisa de comunistas! 

O fato de 6 famílias possuírem riqueza igual a 50% da população parece não irritar muita gente. 

Mas qualquer projeto de socializar as fantásticas riquezas da natureza brasileira é vista como coisa condenável, coisa de comunistas. 

Eu não vou concluir que nós cristãs e cristãos somos pessoas especialmente más. Não! Não somos nem melhores e nem piores que outras pessoas. Queremos praticar a nossa fé e viver a ética do amor ao próximo. Há muitos exemplos elogiáveis de amor e solidariedade, de pessoa para pessoa, de indivíduo para indivíduo, de apoio a instituições filantrópicas. 

O problema começa quando se trata de INTERMEDIAR O AMOR ATRAVÉS DA POLÍTICA. É aí que a porca torce o rabo e a vaca vai pro brejo, com corda e tudo. É aí que tudo se confunde e o ódio toma conta. 

Onde está o problema? O problema é nossa resistência a duas análises:
1) Não queremos analisar e compreender a realidade social em que vivemos.
2) Não queremos analisar o perfil do Partido Político em que votamos. Não me refiro às promessas dos candidatos que sempre prometem trabalhar para os pobres. Refiro-me ao perfil dos seus PARTIDOS.

Preferimos dividir as pessoas em boas e más, colocar-nos no lado dos bons, condenar os pobres e classificar de comunistas quem faz projetos políticos para integrá-los. Mas só conhecendo o partido, e qual a classe social que representa, qual o modelo político que quer implantar, somente então saberemos como melhor viver nossa fé na nossa prática política e como viver a ética cristã do amor ao próximo dentro da nossa realidade.

Só faz boa colheita o colono que conhece sua roça. Só conseguiremos praticar a INTERMEDIAÇÃO POLÍTICA DO AMOR quando conhecemos a história do nosso País, a realidade social em que vivemos, a classe social que cada partido representa e o programa de governo que vai implantar. Então, sim, poderemos engajar-nos na prática de um amor ao próximo corajoso, amplo, transformador, com resultados sociais positivos e que melhora a qualidade de vida das pessoas que foram empurradas para a margem.

Caso contrário perigamos pregar amor mas praticar desamor, com a melhor das intenções. E seremos cristãos piedosos, mas seremos maus cidadãos.

Já dizia minha mãe: “Quem não conhece o lugar onde bota os pés vai derrubar com a bunda o que tenta construir com as mãos”. Que grande sabedoria!

Quando nos negamos estudar a realidade social em que vivemos; quando nos negamos estudar o perfil dos partidos políticos que votamos, podemos tornar-nos cruéis negadores da fé que proclamamos; podemos tornar-nos violentos destruidores do amor que tanto exaltamos.

Além disso, podemos tornar-nos ridículos, porque denunciaremos como comunistas aqueles que realizam corajosamente o que nós pregamos, mas que não queremos realizar. Não porque somos maus, não porque cremos pouco, não por falta de fé e de religião, não porque não queremos amar, mas porque não fazemos análise da realidade em que vivemos.”

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