O viço de outrora que o tempo levou
Foi se largando por aí, pela vida, sem eira nem beira
Pelas noitadas, madrugadas, carreiras e bebedeiras
Foram tantas tentativas, tantos erros, tantas marcas de amor
Marcas doídas e sofridas
Marcas de vida que o rouge teima em ocultar
Cumpro minha cruzada em silêncio, em solidão
Minha tosca rotina vive bares repletos de aflição
Enfrento meus moinhos de vento porém sem o escudeiro
Quero um copo amigo, quem sabe um corpo amigo, um parceiro
Um corpo como abrigo, quem sabe verdadeiro
Me abrigar das tormentas que me atormentam nesse louco mundo picadeiro
Ouvir um tango de Gardel, onde o bandoleón passional envolva meus soluços em arte e dor
Peço uma dose de amparo e o garçom me diz que acabou há tempos
Até um falso beijo amargo me faz crer que eu possa amar
Mas qual o quê!
Sigo a sina de mulher sozinha nessa vida sem afeto
Perdida na vida como cão sem dono
Perdida no próprio abandono
Consumindo sonhos e desejos
Tragando homens, álcool e cigarros
Homens fracassados e vis com seus beijos senis
Mesmo assim digo sim às propostas carentes
Não tenho porque dizer não
Sou minha dona, atrevida, sou da vida, quase bandida
Não tenho família para abraçar aos domingos
Aceito a cópula com delicadeza
A mesma delicadeza com que se confeita um bolo de noiva
Mesmo investida de falsos brios
Sei que somos humanos estranhos, diferentes, sombrios
Cúmplices indecentes em nossos sorrisos pérfidos e amarelos
Lentamente o álcool me aquece
Aos poucos me incendeia em fogo
Me entrego ao seu calor para esquecer a dor
Mergulho na falsa sensação de amor, é o que me resta, é o que tenho
Minhas dores são tão presentes que nunca se tornam passado
Marcas de uma vida sem recato
Adicta do presente devasso e hedonista
Carrego marcas gloriosas de ferozes luta de cio
Não fui à lona, não estou derrotada
Sou esperta e sagaz
Sei fingir prazer, sei ser teatral
Divido pó e pecados igualmente
Não necessariamente nessa ordem
O prazer marginal tem um ótimo sabor, é agradável
O sabor do interdito nos eleva em torpor ao inimaginável
É tanto revés, submundo, falsidade
Que até parece que é amor de verdade
E quando a aurora invade o quarto atrevida e curiosa
Assusta-se com o sabor intragável do ambiente
Meu corpo é a Tróia invadida, conquistada e colonizada por um Menelau sociopata e vazio
Jaz lasso sob os escombros de um fogo que o consumiu violentamente
São abertas as cortinas do palco da vida onde o cenário é cruel e aterrador
No campo de batalha somos guerreiros feridos pela vida
Onde a indiferença e o arrependimento predominam em uma cama sem sabor
O ar fresco da manhã é tomado pelo gosto amargo da derrota e da dor
Em lágrimas ocultas apago o cigarro
Incinero nas cinzas os teus cheiros das outras mulheres, do teu suor, da tua bebida
Rota colombina embriagada de um pobre pierrô de vida corroída
Não sou imortal, posso ser frágil, mas sou fatal
Sou do botequim, sou a diva dos desesperados, sou da rua
Dama dos restos, dos copos solitários e dos seres abandonados
Sou o falso sorriso que sempre diz sim
Mas meu amigo eu lhe recomendo
Nunca acredite no meu olhar de folhetim.
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