Dona Ana chegando aos 100 anos.
O Dia das Mães sempre me soou ambíguo. Desde criança pensava nas pessoas que não tinham mãe. Algumas haviam perdido pelos tristes fados da vida, outras nem mesmo chegaram a conhecê-las pelos mais diversos e dolorosos motivos.Como será o Dia das Mães em um orfanato? Como será o Dia das Mães que perderam seus filhos?Nesse dia, quando a mídia invade nossas vidas com propagandas amorosas visando nosso convencimento ao endividamento e ao consumo, também penso naquelas pessoas que têm mãe mas, desempregadas e endividadas, não podem ao menos comprar um simples mimo para a homenageada do dia.
Por um outro lado, não se pode vedar a ansiedade e alegria que acompanham o momento da entrega de um presente para aquela que desde a gestação nos oferta amor incondicional. Geralmente elas dizem que o presente não é necessário, que não precisava gastar dinheiro com isso, que depois vai faltar dinheiro para pagar as contas etc. Falam sempre assim, mas por dentro estão explodindo de felicidade e orgulho de estar com suas crias sob suas asas, almoçando o indefectível macarrão com frango mais delicioso do mundo.
Antes eu acusava o capitalismo de criar essas datas p gerar mais consumo, para aquecer a atividade econômica e gerar mais lucros. Mas hoje quero que essas teorias se danem, pois, uma mãe feliz vale muito mais que um milhão de Karl Marx e Adam Smith juntos.
Hoje saio de casa sem ninguém para me lembrar do casaco ou do guarda-chuva, mesmo sob calor de 40 graus. Não tenho ninguém para me assustar quando resolvo sair em horários noturnos, citando as manchetes dos programas vespertinos diários eivados de violência. E agora quando chego, independente do horário, não há mais aquele prato feito, o tradicional PF em cima da panela coberto com a tampa da mesma. Era o melhor banquete do mundo.
As namoradas sofriam nas mãos dela. Era de uma ironia fina incomparável. Nenhuma sobrevivia a seu julgamento. Depois reclamava q eu não casava nunca, que queria netos, etc.Toda mãe é pura metamorfose ambulante.
Aprendi com o tempo que não há entidade maior nesse planeta. Não há exércitos, corporações financeiras, parlamentos, nada, nada pode ser maior, nada pode superar o poder das mães.As abastadas cobrem os filhos de presentes e amor, as menos favorecidas pela vida cobrem os filhos de amor e amor.
Então quando esse dia vai se aproximando fico tenso, um tanto agoniado, triste, pensando nela que partiu deixando um vazio enorme em minha vida. Existem outras mães em minha vida: as mães dos meus filhos, minha ex-sogra que amo muito, as mães dos amigos mais próximos, minhas irmãs que são mães e até sobrinhas e sobrinhas-netas que também são mães. São muitas mães originárias da mãe-mater, a principal. São como fios de uma teia invisível mas luminosa, que nunca para de ser tecida por teares mágicos de amor.
Acho que as pessoas que não têm mãe no Dia das Mães se aproximam mais de Deus. É quando os sentimentos se tornam mais puros e verdadeiros. É quando fortalecemos a crença em outros planos existenciais mais elevados. É quando nos sentimos transbordar com o verdadeiro amor.
A única forma de homenagear, o único presente que posso ofertar para ela que não está mais aqui, é ser sempre e cada vez mais, uma pessoa melhor. Viver em harmonia comigo mesmo, respeitar o outro, fazer valer à pena seu legado. Amanhã despertarei sendo uma pessoa melhor em homenagem à sua memória, coisa que faço todos os dias desde que ela nos deixou. E assim será até o reencontro um dia.
Amor que não se mede. Dona Ana marcou seu tempo de vida aqui na Terra. Liderança católica e de esquerda, parteira das boas, mãe dos meus amigos, enfermeira profissional de primeira e jamais errou quando atirava o chinelo na gente.
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