Sou um observador atento da vida amazônica. Observador privilegiado, pois tive o imenso prazer de ter sido um morador da região. Vivi em Porto Trombetas, bem na beirada do Rio Trombetas, entre o Pará e o Amapá, no coração da selva. Ali convivi e me eduquei com a enorme diversidade humana que é composta por nações indígenas, caboclos, populações ribeirinhas, seringueiros, trabalhadores sem terra, quilombolas, posseiros, povos ancestrais e culturas tradicionais.
Religiões e cultos diversos, entre os quais podemos citar o Xamanismo, Santo Daime e União do Vegetal, além dos cultos colonizadores como o cristianismo e outros com menor visibilidade.
A povo amazônico sofre há muito da violência cultural por parte dos alienígenas caucasianos. Tentaram eliminar seus deuses e crenças, seus idiomas, sua liberdade corporal, a noção do naturismo, seus cânticos, sua agricultura e, principalmente, o saber milenar da etnobotânica.
O centro do capitalismo sempre usufruiu dos saberes tradicionais, onde através de seus laboratórios farmacêuticos, sintetizam o conhecimentos dos Pajés, das rezadeiras e benzedeiras, dos caboclos e dos conhecedores das ervas.
Ao se apropriarem da sabedoria afroindígena amazônica, geraram imensas fortunas em seus países com a produção de medicamentos que têm como princípio ativo a flora da hileia brasileira.
Os amazônidas sempre foram relegados a uma subdimensão folclórica aos olhos do ocidente. Lendas como a da Cobra Grande, Caipora, Curupira, Boto Sedutor, caboclos e Iaras encantadas sempre permearam o imaginário fantástico da floresta e seus seres encantados.
Desviando o olhar para a realidade mais contemporânea, podemos constatar péssimos indicadores econômicos e sociais. Àquela população há muito esquecida pelos nossos governantes, restou o de sempre as carcomidas migalhas institucionais, que podemos considerar meros curativos tópicos paliativos em um corpo cada vez mais doente, destarte sua plenitude esplendorosa.
Sem mergulhar nos gráficos e outros demonstrativos, que são avassaladores, sabemos que a região passa por diversas escaladas violentadoras como a ampliação das áreas de garimpo, as eternas queimadas, o genocídio dos povos indígenas e quilombolas e o horror da devastação da floresta virgem para o estabelecimento de pastagens, fazendas e projetos ilegais de retirada de madeira.
A Amazônia se transformou eu um cassino capitalista predatório, onde as fichas são jogadas em prol do lucro de empresários gananciosos, associados a grandes trustes internacionais que não têm nenhum compromisso com a biodiversidade e as populações que através dela subsisistem.
Quando o homem mais rico do planeta vem ao Brasil oferecer tecnologia digital para escolas amazônicas, devemos guardar um olho no peixe e outro no gato. O sulafricano com cidadania estadunidense não é um exemplo de bondade, ninguém ganha 11 mil reais por segundo impunemente. O bilionário que propôs que explodissemos bombas nucleares na Lua, não atravessaria o Atlântico rumo aos trópicos somente para oferecer tecnologia digital para as crianças da Amazônia. Obviamente que isso pode ser realizado, certamente que sim. Porém, o mais sensato e convencional, que fosse através de um projeto discutido com o governo brasileiro, nosso parlamento e atores sociais da sociedade civil amazônica.
Causa profunda estranheza ver o futuro colonizador do planeta Marte surgir repentinamente em seu zepelim prateado no interior de São Paulo, prometendo gratuitamente Tik Tok para geral e de quebra, como brinde, monitorar a imensa região amazônica com sua estranha rede de satélites Starlink agregada a toda tecnologia necessária envolvida.
É um projeto realmente sedutor, que fez o arrogante presidente brasileiro largar o batente em Brasília e se jogar humildemente aos pés de Musk, no convescote em homenagem ao bilionário, onde só foram convidados com a nata do empresariado nacional bolsonarista. Os próceres da Faria Lima estão em cólicas, loucos para bater a carteira do bilionário gringo pop star e fazer selfies com Musk que ostentarãobem suas salas de visitas e escritórios.
O projeto pode ser interessante, mas será que é mesmo? Talvez possa ser, desde que sejam postos à mesa os indicadores sociais da região. Se querem falar de escolas e Educação, precisam analisar seriamente as condições de trabalhos dos profissionais da Educação local e sua respectiva estrutura física, aliadas ao poder de acolhimento das unidades de ensino. Será necessário verificar a qualidade da formação dos docentes e dirigentes escolares. Avaliar o currículo a ser implantado levando em conta as especificidades regionais e o nível de aprendizado de jovens e crianças das comunidades beneficiadas.
Além do arcabouço social local, há que se debater no Congresso Nacional, inclusive com audiências públicas, a pertinência e o mérito do projeto, além da realização de fóruns locais, fóruns amazônicos, para saber se a população deseja o tal projeto ou não.
A experiência secular mostra que projetos de grande amplitude que são empurrados goela abaixo, vindos de cima, nada mais são que malandragens eleitoreiras, que duram somente até a próxima eleição. Também pode ser uma suave penetração no assunto proibido que são as reservas de lítio que podem produzir as baterias dos carros da Tesla, nióbio que o Brasil possue 90% da reserva mundial e urânio com o qual o Brasil detém 9% da reserva mundial que quiçá impulsionarão os foguetes nucleares de Musk na futura aventura marciana. Os foguetes químicos atuais levariam de 9 meses a 1 ano na viagem de ida ao planeta vermelho, expondo a tripulação e a própria missão a vários riscos. Com a propulsão nuclear a viagem duraria apenas 2 meses, poupando a missão, a equipe e os custos. Musk está de olho no desenvolvimento desta desenvolvida pela empresa USNC-TECH.
Para que não seja rotulado como uma pantomina, um embuste, torna-se necessário que os atores amazônicos sejam consultados. Podemos citar por exemplo a FASE NACIONAL, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a Coordenação das Articulações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos – CONAC, a Cáritas Nacional, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Instituto Sócio Ambiental – ISA, SOS Amazônia, CEDEMPA, entre tantas outras.
A principal fonte de consulta, a fonte primária, ainda continua a ser as nações ou povos indígenas. Na verdade é uma enorme pretensão e ousadia divulgar um projeto dessa monta, até agora totalmente desconhecido da população brasileira, que impactará uma região enorme, correspondente a 41% do território da Europa. Fica parecendo uma divertida jogada de marketing político engendrada por Steve Bannon e comandada por Donald Trump, com o intuito em manter o clã Bolsonaro no poder. Trump precisa de bons aliados em seu projeto de retorno à Casa Branca.
Podemos incluir no pacote de surrealidades a presença do ministro Dias Toffoli do STF? O que lá foi fazer o magistrado, sabendo que era no mínimo um estranho evento da campanha Bolsonaro? De novo "com Supremo, com tudo"?
Finalizando, não há nada de novo no que Elon Musk anunciou. Nada que não seja da capacidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nosso produtivo e tecnológico INPE, agora relegado ao degredo científico pelo atual governo. Além do INPE temos também o Sistema de Vigilância da Amazônia - SIVAM, que produz resultado similar de monitoramento. Estão na verdade oferecendo 'Ar de Musk' da mesma maneira que os europeus ofereciam espelhos e contas coloridas ao povo autóctone quando aqui aportaram no século XVI.
Deveríamos sentar na mesa com Elon Musk e fazer a célebre pergunta que Garrincha fez ao treinador Vicente Feola, da seleção brasileira campeã de 1962. Durante a preleção, antes do confronto com a então poderosa seleção da União Soviética, o técnico reuniu os jogadores para apresentar as estratégias que levariam o Brasil a vencer o jogo. Ao fim da preleção, instados pelo treinador se havia alguma dúvida, Garrincha levantou a mão e proferiu a seguinte pérola que foi eternizada pela crônica esportiva tupiniquim: “Dr. Feola! O senhor combinou tudo isso com os russos?
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