Antônio Gramsci disse que entre o mundo velho que está morrendo e antes do novo que está por nascer há um interregno, sendo que nesse período é quando surgem os monstros.
Para nós negros, depois que passamos a ter contato com a raça branca, sempre foi e sempre será um interregno, pois, desde então, após o início das monstruosidades perpetradas pelos europeus ao povo negro, primeiramente em África e depois na diáspora, só nos foi concedido conhecer o terror, o sofrimento, a escravidão e a morte.
Os brancos chegaram em até nós em seus barcos grandes, com uma cruz vermelha estampada nas velas brancas, a cruz da Ordem de Cristo. Foram gentilmente recebidos apesar da desconfiança e do assombro, com alegria e festa. Assim que chegaram nos mostraram um livro onde dizia estar depositada a salvação da humanidade. Não entendíamos bem do que o livro iria nos salvar e porquê precisávamos de salvação. Além do livro nos mostraram um homem magro pregado em uma cruz de madeira, um carpinteiro disseram, afirmando de forma solene que aquele homem era filho de um deus que criou o universo. Mas foi determinado por seu pai que morresse daquela maneira dolorosa para nos salvar. Mais uma vez não entendíamos do quê e porquê ele iria querer nos salvar.
Os brancos vestiram nossos corpos nus dizendo que viver na natureza da mesma forma como viemos ao mundo era pecado. Mais uma vez não entendíamos o porquê das roupas desconfortáveis e quentes e o que era pecado. Diziam isso enquanto rezavam para o seu deus, mas pegavam nossas mulheres à força e as obrigavam a fazer sexo com eles.
Falavam de dinheiro e riquezas para nós que tínhamos tudo que precisávamos, pois a natureza nos era generosa e farta. Buscavam metais e pedras que diziam ser preciosas, que estavam no subsolo mas que para nós não tinham o mínimo valor.
Foram chegando cada vez mais e com mais frequência, sendo que agora com armas mortais que cuspiam fogo. Nos tomaram a terra, nos escravizaram, roubaram todo o nosso conhecimento milenar e nos atiraram em navios como escravos para trabalhar como cativos até a morte em um mundo distante depois do mar.
Durante mais de 300 anos retiraram de nosso continente os melhores corpos e as melhores mentes como seres humanos escravizados para construir o Novo Mundo. Utilizaram nossos corpos para realizar seus sonhos de riqueza, dominação, ambição e poder. Foram mais de 200 milhões de africanos entre colonizados, escravizados e mortos, tanto em África como na escravidão no Novo Mundo. Milhões de africanos perderam a vida nas gélidas, escuras e profundas águas do oceano atlântico. Levaram nosso povo de África para um destino assustador. Todos acorrentados e espremidos nos pérfidos navios negreiros. Esses mártires africanos serviram de alimento para os tubarões, que alteraram sua histórica rota milenar para seguir os navios negreiros, pois sabiam que haveria carne fresca dos corpos dos escravos que eram atirados ao mar, quando adoeciam ou morriam.
Destruíram nossas famílias e nosso modo de vida. Assumiram o controle dos nossos países e nos obrigaram a falar o idioma deles. Condenaram nossa espiritualidade, amaldiçoaram nossos deuses e nos obrigaram a ser cristãos. Assim passaram a nos brandindo a Bíblia em uma das mãos e nos açoitando com o chicote na outra. Os brancos então destruíram nossos sonhos, nossa ancestralidade e nossa cosmovisão. Tudo em nome do dinheiro, do vil metal, do capital e do poder. Em nome desse poder arrasaram a nossa amada mãe natureza que sempre nos embalou. Revolveram a terra, destruíram florestas e contaminaram nossos rios e lagos.
Aproveitaram-se de nossa ingenuidade e roubaram nossa sabedoria ancestral para reescreverem a história universal como se fosse deles e nos subjugar através dela com uma outra roupagem obsessiva e dominadora. Somos unbuntu, somos o todo no um e o um no todo. Somos coletivos, solidários e camaradas. Os brancos são pela competição, pelo individualismo e pelo enriquecimento a qualquer custo.
Dividiram nosso continente entre eles em uma mesa de comensais, como se fôssemos a iguaria principal do banquete. Pilharam nossas riquezas, nossos tesouros, que hoje estão nos museus europeus e pelo mundo afora. Disseram que nos civilizar era um fardo que o homem branco estava carregando pelo bem da história e da religião.
Usurparam nossas identidades, mudaram nossos nomes, alteraram nossas fronteiras, venderam nossos jovens e crianças como escravos, nos consideraram seres bestiais, bárbaros sem alma, com o apoio do cristianismo e dos intelectuais mercantilistas.
Os brancos destruíram nosso milenar modo de vida africano. Arrasou com nossa autoestima, nos fez nos considerarmos feios esteticamente, bruxos espiritualmente, beócios filosoficamente e idiotas cotidianamente. Os brancos fizeram ao povo africano todo o mal que pode ser feito contra um continente e seu povo. Cometeram o crime de lesa humanidade que conjugou invasão, colonialismo, genocídio e escravidão.
Estamos em pleno século XXI e o mundo passa por transformações incríveis onde a ciência através da tecnologia saiu do planeta e viaja em sondas espaciais entre as estrelas. O truste financeiro global do capitalismo levou à derrocada todos os sistemas políticos de orientação socialista com a queda do Muro de Berlim. O modelo neoliberal se tornou hegemônico em escala planetária e as grandes corporações econômicas globais passaram a ditar as normas de conduta da sociedade contemporânea controlando mídias, governos e parlamentos.
Apesar dos formidáveis avanços em todos os campos da ciência, a situação do continente africano e dos afrodescendentes da diáspora global continua tão precária e desesperadora como no século XVIII. Destarte os avanços sociais como o fim da escravidão humana e do colonialismo, o sistema capitalista continua mantendo sua histórica opressão sobre os povos e países negros. Os efeitos produzidos pelos mais de 300 anos de escravidão e colonialismo no Novo Mundo e depois no continente africano, criaram chagas históricas que teimam em não cicatrizar.
A condição de miserabilidade que o colonialismo europeu deixou em África com o fim do processo colonial e as condições sub-humanas delegadas aos negros da afrodiáspora confirmam que o capitalismo utilizou o continente e o povo negro para transformação e enriquecimento de uma Europa outrora pobre, bárbara e inculta.
Os povos negros foram mantidos à margem do processo de desenvolvimento civilizatório durante todo esse tempo, sendo-lhes negado cidadania, educação, cultura, lazer e saúde de qualidade. Para continuar com o projeto de opressão sem escravidão oficial, confinaram a população negra em territórios precarizados dito favelas, sem qualidade de vida e sanitização. Ao relegar negros e negras escravizados em grandes sistemas de plantations durante centenas de anos, criou uma massa de milhões de negros analfabetos que após a abolição da escravidão se viram desempregados nas metrópoles dos países por falta de programas de qualificação profissional e inserção social. O projeto governamental de embranquecimento da população brasileira culminou com a vinda de imigrantes europeus enquanto que os negros que erigiram a nação foram relegados à margem da sociedade brasileira.
A partir de então, apesar de libertos mas não livres, os negros passaram então a ser perseguidos pela polícia e ser vítimas indefesas do racismo estrutural e do racismo ambiental. O capitalismo legou aos negros uma cidadania de restolhos, o subemprego, a humilhação, o cárcere, a miséria, enfim, a sub cidadania eterna.
O processo político atual através das organizações negras da sociedade civil exige reparações históricas, econômicas e sociais urgentes, que devem se materializar através de compensação financeira ao continente africano por um fundo financeiro global composto pelos países que se beneficiaram e enriqueceram com o colonialismo e a escravidão.
Por um outro lado as reparações devem também se materializar por meios de programas de inclusão social e econômica dos povos da afrodiáspora geridos pelo Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU, pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável também da ONU e por suas agências como Unicef, UNESCO e Habitat, entre outras. Ainda dentro do sistema das Nações Unidas os países membros devem se comprometer com a implantação das recomendações do Plano de Ação da Conferência Mundial contra o Racismo, realizada na cidade de Durban na África do Sul em 2001, além de se comprometer com documentos similares exarados no âmbito da OEA, como no caso de países membros das Américas e Caribe, onde a escravidão de africanos foi mais intensa e predatória.
Aqui despeço-me de vocês. Sim, despeço-me em desalento com a natureza humana. O dom da vida é o diamante mais brilhante da Criação. Seu brilho só pode ser mantido através do amor. O amor é o combustível que o universo nos dotou para que pudéssemos saborear esse breve instante mágico de nossa passagem por este planeta tão lindo e vivo. Porém existem outros sentimentos plúmbeos que insistem em tornar o brilho da aura humana difuso.
A Criação nos dotou de muitos dons, entre eles poder desenvolver a ciência, a tecnologia, desvendar os segredos das florestas para produzirmos medicamentos que curem nossas moléstias e dores. Disponibilizou o conhecimento de que o amor, a união e a solidariedade são fundamentais para que sejamos felizes. Porém, também nos dotou com a ambição, com a avareza e com sentimentos de posse que somente servem para nos destruir.
Não é concebível que um povo se declare civilizado quando seu enriquecimento se deu através da dominação e escravidão de outros povos. A lição que a energia universal nos ensina é que o essencial é invisível, que o poder não pode ser visto ou tocado e que nossa capacidade intelectual é absolutamente ilimitada perante a grandiosidade universal.
Somos seres interestelares, somos compostos por elementos não existentes na Terra, forjados em processos de fusão nuclear no interior das estrelas. Somos poeira de estrelas, por isso devemos brilhar, para iluminar a escuridão dos espíritos das pessoas de má vontade. Nossa missão é semear e espalhar o amor.
Estou cansado e minha caminhada aqui no planeta está chegando ao fim. Peço aos que ficam que procurem viver em
harmonia, que pequenas diferenças sirvam para nos juntar e nos elevar e nunca nos separar. Que a tolerância e o respeito com o outro que pense de maneira diferente sejam praticados, pois, em breve, nos próximos 100 anos, todos seremos cinzas e ossos e nada restará de nossa prepotência e arrogância. Na nova dimensão não precisaremos de nada material e tudo que acumulamos aqui nesta vida não poderemos transportar para onde iremos. Não levaremos nada desse planeta a não ser o resultado do amor que semeamos e que depois de partirmos se transformará em lindas flores chamadas saudades.
Que todas as pessoas possam viver em paz e harmonia. Que todas as etnias possam celebrar o grande momento da vida. Que todas as pessoas possam viver com dignidade, sem fome, sem miséria e sem preconceito. Somos todos poeira das mesmas estrelas, que tal brilharmos todos juntos!
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