Carrego comigo milhares de anos de ancestralidade africana e outras centenas de anos de colonialismo e cativeiro infame. Como me calar? Como reduzir minhas palavras? Minha indignação? Meus gritos de rebelião?
Refletindo sobre ser um ser prolixo, entendo contrariado que a etnocentria venceu de goleada. Não há mais tempo para nossa cosmovisão africana se manifestar através de nossos risos largos e estridentes, nosso caminhar malemolente e antigravitacional, nossa comunicação interminável sobre os segredos do Orum e suas divindades. Sim, o capitalismo eurocêntrico venceu e ao vencer nos reduziu aos arremedos monossilábicos dos brancos. Lenta e silenciosamente o sistema vem construindo nossos arquétipos sob o manto da ordem caucasiana, onde sempre seremos seres periféricos e jamais estaremos participando da mesa principal como protagonistas. A mesa do banquete antropológico é restrita e para ocupá-la há que superar as réguas do gradiente da pigmentocracia. Muitos de nós se esforçam para atingí-la, procurando viver como os brancos, com a naturalidade dos brancos, com a mesma aflição dos brancos, mas sem as benesses e a tranquilidade que a vida oferece aos brancos, até porque o normal é ser branco.
Não devemos constituir um libelo contra os brancos. Mas sim um alerta em favor dos negros: vivam nosso jeito de ser e abandonem um mundo que nunca será de nosso. A cosmovisão eurocêntrica é antagónica à nossa. É radicalmente contra nosso modo de viver, além de ser historicamente opressora e aniquiladora de nossa cosmovisão.
Para o afrodescendente que consegue galgar alguns degraus a mais na pirâmide social é tentador compartilhar o mundo branco, receber algum reconhecimento e ser apontado como “diferente” da “massa negra”. É mais ou menos como ser a “ovelha branca” da imensa família que é nossa comunidade negra.
Adentrar no mundo branco sem marcar o caminho de volta com miolos de pão é uma operação muito arriscada. É um mundo com tecnologia, dinheiro, poder e muita fascinação. Mas ao mesmo tempo é um mundo de ilusão. O capitalismo atira iscas aos incautos que se materializam na forma de promessas de sucesso, riqueza e prosperidade. Engodos sutis que aos poucos vão se revelando inúteis devido a ausência de um sistema que ofereça educação pública de qualidade, assim como saúde pública universalizada que proteja a todos com eficiência. Finalmente para acabar com os sonhos emitidos pelos cantos de sereia do capitalismo que envolvem o povo negro, tem a grande barreira melanínica, que é o acesso às boas oportunidades no mercado de trabalho. Como há o interdito da educação de qualidade, o mercado de trabalho capitalista reage de maneira firme, naturalizando a meritocracia e trazendo para si através de sistemas de seleção endógenos e privilegiados, seus filhos diletos que são as pessoas brancas.
O grande desafio que o povo negro pode ou deve enfrentar será transformar o mundo em crise sem utilizar os nesmos cânones eurocêntricos que sempre permearam os processos ditos civilizatórios. A vocação anímica do eurocentrismo para a guerra, para a conquista, dominação e exploracao de territórios deve ser combatida com a filosofia e o modo de viver africano. A sabedoria africana é aquela que respeita a ancestralidade, preserva o planeta e principalmente o solidarismo através do bem comum, do modo coletivo, do compartilhamento de sonhos e experiências existenciais. Não se render ao caos do modo de viver capitalista deve ser um dos principais objetivos do nosso povo.
Temos a obrigação de dar continuidade aos pressupostos históricos e ancestrais que nos foram legados pelos mais antigos. Apresentar possibilidades de caminhos para transições virtuosas que pavimentem o solo que será cruzado pelas gerações futuras de negras e negros.
O sistema capitalista eurocêntrico nos exaure cotidianamente para que nossa postura nos espaços criativos de reflexão e lazer nos entreguemos à preguiça e ao apagamento do inconformismo. Assim nos desviam de nossa missão primordial que sempre será a rebelião e a libertação de nosso povo. O apagamento da chama libertadora e do nosso poder palmarino de rebelião é a grande aposta do capitalismo eurocêntrico, que vitoriosa gera mais miséria, opressão, tristeza e dor.
O capitalismo fez a trucagem de trocar a senzala pela favela para não arcar com o custo da manutenção do sistema escravista Na verdade em sua eficiência maquiavélica terceirizou a escravidão dos negros para os próprios negros A verdadeira abolição ainda está por se cumprir e portanto, abolir a escravidão contemporânea que tanto nos oprime e nos mantém cativos em um moto continuo de miséria e doença, faz parte do nosso compromisso com Palmares e todos os que tombaram lutando pela liberdade.
A escravidão moderna nos faz correr insanos, sem parar para pensar, nos ensinou a não-ler, não-ouvir e não-pausar a vida. O correr obrigatório passou a ser motivo de orgulho, com isso deixa-se de refletir sobre o próprio motivo que faz correr, sobre como lutar contra o sistema que noz faz ficar assim. É um modelo de escravização cruel e eficiente, onde o cativo se volta contra seu igual em defesa do primado de seu próprio opressor.
Precisamos voltar o olhar para o continente africano e rever nossas convicções acerca de nossa ancestralidade e nosso modo vida dentro do sistema capitalista. Há tempo para que possamos ressurgir como uma fênix negra alçada das cinzas das piras eurocêntricas e assim celebrar a saga de Palmares, louvar Palmares, eternizar Palmares, ter orgulho e amor por Palmares
Vamos retomar o oceano, não temer o oceano, passar a amar novamente o oceano que tanta tristeza e medo causou aos nossos ancestrais. Vamor retomar o oceano com as velas enfunadas da restauração, porque navegar é preciso. Navegar e mudar o modo de viver no mundo capitalista. A humanidade está destruindo o planeta de todos para fomentar a riqueza de poucos. Estão destruindo mares, rios e floresras em troca de dinheiro, de capital. Os povos negros e indígenas nunca destruíram a mãe natureza como os brancos agora fazem com esta sanha predatória e antiespiritual
Não conseguir ler uma frase de um texto é tudo que o sistema capitalista quer de nós. Não ter paciência para ouvir um áudio de bom dia é uma excrescência que o sistema nos doutrina Estão nos adestrando para que Nossos laços afetivos estejam contidos em emojis e memes e isso basta na sociedade doentia do deus capital. Seremos robôs humanos em um mundo sem face e sem amor. Um mundo onde ler um.livro tornou-se um pecado contemporâneo porque a vida que gera valor agregado e orgulho é a vida corrida, pois a pessoa que corre se orgulha de estar se comportando segundo as regras do mundo adâmico que reprova a quem reflete e transforma em aflições o deleite do usurfruto do tempo do prazer.
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