OS NEGROS E O NASCIMENTO DA BOSSA NOVA - UM TRIBUTO A JOHNNY ALF, GERALDO PEREIRA, ALAÍDE COSTA E AGOSTINHO DOS SANTOS.
A Bossa Nova nasceu e foi amamentada pelas vigorosas e abundantes tetas do samba, principalmente o samba sincopado e das improvisações jazzísticas que passeavam nas teclas dos pianos da noite carioca à época.
A certidão de nascimento da Bossa Nova diz que ela nasceu na Avenida Atlântica, no apartamento da Nara Leão, no Posto 6. Não é bem assim, o ritmo que encanta o mundo é filho de diferentes ‘maternidades’, que vão do blues do Mississipi ao Buraco Quente no Morro da Mangueira. Muitos alegam que a Bossa Nova acontecia de outra maneira mesmo sem ter esse nome nas músicas do Tamba Trio ou das teclas de piano de Jonny Alf.
A música que delimita o marco de existência do novo estilo é ‘Chega de Saudade’, composta por Tom Jobim e Vinícius de Morais sendo interpretada por interpretada por João Gilberto. João introduziu uma forma diferente de tocar o violão, muito parecido com o samba sincopado de Geraldo Pereira da Mangueira, aquele que compôs ‘Falsa Baiana’ e ‘Acertei no Milhar’. Chega de saudade foi registrada nas entidades de direitos autorais como samba-canção.
De qualquer maneira, foi na zona sul carioca que o movimento tomou força e dali partiu para conquistar o mundo, tendo seu ápice quando da apresentação no Carnnegie Hall de Nova Iorque, onde um cantor negro brasileiro, de voz aveludada, chamado Agostinho dos Santos, deixou os espectadores maravilhados com a potência suave de sua voz.
Johnny Alf é um capítulo à parte. Ninguém menos que o escritor e jornalista Ruy Castro disse que ele foi o verdadeiro criador da Bossa Nova.
Menino negro de família humilde, órfão de pai aos três anos de idade, mãe empregada doméstica, iniciou seus estudos de piano aos nove anos de idade, incentivado pelos patrões de sua mãe.
Sua formação musical foi aos poucos se aproximando da raiz popular e deixando de lado o erudito. Foi como estudante do Colégio Pedro II que teve oportunidade de participar de um grupo artístico no Instituto Brasil-Estados Unidos, quando foi convidado a participar de um grupo artístico e passou a utilizar o nome Johnny Alf.
Sua carreira profissional se iniciou na “Cantina do César” do comunicador César Ladeira. Gravou seu primeiro disco em 1953 com as músicas Falsete e De Cigarro em Cigarro, consideradas revolucionárias para a época e que são consideradas precursoras da bossa nova. Também compôs Eu e a Brisa, que é seu maior sucesso.
Johnny Alf morreu aos 80 anos de idade em um hospital público. Morreu solitário, sem família e pobre, relegado a um asilo. Triste para um compositor e pianista negro que Tom Jobim classificou como gênio da música e com certeza um dos criadores da Bossa Nova.
Geraldo Pereira era mineiro de Juiz de Fora. Veio viver no Rio de Janeiro com seu irmão que possuía uma casa humilde no Morro da Mangueira. Tornou-se um bom violonista e a partir de então passou a compor sambas em profusão, abandonando o morro e fixando-se no Centro da cidade em busca de melhores oportunidades artísticas.
Na Praça Tiradentes, que era a grande concentração de artistas daquele período, conseguiu mostrar seu talento e estabeleceu parcerias com outros compositores. Passou a viver de vender seus sambas e já no ano de 1940 emplacou seu primeiro sucesso no Carnaval com a música “Se Você Sair Chorando”, gravada por Roberto Paiva. Junto com Wilson Batista compôs o grande sucesso “Acertei no Milhar”, que foi gravada por Moreira da Silva e se transformou em enorme sucesso em todo o país. Geraldo Pereira se torna um dos principais compositores do astro Cyro Monteiro e é alçado ao estrelato quando compõe Falsa Baiana em 1944.
Geraldo Pereira nos deixou jovem, com apenas 37 anos. Após uma briga com Madame Satã na Lapa, foi internado e do hospital saiu sem vida, não por conta da briga mas por sua saúde debilitada devido a incansáveis noites de farras e bebedeiras. Geraldo estava doente há bastante tempo e este evento da internação apenas comprovou que estava com os dias contados. O próprio Madame Satã em pessoa me confirmou o fato em uma das minhas muitas idas à Vila do Abraão na Ilha Grande, onde vivia em regime condicional.
O samba sincopado foi sua marca registrada, que foi inclusive uma das fontes referenciais do grande arcabouço musical onde a bossa nova bebeu para se estruturar enquanto estilo.
Geraldo Pereira deixou, uma riquíssima obra musical, composta por quase uma centena de canções, muitas inéditas. Em sua homenagem foi produzido um belo filme chamado “O Rei do Samba” de José Sette.
O nome da intérprete Alaíde Costa mistura-se com a história da MPB. Mulher negra carioca, nascida em 1935 no bairro do Méier, filha de um padeiro com uma lavadeira, cresceu ouvindo o ritmo samba-canção, nos programas de rádio que faziam muito sucesso naquela época. A TV ainda não havia chegado ao Brasil e somente se consolidaria 30 anos mais tarde, sendo o rádio o grande meio de comunicação popular.
O irmão mais novo de Alaíde Costa, observando seus dotes vocais, inscreve-a em um concurso de calouros em um circo, e logo depois em programas de rádio voltado para novos talentos infantis. Aos 13 anos foi eleita a melhor cantora infantil pela Rádio Tupi, em um programa apresentado por Paulo Gracindo. Torna-se destaque na Rádio Nacional mesmo trabalhando como babá de três crianças. Sua vida começou a mudar quando aos 16 anos recebeu nota máxima em um programa de calouros apresentado por Ary Barroso. A partir deste momento sua carreira de intérprete profissional se tornou irreversível.
Aos 20 anos inicia sua carreira cantando profissionalmente no Dancing Avenida. Em 1961 grava o primeiro disco de uma série de mais de vinte, consagrando-se definitivamente como uma das maiores divas da Música Popular Brasileira.
Gilberto ficou muito impressionado com sua voz durante uma gravação nos estúdios da Odeon e a convidou para participar de uma reunião com jovens artistas da zona sul carioca. A casa era do pianista Bené Nunes, quando João convidou mais não foi ao encontro, consagrando o estilo que carregou pelo resto da vida.
Alaíde Costa passou a estreitar cada vez mais sua relação com a nova turma foi uma das precursoras da Bossa Nova, juntamente com Johnny Alf, Tom Jobim, João Gilberto, Vinícius de Morais entre outros.
Em 1959 participou do Primeiro Festival de Samba Session, com Silvinha Telles, Ronaldo Boscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal entre outros artistas de renome. Sua interpretação da canção “Chora tua Tristeza” foi o grande sucesso da noite e foi a primeira música a fazer sucesso para além dos limites do grupo da Bossa Nova. Porém sua mais conhecida interpretação está gravada no disco ‘Clube da Esquina’, onde divide o fonograma ‘Me Deixa em Paz’, com Milton Nascimento.
Alaíde Costa é considerada uma divindade da MPB. Sua voz maviosa nos embala em uma viagem serena e revigorante. Como atriz foi premiada como Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Gramado de 2020 e aos 25 anos contracenou com Raul Cortez na peça Os Monstros, dirigida por Ruth Escobar. Pioneira na luta da mulheres negras, Alaíde Costa tem seu lugar garantido como uma das mulheres negras mais importantes do Brasil.
Johnny Alf, Geraldo Pereira, Agostinho dos Santos e Alaíde Costa, que ainda vive, são exemplos do que a sociedade branca racista faz com o povo negro. Apesar de possuírem talentos inquestionáveis, foram relegados ao esquecimento e não constam como protagonistas na criação da Bossa Nova, que ficou restrita a um grupo de filhos da classe média alta da zona sul carioca, ocultando o talento desses artistas negros de elevado gabarito.
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