Covid 19 - A Imunização da População Negra
O Ministério da Saúde apresentou os primeiros dados tabulados da população vacinada do país. Os números não chegam a impressionar, pois, quando um país com profunda desigualdade social e regido pelo instituto do racismo estrutural participa de política pública universalista, não poderia apresentar resultado diferente.
Os dados oficiais apresentados pelo Ministério da Saúde mostram que somente 19% dos 5 milhões de vacinados no país que foram registrados pelo Ministério da Saúde eram pretos ou pardos. Os dados apenas comprovam que há uma estranha assimetria na imunização da população negra, na medida em que compõe 56% do percentual da população brasileira, de acordo com os dados do Censo Estatístico do IBGE.
Apesar do esforço de imunização estar concentrado em profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à Covid-19 e esse contingente em tese ser majoritariamente negro e pardo, ainda assim a imunização está salvando mais brancos que negros.
Quando a imunização passa a ser aplicada nos espaços e territórios degradados, a lógica dos dados se fortalece, mostrando que para um contingente de 336 moradores de rua que foram vacinados, 64% são negros e 27% são brancos. Entre os 950 mil idosos com 80 anos ou mais, 41% são brancos e 18% são pretos ou pardos. Porquê somente 18% de negros e pardos? A resposta é simples: o número de negros que consegue ultrapassar a barreira dos 80 anos é bastante inferior ao contingente humano não negro.
Segundo Alexandre da Silva, doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo e membro do grupo de trabalho Racismo e Saúde, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a chegada à maturidade da população negra é diferente e desigual a da população branca. Por esse motivo, a população negra deveria ser objeto de mais atenção por parte das autoridades de saúde de nosso país.
Um contingente humano que geneticamente é propenso a enfermidades crônicas e prevalentes como hipertensão e diabetes, além de obesidade por má nutrição, está diretamente afetado pelos riscos de contágio e agravamento do estado de saúde caso contraia a Covid-19. Portanto, esse contingente deveria ser priorizado tanto na imunização como na prevenção. Se levarmos em conta que esse contingente racial encontra-se em condições historicamente inferiores aos outros estratos sociais da composição racial brasileira, causa espanto não haver nenhuma medida oficial para a proteção imediata desses cidadãos.
As desigualdades são históricas e estruturais. A população negra em sua grande maioria habita lugares degradados ou deixados de lado pelo poder público. O saneamento básico é deficiente, assim como as demais condições ambientais. Esses territórios estão afastados dos centros das cidades e os transportes são irregulares e deficientes. A baixa escolarização garante subempregos que remuneram mal e não permitem acesso a uma boa nutrição. Nesse conjunto anticivilizatório deve-se acrescentar a violência institucional dos aparelhos de repressão de estado e dos narcotraficantes que controlam seus territórios nem que para isso promovam verdadeiras guerras com grupos rivais que lutam pela tomada do território. Em meio a esse enorme caos existencial está a escola pública local e as unidades de saúde, geralmente entregues à abnegação de seus servidores para que haja um entrega mínima de serviços.
Os dados demonstram que quase 30% dos registros dos imunizados não traz a informação raça/cor. O Dr. Alexandre da Silva enfatiza que a não determinação de raça/cor impede uma análise aprofundada que gera um óbice no desenho do perfil verdadeiro do espectro da Covid-19 na população negra.
Os marcadores de gênero e faixa etária são tratados com prioridade, pois através dos dados sabemos quantos homens e mulheres foram imunizados e suas idades. Segundo Alexandre, o marcador raça/cor deixa de ser genético e se transforma em marcador social.
Estudos mostram que a recuperação da Covid-19 na rede privada de saúde é quase o dobro da rede pública. Se a população negra é atendida majoritariamente na rede pública por não possuir condições financeiras para adquirir seguro saúde da rede privada, podemos dizer que existem duas Covids no Brasil, a dos brancos e a dos negros. A dos brancos possibilita ampla recuperação enquanto que a dos negros infelizmente e invariavelmente leva ao óbito.
A pandemia do coronavírus acentua mais uma vez a situação da desigualdade social e do racismo estrutural brasileiro. Precisamos construir uma nação onde essas assimetrias gritantes deixem de existir. Esses dois brasis precisam ser extintos, o Brasil dos brancos e o Brasil dos negros. Um com IDH semelhante aos mais avançados países da Europa e outro com IDH tão baixo como os dos mais pobres países do mundo e não é para ser assim.
Paz, justiça, cidadania e liberdade são eixos basilares de uma sociedade civilizada. Precisamos lutar para que ela seja uma conquista de todos e todas e não somente de um grupo privilegiado de habitantes.
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