Postagem em destaque

Eu Negro

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Eu Negro

Eu negro quando me olho no espelho costumo não gostar do que vejo. Meu eu negro se reflete em estilhaços, em uma grande entropia de cristais, que representam o desmonte de minha frágil e inconstante psique. Me eu negro quando se reflete no espelho, traz consigo uma carga imensa de sofrimentos ancestrais. Em cada estilhaço do meu eu negro reflete dores primordiais da alma negra, violentada, flagelada e crucificada após uma ultrajante e pérfida via crucis sociológica Quando meu eu Negro defronta-se diante do espelho estilhaçado, tenta se reconhecer em meio a tantos ‘eus’ disformes e assimétricos. São ‘não eus’ que recusam compor minha verdadeira alteridade física e emocional, como o instrumento desafinado em meio a uma maviosa orquestra. Não consigo estabelecer um acordo com meu eu no espelho estilhaçado, porque além da recusa diante da impossibilidade normativa, há uma realidade distópica atuando em moto contínuo que não abre espaço para concertações humanas A triste saga do meu eu negro carrega consigo as cicatrizes de batalhas atávicas memoráveis. Traz consigo o luto antropológico e a perversão do cativeiro. Tanto mar salgado batendo em minha alma. Tantos porões desumanos no ventre dos navios negreiros. Tanto mar, tanto mal, tanto sofrimento que durante séculos de perversão humana, formataram um sísifos existencial, que exaure minha mente nas infinitas e contínuas escaladas dos rochedos do existir. Meu eu negro que permanece no espelho em estilhaços, vive uma teogonia voltada para o lado humano, que passou a compreender o destino que sempre cumpriu, sempre preso a uma hermenêutica construída pelo proselitismo caucasiano, que insiste em apagar e destruir minha cosmovisão ancestral, multicultural e pluriétnica. Meu eu negro insiste em se descobrir humano em um mundo de reflexos inumanos e hostis. A visão turva oriunda de uma falsa deidade de sociopatas eugênicos, me faz caminhar lento e claudicante nas vielas tortuosas de um mundo triste e decadente. É assustador ver e não se reconhecer. De qual mundo? Existe um mundo? Ou somente seguir em manada até o destino final? Apagar o passado soturno? Varrer para debaixo do tapete os restolhos cínicos das diferenças fenotípicas? Viver eternamente no porão enquanto outros refestelam-se em suntuosos palácios? Interrogações seculares que permanecem e me cobram através do reflexo do espelho. Me atiçam em chamas, cobrando um modo de ação carbonário e revolucionário. Gritam em meus ouvidos, sangram meu corpo, esmagam os recônditos de minha alma. As interrogações são bárbaras e desumanas. Partem dos estilhaços do espelho como raios certeiros, tendo como alvos principais o coração e a psique negra. Penso em deixar tudo para depois. Sabendo me enganar assim como as mães fazem ao dizer para o filho insistente em pedir uma guloseima: “na volta a gente compra”. Sim, na volta talvez eu lute, na volta talvez eu sorria, na volta talvez me encontre. O encontro do ser humano consigo mesmo certamente ocorre através da liberdade. A liberdade porém não é um constitutivo natural da alma humana e tampouco nasce compondo a personalidade da pessoa. A liberdade é um estado que reside na dimensão do sentir, do protagonismo da conquista, da sublimação do protagonismo dentro de um tempo histórico. Portanto a liberdade reside na existência de seres humanos históricos, protagonistas da história, e os negros brasileiros nunca foram convidados para esta contradança. Viver apartado da verdadeira liberdade, a liberdade dos vencedores, dos protagonistas, daqueles que escreveram e escrevem a história é uma carga sobre humana que preciso carregar. Minha voz não ecoa no mundo branco e continua sendo ouvida com desesperança no mundo negro. Alguns brancos me ouvem com alguma curiosidade como se estivessem participando de um experimento antropológico. Esperam ansiosos que eu fale de samba e carnaval, enquanto ensaio Cheik Abra Diop, Abdias do Nascimento e Lélia Gonzalez. As dimensões que nos toleram enquanto seres humanos protagonistas ficaram restritas ao samba e ao futebol. Aos tambores e à bola. Somos os restolhos civilizatórios de um continente bárbaro, segundo eles. Somos a escumalha que empreteceu a população brasileira para horror dos eugenista tupiniquins. Somos aqueles e aquelas que são confinados nas senzalas contemporâneas que são os quartinhos de empregada, onde purgamos nossa subalternidade entre quatro paredes sufocantes sem janelas. A branquitude adora quando bradamos que o negro é lindo, que façamos gestos que significam o poder negro. Nos apoiam em todas essas coisas e depois vão ao concerto erudito nos teatros municipais da vida e nos entregam os utensílios necessários para que lavemos suas latrinas imundas. Obviamente que estamos avançando. Eu mesmo aqui ousando escrever, me desafiando no mundo das letras, tentando viver a liberdade que antevejo nas entrelinhas que desejo nas páginas em branco. Mas quanto mais escrevo mais né desespero. Quanto mais escrevo mais me descubro e redescubro minha localização na vida, que grita em meu âmago que devo ser forte, que devo ser livre, pois somente assim poderei ajudar os meus irmãos e irmãs que vivem no mundo da ilusão ou na ilusão do mundo. Esses irmãos e irmãs são as pessoas mais importantes para mim, pois sem eles nas trincheiras, minha luta em prol da liberdade verdadeira não tem o menor sentido. Os negros escravizados no Brasil eram proibidos de usar sapatos. Podiam até usar roupas vistosas como era comum no caso dos escravos de ganho e nos serviçais da casa grande. Porém sempre descalços, para sentir a aspereza dos caminhos, para viver sabendo ser inferiores, para compreenderem que eram os derrotados da Terra. Viver uma vida inteira descalços era a maior demonstração de humilhação e ausência de liberdade. Paulo da Portela em meados do século 20 dizia que o negro deveria se esmerar ao se vestir e estar sempre com o pescoço e os pés ocupados, utilizando sempre que possível gravatas e sapatos. Via nesses acessórios um sinal de emancipação, de respeitabilidade e liberdade para a população negra. O espelho hoje apresenta alguns estilhaços virtuosos. A casa dia que passa mais jovens negros adentram no ensino superior, modelando lentamente uma sociedade do futuro mais heterogênea. São conquistas que além do valor individual do ser negro, requisitaram duríssimas batalhas ao movimento negro em confrontos memoráveis contra o racismo estrutural brasileiro. Nossas conquistam são lentas, pois apesar da urgência de nossas emergências, somos submetidos a um judiciário branco, machista e racista. Nosso judiciário é a tal praia onde os negros nadam...nadam e morrem na praia. O Congresso Nacional possui o mesmo perfil eurocêntrico e excludente do judiciário, transformando a vida da população negra em um verdadeiro inferno ao legislar continuamente contra leis já aprovadas, que estabelecem direitos através de algumas ações afirmativas, que propõem mecanismos de correções de diversas assimetrias raciais históricas. O resumo da existência negra no Brasil está contido na ausência de liberdade. Na verdade é uma retroexistência lastreada pela xenoafetividade endêmica que remonta aos tempos de cativeiro do período colonial. Nossa imagem no espelho nos pede socorro, pois nossa velocidade de avanço social e menor que o avanço do racismo. Precisamos pensar ativamente na verdadeira liberdade, na honestidade epistemológica do nosso existir sem as cercas ladeadas da branquitude, sem o pôr de sol esmaecido que o racismo estrutural sempre nos apresentou.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

A Escravidão no Brasil

A história da escravidão no Brasil é muito dolorosa. Aliás todas as histórias de escravidão são deprimentes. O fato da diferenciação da cor da pele ser motivo para escravização até à morte de um semelhante já é motivo suficiente para nos envergonharmos enquanto humanidade. Para compreendermos de fato como aconteceu todo o processo histórico da escravidão mercantil de povos africanos para as Américas e Caribe precisaremos retroceder no tempo e observar os eventos históricos dos séculos XV e XVI. No século XV vamos encontrar duas grandes potências marítimas em disputa que eram Portugal e Espanha. No nosso caso vamos nos deter nas navegações portuguesas pois elas interferiram diretamente no Brasil que conhecemos hoje. O século XV marcou um importante período na história da humanidade. Foi nele, que além de grandes avanços em todas áreas do conhecimento, marcou o fim da Idade Média e o despertar do Renascimento. O sistema feudal estava em franco declínio, abalado por diversos fatores como a baixa demográfica com a Peste Negra, havia também uma contenda religiosa que culminou com o Cisma do Ocidente onde a Igreja Católica passou a possuir três Papas com um em Avingnon na França, outro em Roma e ainda um terceiro em Pisa na Itália. Outro fator de grande impacto para a humanidade foi a Queda de Constantinopla em 1453, marcando o fim da Idade Média e inaugurando a Idade Moderna. Esse período bastante fértil iniciou a “Era dos Descobrimentos”, através do empreendimento das grandes navegações, com as quais os europeus traçaram rotas marítimas por todo o globo, principalmente para a Ásia, África e Américas. Portugal reuniu as melhores condições possíveis para se lançar ao mar ainda desconhecido para buscar novos territórios inexplorados em busca de riquezas e poder. Entre essas condições podemos citar algumas das principais que eram por exemplo a grande área do país voltada para o Oceano Atlântico, que possui diversas correntes marítimas ao largo do litoral que oferecem ótimas condições para asa viagens oceânicas. Outro fator importante era a tradição náutica da Escola de Sagres, a mais avançada do mundo à época. Um dos quesitos mais importantes ao estímulo das navegações portuguesas era o apoio da Igreja Católica, que visava a cristianização do mundo em tese pagão, principalmente depois da queda de Constantinopla para os muçulmanos em 1453. O temor de um planeta islâmico era real pois ainda estavam abertas as feridas da conquista da Península Ibérica pelos mouros que se prolongou por longos 700 anos. A consolidação do poder do cristianismo realmente foi um dos grandes motivos para o forte investimento nas navegações portuguesas pela Ordem de Cristo, instituída pelo Rei Dinis em 1318 e confirmada pela bula papal “Ad ea ex quibus”, que emitida pelo Papa João XXII, trazia à vida a Ordem de Cristo, restaurando de alguma maneira em Portugal a Ordem dos Templários extinta em 1311 pelo Papa Clemente V. As velas de todas as caravelas portuguesas nas navegações pelos oceanos, traziam estampadas em grande destaque a cruz vermelha da Ordem de Cristo, mostrando aos que as recebiam que aquelas embarcações estavam a serviço de Portugal, um reino cristão a serviço do cristianismo. Por fim, a formação do imberbe estado nacional português antes mesmo de nações como França, Espanha e Inglaterra dotou Portugal de condições estruturais e políticas para o planejamento das grandes navegações. Porém, os grandes investimentos nas navegações portuguesas não eram voltados exclusivamente para a evangelização, junto com o escopo espiritual estava o planejamento material, que buscava o caminho marítimo para as Índias, aprimoramento das técnicas de navegação e a busca por metais preciosos, principalmente o ouro, para fortalecimento da economia portuguesa. Portugal iniciou sua aventura pelos mares através da Tomada de Ceuta no Marrocos. A posição estratégica do enclave marroquino frente ao estreito de Gibraltar permitia o controle de um mercado muito cobiçado que era a rota transafricana do ouro sudanês. Ceuta era responsável por uma riquíssima atividade comercial com o Egito a Líbia e era o principal entreposto pesqueiro das frotas atuneiras (pesca do atum) e da retirada de coral, que compunham o escopo principal de sua balança comercial. A expedição militar saiu de Lisboa rumo ao Continente Africano, visando a conquista do enclave marroquino sob comando de D. João I de Portugal em 25 de julho de 1415. A frota deixou a foz do Rio Tejo com 29 galés, 33 naus e 120 navios que transportaram 55 mil homens entre eles mercenários e aventureiros de diversas nacionalidades europeias. A batalha vitoriosa em Ceuta durou exatamente um dia, entre 21 de agosto e 22 de agosto de 1415. A tomada de Ceuta deu início ao conhecimento do Continente Africano pelos portugueses, que a partir de então passaram a estabelecer feitorias ou entrepostos na costa africana visando a construção da Carreira das Índias. A Igreja católica teve intensa participação na estruturação das navegações portuguesas, principalmente na emissão de duas bulas papais, sendo a primeira denominada de “Dum diversas” emitida em 1452 pelo Papa Nicolau V ao Rei D. Afonso V de Portugal, e a segunda em 1454 a “Romanus Pontifex”, do mesmo papa Nicolau V ao Rei Dom Afonso V e ao Infante D. Henrique, onde ambas permitiam aos portugueses conquistar, tomar as propriedades e escravizar até à morte todos os habitantes dos territórios sarracenos, gentios e não-cristãos. Documento depois estendido ao Rei da Espanha. Certamente este documento foi a certidão oficial de nascimento da escravização mercantil de cidadãos livres africanos para os territórios do Novo Mundo. A terceira bula papal foi a “Inter Coetera” que dividia o Novo Mundo entre os países ibéricos. Portugal não concordou com os limites geográficos estabelecidos pelo documento e para evitar que as duas nações entrassem em guerra o Papa Alexandre VI traçou uma linha imaginária dividindo as conquistas de Portugal e Espanha, que se transformou no que conhecemos como Tratado de Tordesilhas. Resumo e condensação das Bulas Papais “Dum Diversas”” e Romanus Pontifex”: (…) nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão, e apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes (…). Enquanto os portugueses seguiam na conquista de novos territórios africanos, Cristóvão Colombo chega a América em 1492, Vasco da Gama chega a Calicute na Índia em 20 de maio de 1498, sendo o primeiro europeu a circundar a África pelo Cabo da Boa Esperança. Dois anos depois, em 22 de abril de 1500 o navegador português Pedro Álvares Cabral chegou ao território de Porto Seguro na Bahia, tornando colônia do Reino de Portugal, que destarte o nome indígena de Pindorama, passou a ser chamado de Brasil. O Brasil de 1500 era uma região extremamente perigosa para os europeus. O território era inóspito, totalmente coberto por florestas com animais selvagens, nuvens de mosquitos e os habitantes da terra, povos originários que os portugueses chamavam de bugres ou índios. A colonização do Brasil por parte dos portugueses pode ser caracterizada como colônia de exploração, onde a matriz, no caso Portugal, se ocupa somente com a extração e prospecção de riquezas, deixando de lado a ocupação do território por famílias oriundas da metrópole. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve outro tipo de colonização que foi a de povoamento, onde as famílias deixavam a Inglaterra fugindo da perseguição religiosa e construíam suas vidas na nova colônia. Um dos motivos da grande diferença econômica entre Brasil e Estados Unidos pode ser creditado ao modelo de colonização. Enquanto um país começou com uma grande reforma agrária, com distribuição de terras para os milhares de colonos que chegavam, no Brasil Portugal dividiu o país em 14 capitanias hereditárias que se ocupavam basicamente da exploração de Pau Brasil e de engenhos voltados para a produção de açúcar. Enquanto isso nos Estados Unidos os colonos que chegavam em profusão cultivavam seus sítios e fazendas, abriam centenas de oportunidades de negócios, fundavam escolas, bancos, ferrovias e comércios, enfim, construíram uma economia pujante enquanto que aqui continuávamos a cortar madeira e cortar cana de açúcar nas paupérrimas capitanias hereditárias. A partir de 1530 Portugal voltou sua atenção para as terras do Novo Mundo. A chegada constante de piratas e de franceses ocupando vastas áreas do território levou a metrópole a se preocupar com a ocupação da colônia. Um dos maiores óbices que os portugueses encontraram quando resolveram se estabelecer no Novo Mundo, foi a mão de obra necessária para a implantação dos empreendimentos coloniais. Ao contrário da América Espanhola, onde os colonizadores espanhóis encontraram ouro e outros minerais em grande profusão causando enriquecimento súbito, no Brasil isto somente aconteceria mais tarde, obrigando o colonizador a investir no regime extrativista da cana de açúcar e do Pau Brasil. Os portugueses decidiram que na ausência de colonos europeus para trabalhar nos empreendimentos coloniais, a melhor opção seria utilização de mão-de-obra local, ou seja, indígena. Por mais que tentassem submeter os indígenas à escravização, a situação dos colonos piorava a cada dia. A cosmovisão indígena não compreendia a necessidade de cortar árvores dia após dia durante o ano inteiro para enviá-las pelo oceano para outros povos. Apesar de muitos pesquisadores refutarem a ideia da falta de costume com o trabalho metódico cotidiano, esse foi um fator de estranhamento e recusa, pois os povos autóctones usufruíam da natureza de maneira lúdica e respeitosa, não causando sua destruição desnecessária, pois para os povos originais o dinheiro não possuía valor algum. Assim, os indígenas não acostumados ao trabalho cotidiano obrigatório ou escravo e com medo das doenças mortais trazidas pelos portugueses, criavam sérias resistências para esse tipo de conformidade, travando inclusive batalhas históricas contra os portugueses que eram sempre em menor número. Portugal por outro lado considerava os indígenas súditos do reino, e por conseguinte não deveriam se escravizados. Os Jesuítas se batiam contra as investidas dos colonos em busca de mão de obra escrava, catequisando, batizando e criando colônias onde os indígenas pudessem viver em paz e sob a proteção da igreja católica. Com as sucessivas investidas dos colonos os jesuítas evitando o conflito embrenhavam-se cada vez nos sertões ou então seguiam para o sul do país onde construíram missões que são famosas até os dias atuais como a de Sacramento, por exemplo. Para solucionar este problema o Papa Paulo III emitiu a Bula Papal “Sublimis Dei” em 29 de maio de 1537, que determinava que os indígenas eram seres humanos capazes de compreender a fé cristã, e que pela qual condena explicitamente a escravidão desses povos mesmo que alheios à fé cristã. Diante da impossibilidade da escravização dos povos indígenas a “saída” encontrada pelos portugueses foi trazer para o Brasil mão de obra africana escravizada, ação legitimada pelas bulas papais “Dum Diversas” e “Romanus Pontifex”, de 1452 e 1454 sucessivamente. Com a emissão dessas bulas papais a Igreja Católica foi diretamente responsável pelo imenso sofrimento pelo qual passou e passa o povo negro desde a chegada dos primeiros portugueses em África e durante os quase 4 séculos de escravidão mercantil no Novo Mundo. Seguindo o mesmo caminho bárbaro de Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e Dinamarca se juntaram no esforço de sequestrar, acorrentar e enviar para terras distantes através do oceano mais de 20 milhões de africanos escravizados. A escravidão sempre existiu na história da humanidade. A Bíblia diz que José e o povo judeu foram escravos dos faraós do Egito. Os gregos e os romanos possuíam escravos capturados em suas guerras, muitos desses escravos eram inclusive professores dos filhos de Roma e Atenas. O povo eslavo na Europa do Leste, que sempre foi branco, foi um povo tradicionalmente escravizado, daí a palavra escravo em Inglês ser “slave”, de eslavo. Nas comunidades indígenas a escravização também era uma cena comum, mas sempre com cativos capturados em guerras tribais entre as mais diferentes nações. De acordo com o sistema cultural da tribo vencedora, a pessoa cativa poderia se casar um dia com alguém da aldeia e deixar de ser escravizada, passando a fazer parte daquela comunidade. Algumas culturas adeptas do canibalismo capturaram seus adversários em guerras e literalmente comiam os guerreiros adversários mais valentes para assim absorverem seus atributos de coragem. A escravização dos povos africanos pelos europeus, criou um novo marco na história da humanidade que foi a mercantilização em grande escala de seres humanos escravizados. Além de transformar seres humanos em mercadoria, transportava-os como mercadoria através do oceano para outro continente, onde morreriam em pouco, tempo devido às pérfidas condições desumanas de trabalho e devida a que eram submetidos. Esses africanos não eram considerados seres humanos e sim objetos que falavam e se moviam. Foram despidos de qualquer traço de humanidade e lhes retiraram todos os sonhos comuns aos seres humanos, impondo-lhes um restolho de vida sofrido e miserável. Os africanos escravizados trazidos para o Novo Mundo eram em sua grande maioria composta por Sudaneses da Nigéria, Costa do Marfim e Daomé, Bantos de Angola, Congo e Moçambique. Os escravizados eram trazidos do interior e embarcados em navios negreiros, onde as condições eram as piores possíveis. Eram amontoados e acorrentados em porões escuros e sufocantes, com homens de um lado e mulheres do outro. Acorrentados e colados uns aos outros, os corpos exalavam um forte odor de xcrementos e urina, já que não podiam ao menos se mover ou utulizar qualquer tipo de instalação sanitária. Algumas mulheres eram selecionadas para servirem de objeto sexual da tripulação. Os comandantes e os que tinham os mais altos postos ficavam com as meninas de nove anos em diante e as outras mais velhas eram entregues ao restante da tripulação. A maioria dos cativos eram do interior e nunca tinham visto um grande navio ou o próprio oceano. A travessia da Calunga Grande, assim era chamado o oceano, pois calunga quer dizer cemitério, era o principal temor dos escravizados. O medo do mar e por estarem acorrentados em um porão imundo, escuro e fétido durante até 2 meses faziam desmoronar qualquer tipo de resistência possível. Para evitar motins a empresa colonial através dos escravizadores colocavam no mesmo navio até mil cativos divididos entre nações que eram inimigas no continente africano. Assim durante a travessia ficavam vigiando uns aos outros e não se organizavam em uma convergência visando a tomada do navio. A rotina do navio era intensa e muitos cativos, quando possível, se atiravam ao mar dando fim à própria vida. A rotina também compreendia atirar ao mar os corpos dos cativos que morriam, geralmente o número e mortos chegava a 25% do total de africanos embarcados. Em um navio com mil escravos embarcados, o número de corpos atirados ao mar podia chegar até 250 seres humanos. Outro pavor dos escravizados era que a embarcação entrasse em uma área de calmaria, onde o navio podia ficar até dez dias parados sem ventos para impulsionar as velas. Nesse caso as rações de água e alimentação reservadas para a viagem não seria suficiente para chegarem até o destino. Nesses casos havia uma triagem na tripulação de cativos onde era estabelecida uma classificação que condenava à morte por afogamento os que estavam doentes, os mais velhos e assim por diante. Esses escravizados selecionados eram atirados vivos pela borda dos navios quando eram devorados ainda em vida pelos cardumes de tubarões que se acostumaram a seguir os navios negreiros que lhes oferecia carne fresca diariamente. As embarcações escravistas, navios negreiros ou tumbeuros, como eram chamados, foram a alternativa que os traficantes escravistas encontraram para transportar cerca de 20 milhões de africanos escravizados para o Novo Mundo. No início do tráfico negreiro, o de idade perfil dos escravizados transitava entre 8 e 25 anos, de uma maneira geral Depois com a intensificação selvagem do comércio negreiro eram trazidos africanos de todas as maneiras e perfis. O ex-traficante Joseph Cliffer deu um depoimento ao parlamento britânico no ano de 1840 onde afirmou: “Tudo quanto se podia trazer foi trazido: o manco, o cego, o surdo, tudo; príncipes, chefes religiosos, mulheres com bebês e mulheres grávidas”. Com o passar do tempo, principalmente a partir do século XIX, os navios foram sendo construídos e adaptados para ficarem menores e mais velozes, para conseguirem fugir de grupos piratas e do patrulhamento do Oceano Atlântico pela marinha inglesa. O traficante Joseph Cliffer disse que os escravizados “ficavam como livros em uma estamte” A Lei Bill Aberdeen promulgada pelo parlamento inglês em 1845, decretou que o tráfico transatlântico de seres humanos passou a ser ilegal. A higiene dos cativos embarcados consistia em dois banhos durante os dois meses de travessia e eventualmente enxaguavam a boca com vinagre. Além da pequena tripulação, geralmente composta por 20 homens, apenas as crianças podiam circular no convés. “Muitas dessas crianças se atiravam ao mar com medo de serem devorados pelos brancos”, narrou o escravizado Augustino. Os adultos eram levados em grupo para o convés para “dançarem” e fazer exercícios físicos sob chibatadas. Entre o odor de fezes e urina que imperava nos porões e um calor abrasador que chegava a 60 graus centígrados, a “carga humana” atravessa va a “passagem do meio” como diziam as tripulações dos tumbeiros e a “calunga grande” como diziam os cativos. Os relatos sobre as condições de vida nos navios negreiros vieram de diversas fontes que presenciaram todos esse horrores descritos, sendo que os mais famosos são o escravizado Mahommah Baquaqua, Olaudah Equiam, escravizado que comprou sua liberdade e depois se tornou um grande abolicionista e John Newton, que foi um perverso excomandante de diversos navios negreiros que se converteu ao cristianismo, se arrependendo das barbaridades que havia cometido. John Newton estudou Teologia e tornou clérigo anglicano, quando compôs em 1779 o famoso hino cristão “Amazing Grace” ou “Sublime Maravilha” em português, que se tornou um dos hinos cristãos mais executados no mundo. Amazing Grace é uma mensagem que enaltece o perdão e a remissão dos pecados cometidos, onde a misericórdia de Deus pode libertar a alma humana de todos os seus desesperos. Calcula-se que este hino é executado ao menos 10 milhões de vezes por ano, tornando-se uma das maiores referêmncias da “spiritual music” da comunidade afro-estadunidense. Torna-se inimaginável que uma canção tão linda tenha inspirado a alma que tantas tragédias, desgraças, tristezas e sofrimentos causou a milhares de seres humanos que transportou acorrentadas de África para o Novo Mundo. Presume-se que a chegada dos primeiros africanos escravizados ao Brasil tenha ocorrido entre 1530 e 1560. A narrativa mais aceita é a de que em 1538, Jorge Lopes Bixorda, arrendatário de pau-brasil, foi o primeiro importador de africanos escravizados para a Bahia. A principal estratégia dos escravizadores quando os escravos chegavam ao Brasil era separá-los dos seus iguais de grupo linguístico. A medida visava a o fim da possibilidade de rebelião ou motim. Os grupos étnicos diferentes, muitas vezes eram inimigos históricos desde o continente africano, por esse motivo não se comunicavam, se concentrando na tarefa da pesadíssima rotina cotidiana do eito de trabalho. O destino a partir de então seria trabalhar nas plantações até à morte, sendo submetidos a castigos violentos, expostos à animais peçonhentos e selvagens, além da humilhação tradicional. A vida do africano es cravizado resumia-se ao trabalho extenuante nas fazendas de café, algodão, cana de açúcar, tabaco, O escravo tornou-se a mão-de-obra fundamental nas plantações de cana-de-açúcar, de tabaco e de algodão, nos engenhos e posteriormente em pequenas cidades, na mineração e extração de pedras preciosas e na atividade pastoril. A condição de escravo retirava a humanidade dos cativos. Podiam ser alugados, vendidos, leiloada e dado de presente. Os grandes proprietários de escravos eram muito poderosos e muitos possuíam inclusive navios negreiros que viajavam ao continente africano para buscar seus próprios cativos. A importância desses senhores na sociedade colonial era medida pela quantidade de escravos que possuíam. O tráfico negreiro foi considerada a principal atividade econômica do Brasil Colônia, sendo que atingiu seu ápice entre 1720 e 1830, considerado como a principal atividade comercial da economia brasileira. A independência do Brasil em 1822 trouxe em seu bojo novas ideias liberalizantes para a nova nação, mas em relação ao tráfico negreiro nada foi alterado, pois os grandes senhores de escravos livres da dominação portuguesa agora tinham para si uma imensa nação para explorar e a mão de obra escrava ainda era o grande sustentáculo de suas atividades econômicas. A vida dos cativos era duríssima. Antes do sol raiar eram perfilados diante da senzala pelo badalar de sinos e todos eram submetidos a uma rigorosa a contagem. Depois realizavam orações curtas e ingeriam um copo de cachaça e outro de café para então iniciarem o dia de trabalho. Geralmente ainda pela manhã, por volta das 8h era servido o almoço, que consistia em feijão com farinha, angu depositado em folhas de bananeiras, mandioca, abóbora e alguma verdura. O jantar era servido por volta das 14h e ao fim da tarde todos eram contados e levados para a senzala onde recebiam uma cuia com canjica doce e um pedaço de rapadura, para depois irem descansar para a longa rotina do dia seguinte. A jornada diária do negro escravizado não se restringia somente a trabalhar, comer e dormir. Havia uma série de castigos físicos ou tortura que eram aplicados aos cativos que de acordo com os estatutos senhoriais da casa grande haviam quebrado as regras de bom cativo. Nas fazendas haviam estruturas voltadas exclusivamente para o suplício dos escravizados como gargantilhas, máscaras de ferro, troncos, pelourinhos para açoites, empalhamentos, caixão da tortura, balcão da tortura, estripador de seios, roda da tortura, serra para cortar ao meio, castração, quebra dos dentes à marteladas, marcas de ferro em brasa, mutilações, estupros de negras escravas, untar o corpo negro com mel e deixa-lo amarrado ao relento para que fosse picado por insetos. O açoitamento no pelourinho em praça pública era um evento aberto a toda a comunidade. O dia, hora e local eram anunciados com antecedência, e para o qual a população acorria deleitada em prazer para assistir ao espetyáculo de horror. A cada chibatada nas costas do escravo açoitado a plateia branca delirava e vibrava, pedindo que o castigo fosse aplicado com mais energia, com mais força, se possível até mata-lo. O clima era de puro êxtase, enquanto que a cada chibatada do carrasco o sangue escorria em profusão pelas costas do supliciado. Na colônia havia também os escravos de ganhos. As mulheres negras escravizadas que exerciam este tipo de atividade eram chamadas de “ganhadeiras”. A atividade consistia em prover o escravizado com produtos ou então mão de obra para serviços, que eram remunerados e semanalmente o valor combinado era entregue ao senhor de escravos. Era comum nas cidades da época colonial ver mulheres vendendo todo tipo de frutas, verduras, leite, condimentos, bordados e toda a sorte de produtos que fosse possível. Os homens também realizavam a mesma atividade e muitos eram prestadores de serviços requisitados como ferreiros, carpinteiros e pedreiros. Alguns desses ganhadceiros e ganhadeiras conseguiram comprar suas alforrias e retornar ao Continente Africano, onde eram chamados de “Águdá”, ou seja, aquele que retornou. Esse contingente que retornou foi responsável por grandes benfeitorias quando chegaram e implantaram tecnologias simples que melhoraram em muito a condição da população local. Muitos enriqueceram e se tornaram referência literária como o livro de Antônio Olinto “A Casa da Água”, onde uma agudá que detinha a tecnologia necessária para a construção de poços que aprendeu no Brasil, passa a vender água para a população local e enriquece com a atividade comercial, utilizando também a expertise quer adquiriu como ganhadeira na colônia brasileira. Hoje no Golfo do Benim, Togo e Nigéria existe uma imensa comunidade de descendentes dos primeiros agudás que retornaram do Brasil ou então de comerciantes da Bagia que foram para a África investir em novos empreendimentos. São famílias influentes e cujos sobrenomes são mantidos até os dias atuais como Silva, Souza, Oliveira, Ferreira entre outros. O pesquisador Milton Guran escreveu um excente livro sobre a saga dos agudás denominado “Agudás – os “brasileiros do Benim”, que serve como referência para estudos, onde mostra que alguns valores brasileiros são utilizados até os dias atuais naquela região do Continente Africano como a Festa do Senhor do Bonfim, o Bumba meu Boi, Desfile de Carnaval e tradições como os cumprimentos sonoros como: “Oi, bom dia, como passou”? e a resposta é sempre “Bem, “brigado”. A história do povo negro no Brasil, principalmente no período colonial é vinculada à escravidão passiva, sendo que desde a chegada do primeiro navio negreiro sempre houve resistência por parte dos escravizados. O arcabouço de lutas e revoltas antirracistas e antiescravidão é enorme. A empresa colonial sempre sofreu perdas significativas com as rebeliões e movimentos quilombistas em solo brasileiro. A disseminação de quilombos em todo o país constituiu uma força guerreira impressionante, com destaque para o Quilombo do Palmares, na Serra da Barriga, onde hoje situa-se o Estado de Alagoas. Segundo dados censitários do império, Palmares chegou a abrigar cerca de 10 mil pessoas, enquanto a população brasileira, segundo Felix Contreiras Rodrigues era de 184 mil habitantes em 1660. As revoluções na Europa também impactavam na colônia. A Revolução Industrial causou uma enorme transformação nos modos de produção da economia global, enquanto que a Revolução Francesa demoliu o modelo aristocrático e instaurou a república tendo como referência a Queda da Bastilha. As duas revoluções geraram efeitos em duas direções diferentes mas que no fundo eram convergentes. A Revolulção Francesa acenava com o fim da aristocracia e do feudalismo, enquanto a Revolução Industrial propunha a modernização dos modos de produção trocando a mao de obra escrava por máquinas à vapor e outros engenhos mecânicos afins. A possibilidade de uma nova nação sem escravos e sem senhores acendeu as esperanças de setores da população escravizada, principalmente os setores islamizados, que impulsionaram os debates sobre liberdade que culminaram na “Revolta dos Malês” no ano de 1835 na cidade de Salvador na Bahia. A rebelião com cerca de 500 escravizados saiu pelas de Salvador convocando outros cativos para se juntarem ao movimento revolucionário. Enquanto as revoltas escravas se multiplicavam pelo país o movimento abolicionista crescia a olhos vistos, com lideranças como Joaquim Nabuco, André Rebouças, Maria Firmina, Luiz Gama, José do Patrocínio, Castro Alves e outros representantes do movimento que lutavam árduamente pelo fim da escravidão. Com a Revolução Industrial prosperando, a política i ndustrial do Brasil começou a da r seus primeiros passos nos setores urbanos com a instalação de fábricas onde os pequenos prestadores de serviços e artesãos optaram em garantir um trabalho assalariado. O fluxo migratório de portugueses para a colônia aumentou consideravelmente e novos empreendimentos surgiam para alterar o cenário colonial. Enquanto essas transformações aconteciam a Inglaterra iniciou um vigoroso combate ao tráfico negreiro, pressionando o Brasil para por fim à escravidão. O parlamento brasileiro promulgou a Lei Feijó em 07 de novembro de 1831 que proibia o tráfico de africanos escravizados para o Brasil, que constatada a condição de cativos seriam declarados livres a partir daquela data. A lei ficou sendo conhecida como “lei para Inglês ver”, pois ninguém a respeitava, nem mesmo o estado brasileiro. Em 1845 o parlamento inglês promulgou a Lei Bill Aberdeen que iniciou o patrulhamento do Atlântico pela marinha inglesa, apreendendo qualquer navio que participasse do tráfico de seres humanos escravizados, libertando os africanos escravizados e punindo toda a tripulação. O governo brasileiro continuou recebendo pressões da Inglaterra e em 04 de setembro de 1850 promulgou a Lei Eusébio de Queiroz que proibia definitivamente a importação de africanos escravizados para o Brasil. As pressões não diminuíam pois o comércio de escravos era a atividade econômica mais rentável da colônia. O parlamento brasileiro era composto em sua grande maioria por senhores de escravos que não imaginavam como poderiam manter seus estilos de vida sem a mão de obra escrava. Em 28 de setembro de 1871 foi promulgada a Lei Rio Branco ou Lei do Ventre Livre, que decretou o fim do nascimento de escravos no Brasil. A partir daquele dia nenhuma pessoa que nascesse no em solo brasileiro poderia ser escravizada. Apesar dos avanços no marco jurídico sobre o regime escravista, as pressões se intensificavam, pois, o Brasil era o único país da s Américas a manter a escravidão ativa. Em 1882 ocorreu o primeiro censo demográfico brasileiro que apontou que a população negra correspondia a apenas 15% da população geral. A população brasileira era constituída de 9. 930.478 pessoas enquanto qaue a população negra significava 1.510.806 escravos e 8.419.672 de pessoas livres. Esse foi o primeiro grande impacto gerado pela proibição do tráfico transatlântico, escravos sexagenários livres e o fim de nascimentos de escravos no país. Em 1884 o Banco do Brasil parou de conceder empréstimos que ofereciam escravos como garantia. Em 1885 foi promulgada pela Princesa Isabela Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, que declarava livre todo escravizado com mais de 60 anos. O ocaso da escravidão estava em franco andamento com a elevação dos documentos de alforrias, fugas em massa e rebeliões, além das ações incansáveis do movimento abolicionista. Finalmente sem condições de manter a escravidão em curso no Brasil, bombardeada por pressões internacionais, por estados como Ceará e o Amazonas já terem abolido a escravidão, pela força cada vez mais eficaz do movimento abolicionista e principalmente pelas sucessivas revoltas e rebeliões dos escravizados ainda remanescentes, a Princesa Isabel decretou através da Lei Áurea o fim da escravidão no Brasil.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Traumas transgeracionais do povo negro

Os negros costumam se lembrar das quatro últimas gerações ancestrais. São as gerações que viveram em liberdade social.
Porém, existem outras dez gerações que não são lembradas que carregam uma herança atávica repleta de sofrimentos e traumas transgeracionais. São as gerações ancestrais vividas durante a escravidão.
A carga emocional negativa que essas gerações acumuladas nos transmitiram, podem elucidar parte da nossa melancolia, das nossas tristezas e até de um certo conformismo com os tristes fados que historicamente os sistemas eurocêntrico nos impuseram.
Por um outro lado, o positivo, fomos agraciados pela cosmovisão africana primordial, berço da humanidade e do conhecimento. Esta mesma cosmovisão que nos mostra o Ubuntu, que nos apresentou o compartilhamento e a solidariedade, nos ensinando que devemos lutar sempre e nunca nos resignarmos
A saga de Palmares não pode ser explicada em livros. Pode até ser descrita, mas nunca explicada. Ela é oriunda de uma dimensão material/espiritual, onde fé, rebelião e justiça caminham juntas.
O povo negro não é herdeiro de escravizados. O povo negro é herdeiro da cosmovisão africana que ensinou o mundo os princípios basilares da civilização. Civilização não é construir e desenvolver tecnologias somente. Civilização não é fabricar armas e equipamentos bélicos que destroem a vida fazendo a guerra. Civilização é viver de maneira afetiva e solidária, em harmonia com o universo e a natureza.
Escravizar e comercializar seres humanos não é civilização. A humanidade deveria, ao invés de invisibilizar, se envergonhar dos crimes e genocídios que cometeu no Continente Africano e na afrodiáspora.
A ancestralidade do povo negro, vem transmitindo durante centenas de anos, todas as cargas históricas que compõem o complexo e difuso mosaico de compreensões das sociedades negras atuais, que vão do “black face” aos olhares atentos e vigilantes dos seguranças dos shopping centers.
A eficiência dos sistemas divisionistas da branquitude disseminam diversionismos e gerando movimentos indidiosos entre o povo negro. O poder do apagamento da memória aliado à invisibilização programada e ao deturpamento da história, geram monstros históricos como a perseguição religiosa em uma religião que jamais invadiu outro país por motivo confessional.
O racismo não é fruto do desenvolvimento civilizatório. O racismo é a demonstração mais evidente da ignorância, da anti-cultura e da pequenez do espírito humano.
Técnicas exploratórias como a Biossimetria Ancestral surgem como um facho de luz na noite das memórias ancestrais, pescrutando úmidos e tímidos recônditos da alma negra em seus amplos espectros. Enquanto a varredura existencial segue seu curso, o povo negro vive com o que de melhor lhe legou a cosmovisão ancestral que é a resiliência, a espiritualidade e capacidade de conpartilhamento da paz, da harmonia e do amor.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Mundos Invisibles

El mundo de un niño negro comienza mucho antes de la concepción. Sus padres son portadores de una historia de vulnerabilidad social, en la que sus generaciones anteriores, sus antepasados, siempre han sido desposeídos y apartados del poder económico. Por su historia, que siempre les ha sido desfavorable, en la que repetidamente se hace referencia a la esclavitud, al comercio transatlántico de africanos, a la historia de personas esclavizadas sin derechos básicos de ciudadanía.

Los negros contemporáneos arrastran esta pesada carga atávica, en la que el violador ostenta los laureles de la victoria y los vilipendiados son marcados y sufren persecuciones de todo tipo, siendo invisibilizados y marginados por el sistema colonial eurocéntrico.

El período colonial brasileño tiene una mancha que nunca podrá ser eliminada de su proceso de formación. La vergüenza de un proyecto de nación basado en la esclavitud, que fue el principal motor de la persona del pueblo brasileño.

La simple condición de "strumento vocale", es decir, "objeto que habla", a la que se refería el derecho romano, condición que recibió un impulso tras la aquiescencia de la iglesia católica, que emitió una bula papal justificando este estado de naturaleza de los negros. Esta perversidad despojó a los africanos esclavizados de su propia alma, su condición fundamental de seres humanos, así como de todas las posibilidades de progreso social y económico en el Nuevo Mundo.

Tras más de 350 años de esclavizar a millones de africanos y afrobrasileños, perpetrando uno de los mayores genocidios de la historia mundial, la población negra vio en el paso de la esclavitud a la libertad un gesto de aquiescencia colonial. La firma de la Ley Dorada, el 13 de mayo de 1888, fue motivo de gran alegría, cuando por fin se escuchó el grito de libertad. Un gesto de alivio al final de la desesperación, seguido de una gran alegría, basada en la nueva realidad que traía consigo un enorme sueño lleno de esperanza.

El despertar del sueño dio paso a una dura realidad, que mostraba que con el fin del proceso de esclavitud, la población negra recién liberada no recibiría ningún tipo de atención o reparación por parte del estado brasileño. Fueron arrojados a las cunetas de las calles de las ciudades y a los retretes de las grutas rurales, sin trabajo, comida ni esperanza.

El proceso de abolición de la esclavitud provocó una herida brutal en el proceso social brasileño. La población negra recién liberada pasó de la degradación humana de los barrios de esclavos a la degradación social de la favela. A partir de ese momento, se creó el mayor proceso de exclusión jamás conocido en la historia de este país, el inhumano apartheid brasileño posterior a la abolición. Tal vez el peor apartheid de todos, porque sin apartheid visible, apartheid silencioso, convenciendo a los negros abandonados y a los blancos acomodados de que el racismo nunca existió en Brasil, de que todos eran iguales, de que el discurso que promovía la igualdad de la raza negra era erróneo, porque sólo existe una raza, la raza humana. A partir de entonces, bajo la mirada cómplice de la joven república, los negros fueron naturalizados como ciudadanos libres en un Brasil donde reinaba la democracia racial.

La imbécil república brasileña empezó entonces a naturalizar el racismo, creando una nación desigual, donde los ríos de la desesperanza y la desigualdad fluían bajo los puentes de la desigualdad. Como los negros buscaban cada vez más formas de sobrevivir, empezaron a especializarse en la prestación de servicios mal pagados y, a falta de otras oportunidades laborales, como empleados domésticos.

La falta de trabajo, el alto nivel de analfabetismo y la ausencia de condiciones de calidad de vida adecuadas para la población negra recién liberada condujeron a lo que tal vez fue el mayor movimiento de aburguesamiento por motivos raciales de la historia de la república. Los efectos de este movimiento histórico aún se dejan sentir hoy en día y, de un modo u otro, repercuten directamente en la vida cotidiana de nuestra sociedad. La población negra, carente de recursos económicos para instalarse adecuadamente en los grandes centros, pasó a ocupar diversas zonas en la periferia de las ciudades o en las laderas de las colinas, especialmente en la ciudad de Río de Janeiro.

Cuando se instalan en estos territorios degradados, abandonados por el gobierno, empiezan a vivir en chabolas sin estructuras mínimas de vivienda, sin saneamiento básico y en condiciones mínimas de dignidad. Estos territorios, abandonados por el gobierno, siguen estando degradados medioambientalmente y discriminados socialmente. En estos territorios, el Estado sólo suele aparecer con la policía, que lleva a cabo diariamente acciones violentas y peligrosas, exponiendo a la población local a grandes riesgos para su integridad personal o cometiendo el instituto de la necropolítica, que es la eliminación física de los ciudadanos bajo el consentimiento de la ley.

Cuando firmó la Ley Dorada que puso fin a la esclavitud en Brasil, el gobierno brasileño debería haber planificado un conjunto de programas que pusieran en marcha diversos proyectos para la inclusión de la población negra recién liberada. Lo primero que debería haberse era incluir los costes de estos proyectos en el presupuesto público. Sin embargo, desde tiempos inmemoriales, cuando las instituciones brasileñas han organizado el presupuesto público, éste se ha orientado exclusivamente a la promoción de la burguesía. Los pobres no están debidamente incluidos en el presupuesto público, en la medida en que el presupuesto es elaborado por el gobierno y aprobado por el Congreso Nacional, ambos sectores dominados y ocupados por la élite nacional blanca, que siempre ha sido conservadora, reaccionaria y exclusivista.

El presupuesto público determina cómo, cuánto y cuándo se gasta el dinero público. Si hay una fuerte inversión en educación, el país producirá un pueblo culto, creativo, inteligente, soberano y consciente. De lo contrario, tendrá un pueblo con dificultades cognitivas, sin acceso al conocimiento y a la enseñanza académica. En este sentido, si se le niegan las herramientas básicas para interpretar a la ciudadanía, puede ser fácilmente manipulado por gobernantes malintencionados y corruptos, que construyen sus corrales electorales a través de informaciones falsas e insidiosas llamadas "fake news", que se disfrazan de comunicación oficial. Con la capilarización de esta información distorsionada, los políticos aumentan la ignorancia popular y su sed de poder.

Cuando un país no invierte mucho en educación, sin duda tendrá que soportar un alto coste en el futuro con sus programas sociales, su seguridad y su sistema penitenciario. El resultado será una generación privada de oportunidades de ascenso social, que se convertirá en el contingente perverso y sufriente del ejército laboral de reserva. La falta de oportunidades en el mercado laboral también conduce a un aumento de la delincuencia, una condición que ha convertido a Brasil en el tercer país del mundo con mayor población carcelaria. Esta infame condición social tiene índices vergonzosos y preocupantes.

El Censo del IBGE de 2019 muestra que la raza negra representa el 52% del componente demográfico de la población brasileña. Sin embargo, en la población reclusa, según el XIV Anuario Brasileño de Seguridad Pública, la población negra representa el 71% de todos los reclusos del país. Por lo tanto, podemos darnos cuenta sin demasiado esfuerzo de que las prisiones están construidas para los negros. Al igual que las escuelas públicas, que son saqueadas y cuyo funcionamiento se ve comprometido por la violencia local cotidiana, los bajos salarios y las malas condiciones de trabajo de los profesores y demás trabajadores de la comunidad escolar.

La madre negra de un niño negro periférico no tiene medios económicos para contratar un plan de salud que garantice la comodidad, tranquilidad y rapidez de los hospitales que ofrece la red privada. La red privada siempre ha ofrece la tranquilidad de profesionales, equipos y procedimientos como cirugías, consultas y exámenes, todos realizados de forma profesional, a tiempo y con excelentes resultados en general. El embarazo de una mujer negra de la periferia será controlado en hospitales públicos, empobrecidos, generalmente carentes de profesionales a disposición de la población, sin medicamentos gratuitos y con instalaciones en pésimo estado de conservación en términos arquitectónicos y de equipamiento. Estas unidades no reciben el mantenimiento necesario, lo que ofrece graves riesgos a las parturientas, como adquirir una infección hospitalaria grave. Las mujeres negras también sufren un acoso silencioso durante el embarazo, que sólo recientemente ha salido a la luz: la violencia obstétrica. A pesar de todos los obstáculos que presenta la vida en el vientre materno, el niño negro viene al mundo y produce una burbuja de amor y afecto en el seno de la familia. Ese niño es portador de una esperanza renovada para sus padres, su familia y su comunidad. Cada niño negro nacido en territorios negros es un faro de esperanza en un mundo mejor. Sin embargo, de acuerdo con la inexorable velocidad del reloj de arena del tiempo, su mundo empieza a parecer diferente, porque sobre su cuna hay un juego tradicional, pero este juego tradicional trae ángeles en móviles, pero no hay móviles con angelitos negros. Así que, incluso en la cuna del bebé, el mundo cruel del racismo, del eurocentrismo, acoge a ese niño. No podrá reconocerse desde la cuna con angelitos blancos en el móvil. Con almohadas y sábanas con símbolos lúdicos de personajes blancos, eurocéntricos, construyendo en su tenue y curiosa personalidad un mundo blanco donde debe vivir y aceptar su no representatividad como ser humano perteneciente a esa sociedad, a ese territorio.

Ese niño negro crecerá feliz, porque en su inocencia no se da cuenta de que su mundo real estará siempre precedido por un mundo invisible, que lo mantendrá cautivo en un campo de contención indetectable durante la mayor parte de su vida. Sin embargo, en sus primeros años, este campo será tan sutil, delicado y tradicionalmente aceptado que para ella es el mundo real en el que está inserta y en el que debe vivir.

Sin las referencias tradicionales de su etnia, los niños crecen absorbiendo la cultura eurocéntrica, cuando la palabra correcta debería ser aceptando la cultura que se les impone. De hecho, este es el mundo invisible, un mundo oscuro y cruel que socava silenciosamente su autoestima, donde sus vidas son lentamente masacradas desde el nacimiento hasta la muerte.

Ese niño negro se está desarrollando intelectualmente de forma normal, viviendo la realidad de otros niños negros que son inexorablemente bombardeados a diario por el capitalismo blanco que no tiene corazón. El capitalismo tiene en su génesis la codicia de la dominación, del control social y del mantenimiento del poder político y económico. El sistema no piensa en cambiar su brío ontológico de control imperial ni, menos aún, incluir el componente negro en sus espacios y productos de difusión y comercialización. El capitalismo incentiva el consumo de productos y servicios eurocéntricos en sus poderosos medios de comunicación como la radio, el cine, la TV, Internet y otros medios, garantizando el mantenimiento de la matriz étnica eurocéntrica, aunque no sea predominante en esos territorios.

Las organizaciones del Movimiento Negro fomentan la producción de productos y servicios con una referencia étnica negra. Algunas instituciones, como Abayomi, producen muñecas negras, una excelente alternativa que puede contribuir a reforzar la autoestima de las niñas negras. La literatura infantil afro-referenciada ha producido mucho material, como libros, folletos y juegos, centrados en personajes negros.

A partir de cierto momento de su desarrollo, el niño negro empieza a participar en la vida cultural de la comunidad, y el mundo invisible permanece a su alrededor, constante y perenne. Una vez dejadas atrás las asimetrías de los angelitos negros, vuelven a enfrentarse al mismo problema, sólo que parece que los angelitos blancos han crecido y se han convertido en santos adultos a los que se venera en las iglesias de la comunidad. El niño se enfrenta entonces a la estimulante realidad de que los santos son blancos y que Jesucristo, aunque nació en Oriente, es representado como rubio con ojos azules y que el Dios omnipotente es blanco con barbas blancas. En las clases de formación religiosa de los domingos por la mañana en las iglesias, no se hace referencia a personas negras en su ascendencia. Le presentan a un Dios blanco que castiga, flotando entre las nubes con largos cabellos blancos y barbas blancas, rodeado de angelitos blancos con alas blancas. Para ese niño negro, lo sagrado, la santidad, es una deferencia, un espacio preferente que Dios ha elegido para los blancos, porque están destinados al cielo y a la presencia eterna de Dios, Jesús y María. Los blancos serán perdonados de sus pecados y podrán ascender tranquilamente al reino de los cielos.

El desarrollo de ese niño negro será un corolario de inconformismo y sufrimiento en un país de matriz multirracial. En los libros de cuentos, ella non o encontrarás ningún rey, reina, príncipe o princesa negros. Aprenderás que la bondad, la generosidad y la realización espiritual se encuentran en los valores caucásicos.

El niño negro está creciendo y es hora de empezar la escuela. Es un momento de gran alegría y expectación para ellos y toda su familia. En su pura ingenuidad, no son conscientes del mundo invisible que les espera con todas sus salvaguardias eurocéntricas. Su entrada en el mundo real suele ser a través del choque social de las escuelas públicas, donde los profesionales luchan valientemente por ofrecer una educación de calidad que permita a ese niño competir en igualdad de condiciones con las costosas escuelas públicas de la burguesía blanca. Ese niño está bajo la coordinación cognitiva del mundo invisible, donde se le dice que con su esfuerzo y dedicación podrá cumplir todos sus sueños, lo único que tiene que hacer es comprometerse a aprender en el entorno académico. El niño emprende feliz un viaje que invariablemente le será adverso durante la mayor parte de su vida.

A partir de ese momento, comenzará la lucha titánica entre el mundo invisible y el mundo visible. El mundo invisible, en su más pura perversidad, le mostrará un panorama maravilloso que podrá conquistar si tiene disciplina y obediencia a los valores impuestos por la sociedad eurocéntrica. Es como esa imagen del burro con un palo atado al cuello y una zanahoria en la punta del palo delante de él. El burro camina eternamente intentando alcanzar la zanahoria, pero nunca lo consigue.

Ese niño negro pasará gran parte de su vida buscando la zanahoria dorada de sus sueños sin poder conseguirla nunca, porque el premio a una educación de calidad reconocida por el mercado profesional sólo se ofrece a los niños blancos de la élite y la clase media. Nacen con ventaja competitiva en una amplia gama de ámbitos, como la nutrición, un entorno familiar moderado, viviendas espaciosas en barrios organizados, con seguridad y acordes con sus necesidades. También tienen una excelente estructura familiar, acceso a equipos de comunicación eficaces, acceso a la cultura y a los bienes materiales.

Algunos de esos niños negros abandonan a mitad de camino. Muchos de ellos no pueden afrontar la transición de la escuela primaria a la secundaria y pasan al subempleo en el mercado laboral, porque su familia no puede hacer frente a un miembro no productivo que necesita comida, ropa, medicinas y cosas por el estilo.

El mundo invisible en su crueldad inicia la formación de un ejército de mano de obra disponible que permite al capital ofrecer bajos salarios en sus corporaciones económicas a una masa de desempleados que sueñan con un lugar en el mercado laboral, o un lugar bajo el sol como se dice. Una vez más, el mundo invisible se manifiesta en su cruel política generando una inmensa competencia entre los que no tienen nada, impidiendo así la sedición y fomentando la rebelión a través de un movimiento popular organizado por la justicia social y la igualdad. Con este sórdido mecanismo, el mundo invisible mantiene al "rebaño" ocupado en colocarse en el mercado laboral y no en luchar por mejores condiciones de vida o incluso de supervivencia.

El mundo invisible es muy activo en la vida escolar y académica de la población negra. En su pérfido refinamiento, prepara a los hijos de la burguesía blanca para ocupar espacios de poder en la sociedad. Las escuelas de élite son extremadamente caras y siempre han sido el principal obstáculo para que los jóvenes negros puedan acceder a una educación de calidad, que les garantice una posición destacada en el mercado laboral o el acceso a universidades públicas de calidad.

Al construir este muro invisible de acceso, el mundo invisible garantiza la perpetuación de su existencia, que es la existencia de la élite. Es la forma más sutil e inteligente de racismo que existe, porque induce a la sociedad en general a creer que los medios de acceso son justos, democráticos y meritocráticos.

El sistema que destruye la autoestima de los negros a través del mundo invisible comienza en los primeros cursos de la escuela, donde los niños negros reciben los peores insultos posibles, destruyendo su autoestima y generando un sentimiento de inferioridad que en muchos casos les acompañará el resto de sus vidas.

El sistema del mundo invisible es cruel en el entorno escolar. A pesar de los tímidos esfuerzos, nada puede detener la fuerza de su proyecto. La formación del profesorado debe invertir lúcidamente en la deconstrucción del racismo, en la Alfabetización Racial y en la descolonización eurocéntrica arraigada en nuestra sociedad. La cultura no es sólo la construcción de acontecimientos y espectáculos. La cultura es la forma en que vive un pueblo, sus legados, su ascendencia, sus costumbres, su constitución como nación. Como resultado de una formación incompleta en la matriz étnica brasileña, el profesorado de las instituciones educativas generalmente repite al unísono y difunde los valores tradicionales de la sociedad aristocrática burguesa, causando así daños irreparables en la formación y el desarrollo de sus alumnos, sean blancos o negros.

Los jóvenes negros crecen intentando superar el racismo que puebla su vida cotidiana. Cuando traspasan la barrera de la infancia y entran en la preadolescencia, entran en contacto con el mayor dolor que pueden sentir como seres humanos, que es el rechazo del amor de un enamorado. Envueltas en las tramas del mundo invisible, no se dan cuenta de que el color, la melanina, la epidermis, serán a partir de entonces un factor decisivo en sus relaciones afectivas. Las chicas están encantadas y se enamoran del chico rubio, de ojos azules, con mayor poder adquisitivo y una familia económicamente estable. En muchos casos son animadas por sus padres a probar una relación afectiva con chicos con estos atributos. Los jóvenes negros no son la opción preferida de las chicas blancas y, como han sido educados con un adoctrinamiento eurocéntrico, empiezan a desear a las chicas blancas en detrimento de las chicas negras de la escuela o de la comunidad. Así que el mundo invisible se vuelve aún más poderoso, porque hace que las personas negras se rechacen a sí mismas rechazando a otras personas negras y queriendo experimentar la imposibilidad de una relación emocional con una persona que es diferente a su etnia. Una persona negra a la que, en ciertos aspectos, repudian. Por otra parte, las chicas negras sufren el racismo de diferentes grupos étnicos y, tristemente, de sus iguales. Esto crea un trastorno en la comprensión emocional de estas personas tan jóvenes que ya tienen que gestionar el dolor del rechazo por sus características étnicas. Una etapa más superada por el mundo invisible, donde masacra la autoestima y la fuerza de representación de la juventud negra. Entonces, en muchos casos, se produce el peor sentimiento: sentirse feos por ser negros e incluso rechazar a sus padres por ser negros. Rechazan su pelo rizado, su piel negra, su estatus social, su comunidad y su cultura, y empiezan a anhelar algo que nunca podrán conseguir, que es ser blancos. El resultado puede verse años después en matrimonios y relaciones maduras, donde siempre surgen chispas de las cenizas de la adolescencia y los amores platónicos.

Algunos de esos niños negros consiguen entrar en los cursos de enseñanza superior, donde el embudo de admisión es muy estrecho y son necesarios algunos mecanismos de discriminación positiva para garantizar la entrada de los negros en las universidades públicas, donde hay una lucha desigual por las plazas en sus cursos, todos ellos excelentes. El sistema de cuotas raciales ha garantizado un aumento significativo e histórico del número de jóvenes negros en las universidades públicas. Sin embargo, la burguesía sigue manteniendo algunos nichos intactos para sí misma, como los cursos de medicina, ingeniería, derecho y administración, por ejemplo. La mayoría de los negros optan por las ciencias sociales, donde la competencia no es tan feroz y pueden convivir pacíficamente con un grupo étnico más diverso y menos excluyente.

El mundo invisible sigue operando intensamente en las universidades. En primer lugar, selecciona candidatos de universidades de excelencia con coeficientes de rendimiento muy elevados para los mejores puestos. Luego empiezan a exigir otras competencias, como el dominio de idiomas, diversas habilidades específicas y redes de contactos probadas. Al final, dan prioridad a los títulos de postgrado de universidades extranjeras del hemisferio norte, imposibilitando así que un joven pobre y negro de clase baja consiga un empleo en una empresa puntera.

Los licenciados universitarios negros lucharán valientemente por un lugar en el mercado laboral, que siempre dará prioridad al fenotipo masculino caucásico. Muchos de estos titulados universitarios negros, al darse cuenta de la realidad del mundo invisible, se verán obligados a asumir la etiqueta de "emprendedores", lo que significa utilizar sus conocimientos adquiridos con tanto esfuerzo y su inmenso sacrificio en actividades no remuneradas, en las que su producción les garantizará un medio de vida. El mundo invisible también opera a nivel gubernamental y ha creado el SEBRAE, que no es más que una válvula de escape para la olla a presión que es la alta tasa de desempleo del país. La ilusión de emprender en un país de miserables es la visión más cruda del fracaso de un proyecto nacional estructural.

Los indicadores de la población negra en relación con el mercado laboral son aterradores. Según el IBGE, en el primer trimestre de 2022, el 43,3% de las mujeres negras empleadas tenían trabajos informales, mientras que la tasa para las mujeres blancas era del 32,7%. Según la investigadora Janaína Feijó, que utilizó microdatos del PNADC/IBGE, hay cerca de 48,8 millones de mujeres negras trabajando, pero sólo el 41% de ellas consigue encontrar un lugar en el mercado laboral, ya sea buscando trabajo o haciendo algo.

La vieja cantilena del racismo estructural de que todo el mundo es de raza humana y que el mérito definirá el destino de una persona se desmorona cuando profundizamos en los indicadores raciales de la población brasileña. Karl Marx definió la lucha de clases como uno de los fenómenos más importantes de la historia. La lucha de clases define el ambiente en el que los seres humanos desarrollarán sus capacidades. La población negra ha ocupado históricamente los territorios más degradados, racializados ambientalmente y dañados logísticamente. Las comunidades periféricas donde vive la población negra son como campos de concentración contemporáneos, vigilados legalmente por el Estado, que envía diariamente sus aparatos de represión para una guerra sin fin, sin perdedores ni vencedores, que sólo sirve para para mantener a la población como rehén y acorralada por la violencia. Los niños de estos territorios ven destrozados sus universos lúdicos por las metralletas de la represión o el narcotráfico. Cómo se puede esperar que vayan bien a la escuela si dos horas antes de ir a clase estos niños están atrincherados bajo sus camas, protegiéndose de las balas perdidas de los tiroteos diarios entre la policía y los narcotraficantes.

Además de las condiciones ambientales profundamente adversas, ese niño siempre será comparado con los niños blancos de clase media. El racismo estructural, astuto y cobarde como siempre, construirá para siempre el discurso de la raza humana y de la meritocracia, como si el fracaso o el bajo rendimiento del niño o del joven negro fuera única y exclusivamente su responsabilidad. De esta forma, la cuota racial de prácticamente el 100% de todo lo que es bueno para los blancos está garantizada en Brasil desde el siglo XVI.

Finalmente, después de toda una vida de lucha, enfrentándose a mil molinos de viento, esa niña negra llena de sueños y alegrías llegará al final de su vida mutilada, cansada, dependiente de la medicina pública. Listas de asistencia para proyectos como Ticket Gás, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz na Escuridão, viendo a hijos y nietos depender de cuotas raciales, Prouni y Fies para alcanzar su sueño de la universidad. Y constata que la desigualdad continúa como antes, lo que tal vez sea un proyecto de las élites para poder continuar con sus privilegios.

Ese niño negro, ahora con canas en las sienes, mira hacia atrás y lo que puede aprender de su viaje es que los negros siempre estarán solos. Todo el esfuerzo realizado durante toda una vida de penurias y sufrimientos ha servido para promover a la burguesía blanca, que siempre trabajará por sus propios privilegios.

Ese negro de pelo gris se ha dado cuenta por fin de que nunca se sentará a la mesa principal del banquete. Siempre será el sirviente de cuello duro que espera las órdenes de los comensales. Recogerá las sobras que le tiren los comensales, como una limosna, como las sobras sin usar de la casa grande que nunca ha sido demolida en nuestra sociedad.

El balance es triste, pero se sigue suavizando en los círculos de samba de la comunidad, jugando a las cartas con los amigos, tomando una cerveza los domingos, paseando con los nietos, yendo a la iglesia, haciendo una barbacoa en la losa. Por increíble que parezca, los negros encuentran la fuerza en la adversidad para sonreír, cantar y bailar samba, en un notable ejemplo de resiliencia y esperanza. Por eso los niños negros nacen con esperanza. La misma esperanza que Cristo, que vivió en la pobreza pero llevaba la salvación en su corazón. Los niños negros cumplen la misma misión cuando nacen en un mundo en territorios negros. Son el mayor signo de esperanza que puede recibir una comunidad.

A pesar de todas las esperanzas y deseos, el movimiento ciclotímico del racismo estructural seguirá jugando a ser Dios, dictando y controlando destinos, hiriendo corazones y mentes, engañando y prometiendo el paraíso en la tierra a millones de hombres y mujeres negros esperanzados. El mundo invisible prometerá metas de prosperidad, hará brillar los ojos esperanzados del pueblo negro, del honesto pueblo negro que, desde 1532, ha sido engañado, humillado y explotado por un sistema económico monstruoso e insensible que convierte a los seres humanos en despojos de vida, aplastando y triturando sus destinos, sueños, esperanzas y futuros.

Ese niño negro se cansó de luchar y después de pasar por una vida profesional alimentada por el subempleo, donde lo que le ofrecían eran ventas de participaciones en pirámides financieras, planes de salud, ayudantes de obra, mecánicos, conductores, dependientes, repartidores, empleados domésticos, o los escalafones más bajos de la función pública, que es el último refugio de consuelo que pueden encontrar los negros antes de despedirse de esta vida.

Entonces llega por fin el momento de que ese niño que vino al mundo con tantas esperanzas se despida de la vida en una cama incómoda y sin intimidad en las salas superpobladas de los hospitales públicos.

Como no tiene plan funerario, será enterrado en un cementerio público abandonado en las afueras de la ciudad. Su cuerpo negro e inerte será introducido en una fosa poco profunda en un ataúd de tercera categoría, sin que suenen las campanas dedicadas a los bien nacidos.

*Amauri Queiroz es escritor.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Flores e Cores


O poder da imaginação me fez deixar a pobreza alienante e renitente que me consumia, obrigando-me a entrar em um avião ainda bem jovem, para cruzar o oceano rumo ao velho continente, mais precisamente Roma. 
Fui sem medo, sozinho, cheio de esperanças e bolsos vazios de dinheiro, falando muito mal o inglês e quase nada de italiano, hoje talvez não fizesse. 
Meus livros, minhas canções, minha atuação profissional e política são o resultado de uma vida inteira imaginando e sonhando cenários virtuosos. Muitas vezes são sonhos visivelmente impossíveis, como por exemplo, concretizar uma rede nacional de reforço escolar para crianças nas comunidades de periferias mais vulneráveis. Mas esse e outros sonhos sempre me empurraram para a frente, me fazendo caminhar sem olhar muito para trás. 
Penso que nossos alunos precisam cultivar o hábito de sonhar ou aprender a sonhar. Devem compreender que o mundo sempre será do tamanho de seus sonhos. Precisam sonhar e imaginar, crescer e ousar, caso contrário estarão fadados a carpir no mundo plúmbeo da conformidade submissa. Estarão expostos ao risco de compor as tristes fileiras do futuro exército de mão de obra de reserva do capitalismo sólido e produtivo, passando a se tornar parte de um indesejado e triste estoque étnico descartável, como dizem os burgueses.
Docentes também devem sonhar, imaginar e também ousar, caso contrário se tornarão a trava cognitiva dessas crianças em um mundo futuro, onde cumprirão o papel de exterminadores de sonhos, de fomentadores de resignações ao reproduzirem um mundo velho, gasto e encardido que já não existe mais. Tirarão as cores e os perfumes das flores e cultivarão um pântano sombrio e movediço de onde as crianças encontrarão dificuldade em sair para dias festivos e radiantes de luminosidade.
Mas até nos pântanos nascem flores coloridas e perfumadas. Precisamos observar nosso comportamento de maneira estóica, pois, a nossa função primordial é drenar o pântano ameaçador e preparar o solo para depois transformá-lo em um belíssimo jardim.
Cada criança é uma semente que brotará desse jardim. Temos que cuidar dele com sabedoria, pois água demais ou de menos prejudica seu desenvolvimento. Muito sol e muita chuva também, assim como as ervas daninhas que se apressam em proliferam rapidamente. Se não forem tiradas do meio ambiente em pouco tempo sacrificarão todo o jardim.
O lindo desabrochar dessas flores para a vida, são o maior presente que uma mãe pode receber e que uma família pode admirar. Parte desse maravilhoso milagre acontece na sala de aula e no ambiente escolar onde os docentes comprometidos com a sabedoria propiciação mil primaveras sucessivamente , como se nunca fossem parar.

terça-feira, 4 de junho de 2024

A Estranha Modernidade de Bauman e a Liquefação Identitária do Povo Negro

 O Brasil carrega em sua herança histórica a vergonhosa marca de 350 anos de escravidão contínua. Ainda vivemos o tempo em que passamos mais tempo sob a escravidão quedrf sob liberdade. Ainda faltam 214 anos para igualarmos o período que passamos sob escravidão ao tempo que estamos vivendo sem ela, ou seja, em liberdade. A modernidade líquida de Bauman sussurra em nossos ouvidos que população negra está como sempre correndo risco de extinção. Se refletirmos acerca da teoria da “modernidade líquida” de Zigmunt Bauman, poderemos constatar que o fosso social entre brancos e negros é ampliado cada vez mais. Por esse motivo a “liquefação identitária” do povo negro transmutada em conceitos como o colorismo e o pardismo, por exemplo, revela a ressignificação de pertencimentos líquidos, que são atendidos através de sistemas precarizados como saúde e educação públicas, mercado de trabalho volátil e fragilizado por leis trabalhistas que estão sob constantes ataques do neoliberalismo, como a invisibilidade social diante das novíssimas plataformas tecnológicas de produção e gestão de conhecimentos. São sistemas cada vez mais complexos que conectados com a assunção da ainda indecifrável e enigmática Inteligência Artificial, nos apresentam cenários aterradores no que concerne ao futuro laboral do povo negro no século XXI. A modernidade líquida surge, segundo Bauman, no pós Segunda Guerra Mundial, mas só passa a ser percebida na década de 80, quando o mundo era varrido pelos ventos da globalização da economia. O somatório da globalização com a crise do capitalismo e o desenvolvimento das novas fronteiras digitais, culminou com o fenômeno da Internet, que começa a flertar com a avançadíssima operação dos computadores quânticos, onde a humanidade percebe-se perdida, passando a substituir intrigantes posturas sociais como a lógica da moral pela lógica doentia do consumo irrefreável. Para saltar sobre esse abismo, a humanidade passa a relativizar construções sociais sólidas como a família, a cultura do coletivo, as tradições de uma forma geral, optando pela minimalização das decisões da vida, pelo consumismo, pelas relações fluidas e pelo culto às marcas ou grifes que pressuponham ostentação. A noção de trabalho e empregabilidade naufragou solenemente neste novo espaço contemporâneo, abrindo mão do coletivo para dar lugar ao individual, onde em um mundo distópico todos são instados a um tipo de empreendedorismo autofágico, pois ao se tornarem empreendedores de si mesmos, orgulham-se em serem tornados o que se convencionou chamar de “Influencers”. Antes o organizado trabalho sólido gerava alguma acumulação de renda através de um longo projeto de vida que compreendia capacitações e atualizações. Na modernidade líquida o valor maior do fruto do trabalho, além das compensações, são os “likes”, “engajamentos” e seguidores. O que definem o sucesso pessoal e a importância dos indivíduos líquidos na sociedade são os 50 milhões de seguidores da cantora Anitta e não os 150 mil seguidores do Físico e espiritualista Marcelo Gleiser. A modernidade líquida predomina de forma assustadora sobre todos os processos de transformação da sociedade, deslocando o povo negro para uma dimensão insólita, difusa e solitária, que talvez possa significar sua quase extinção através de uma construção social moldada nos ares rarefeitos do alto capitalismo, denominada “estoque étnico descartável”. Quanto mais a tecnologia avança mais os negros se distanciam dela na direção inversa, ficando cada vez mais para trás. É como colocar o negro em uma competição de corrida de 100 metros rasos com outros corredores todos brancos. A diferença é que o negro irá correr com sapatos de chumbo, configurando a desigualdade social e histórica que impede sua progressão natural. Visitando a “Alegoria da Caverna” de Platão, podemos observar que esse novo tipo de modernidade, naturalmente por ser líquida, adquire diversos contornos farsescos, como as chamas que são projetadas no interior da caverna. No caso dos negros, que metaforicamente estão dentro da caverna, o capitalismo através dos seus sistemas de mídia, emula as figuras que determina projetar nas paredes do fundo da caverna, onde vende e seduz a todos com a proposta de um modelo de sociedade, onde o consumo, a individualidade, o consumismo incontrolável e a sede de sucesso giram a roda da existência. Porém, esse modelo de sociedade não está sendo construída para incluir o povo negro. A força de sua gênese capitalista a faz de pronto excludente no nascedouro enquanto que ao mesmo tempo, através da doutrinação líquida, faz o negro estranhar o outro negro, faz o democrata agir despoticamente e o cristão caminhar nas pegadas de falsos profetas. A modernidade líquida se torna estranha ao povo negro, pois ao se basear no consumo arraigado, na individualidade e no empreendedorismo através de sistemas digitais, obviamente está excluindo o povo negro, que de acordo com sua cosmovisão comum, igualitária, cooperativista e solidária. A cosmovisão negra aliada a seus péssimos indicadores sociais e econômicos, não pode participar da grande festa que é a modernidade líquida. Dessa maneira resta-lhe viver à margem da sociedade moderna, sem qualquer tipo de oportunidade, tornando o estado e a lei em conflito com ele e não ao contrário como se diz. A modernidade líquida pode se transformar em mais uma onda de extermínio do povo negro, pois a necropolítica faz parte do seu cardápio de opções. Ao utilizar a pós verdade como fonte de disseminação de ideias, colabora também para o recrudescimento da intolerância com a tolerância, da naturalização do racismo, da criminalização dos direitos humanos e a assunção do nazi fascismo de maneira contundente como acontece nos dias de hoje. Com isso, essa estranha modernidade líquida, contrariando sua conceituação, pode estar levando o mundo do século XXI para a era pré sólida, ou seja, o período medieval. Encontro incompatível de eras que trará de volta ao planeta os momentos de barbárie há muito abandonados e condenados. O fenômeno das violência nas comunidades periféricas, onde a população negra está concentrada de forma majoritária, se manifesta cotidianamente através de todas as agruras da precarização imposta pelo racismo ambiental, pela necropolítica estatal e pelo abandono social que faz recrudescer a violência do narcotráfico e todas as mazelas sociais advindas desse processo aspérrimo e crudelíssimo. Na medida em que mantém o povo negro confinado nesses neo bantustões, a branquitude e o capitalismo garantem para os brancos todo o acesso necessário para o devido aprendizado, domínio e controle operacional das novas tecnologias contemporâneas de gestão. Aos negros e negras restritos ao subemprego, ao desemprego e à composição das fileiras do exército de mão de obra de reserva das bases produtivas do capitalismo, resta esperançar e se agarrar à metafísica ansiando por dias melhores que dificilmente virão. Os indicadores raciais da população negra brasileira são vergonhosos. O racismo estrutural que opera desde o “descobrimento” em 1500 no país, não permite e cria óbices de todas as maneiras, que impedem a promoção social e econômica da população negra brasileira. Em todos os espaços institucionais de poder o povo negro é mantido à distância, posição que se reflete em índices como a representação no Congresso Nacional, onde somente 24% dos parlamentares são negros, sendo que os negros representam 54% da população brasileira. As mulheres negras ocupam 8% do total de congressistas, sendo que representam 28,5 do total da população brasileira. Esses indicadores demonstram que o racismo estrutural procura impedir o avanço da população negra nos espaços de poder. Dados do IPEA demonstram que 18% dos jovens entre 18 e 24 anos estão nas universidades brasileiras, sendo que a representação desse contingente de jovens negros na população brasileira é de 56%. No mercado de trabalho, segundo dados do DIEESE, a população negra representa 9,5% de desocupação enquanto a população branca apresenta indicadores de 5,9%. Dados espantosos mostram ainda que apenas um em cada 48 trabalhadores (as) negros está ocupando cargos de direção. A proporção de negros empregadores é de 1,8% para mulheres negras diante de 4,3% para mulheres não negras. Entre os homens negros o percentual foi de 3,6% para empregadores negros para 7% para não negros. A informalidade dispara entre os negros onde 46% dos ocupados estavam em trabalhos desprotegidos para 34% entre os não negros. No Brasil uma em cada seis (15,8%) mulheres negras ocupadas trabalha como empregada doméstica, que carecem de reconhecimento e trabalham em situações extremamente precarizadas no que tange a direitos trabalhistas e proteção da Previdência Social. As trabalhadoras domésticas negras recebiam um salário médio de R$ 904,00 por mês que representavam um valor de R$ 416,00 abaixo do salário mínimo vigente. Os números demonstram que o estado brasileiro é o grande cúmplice e emulador da estruturação do racismo em nossa sociedade. A vida cotidiana do negro sempre colocado em posições desfavoráveis em relação ao contingente não negro, causa indignação, revolta e principalmente doença, pois o que fica guardado e sem solução, fica retido, gerando dores e sofrimentos, adoece físico e emocionalmente. A indignação da alma negra é fruto da observação cotidiana do racismo estrutural renitente que persiste em nossa nação preconceituosa e hipócrita, gerando desigualdade, desespero e miséria. Bauman descreve com precisão o caráter líquido da modernidade, que se fosse um trem onde os negros viajariam como pingentes. Os estados líquidos da modernidade são propícios e voltados para a branquitude que possui preferência na obtenção de privilégios e oportunidades pois controlam o capital e os espaços de poder . É como brincar de viver em um mundo onde tudo se faz e liquefaz num piscar de olhos: relacionamentos, empregos, espiritualidade, territórios, cultura, educação, saúde, amores, direitos e democracia. O povo negro ainda está atado aos conceitos sólidos da revolução industrial, do materialismo histórico e quiçá da luta de classes. A modernidade líquida, enquanto provocação histórica, é mais um movimento de marginalização da população negra, que não convive com as novíssimas e espertas abordagens sociológicas da branquitude. No fundo, essa estranha modernidade de Bauman, pode causar o aprofundamento do antagonismo das cosmovisões das etnias branca e negra, que seguem em refregas subsuperficiais, como placas tectônicas da alma nas profundezas do existir. Apesar de conter inúmeras boias de sinalização interessantes, no fundo são aspectos geradores de desigualdades, que chegam como vigorosos tsunamis nas praias existenciais do povo negro. As ondas da modernidade líquida chegam às praias da negritude varrendo todas as construções sólidas que encontram pelo caminho, causando mais desesperanças com a liquefação de suas estruturas emocionais. Com o aprofundamento da desigualdade há um aumento previsível da violência, onde se presume que se continuarmos a caminhar nessa direção jamais haverá justiça social e onde não há justiça social é impossível alcançar a paz necessária e da qual estamos tanto precisados.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

A Beleza Verdadeira

"O primeiro gole do copo das Ciências Naturais o transformará em um ateu. Mas no fundo do copo Deus estará lhe esperando". (Werner Helsenberg, pai da Física Quântica) 

O capitalismo e sua filha dileta a branquitude, criaram para o povo negro uma proposta de cosmovisão similar como a que foi apresentada no livro 07 da República de Platão, denominado “Alegoria da Caverna”. Através de uma grande trapaça intelectual, os mentores da branquitude arquitetaram uma grande armadilha para o povo negro. Elaboraram a construção de um mundo falso, imaginário, onde seres humanos despidos de seus direitos e com suas humanidades retiradas, passassem a coexistir pacificamente, sem o instituto da rebelião, em um ambiente perverso, segregador, excludente e violento. Um ambiente onde martírios, sofrimentos, exploração, dominação e a exploração de seres humanos servissem como pano de fundo para enriquecimento e poder de uma Europa racista, ambiciosa e colonialista. Uma Europa fundamentada na razão míope e dependente da exploração colonialista. Esta mesma razão, baseada em retóricas sofistas como as de Górgias de Leontini e Tísias de Siracusa, erigiu os pilares sustentadores das pseudo ciências como a teoria da Frenologia desenvolvida por Franz Joseph Gall (1758–1828) em 1800 e estendida para a teoria forense como a Antropologia Criminal, criada pelo italiano Cesare Lombroso (1835-1909) que teceu a teoria do “reo nato”, baseado na crença que características físicas eram responsáveis pela opção ao crime por parte de certos grupos humanos. Obviamente que essas pseudo ciências serviram como suporte para a caracterização do negro como uma pessoa propensa à criminalidade e ao estado de barbárie. Essas teorias consolidaram o processo de invasão e conquista de novos territórios que seguiam seu curso desde o século XV. Construíram a falsa ideia do fardo que o povo branco europeu deveria carregar ao levar civilização aos povos negros, asiáticos e ameríndios, para eles povos bárbaros e carentes de evangelização e civilização. A cosmovisão criada para substituir a dos próprios negros, a fantástica cosmovisão africana, passou a projetar imagens de um mundo falso, onde propalaram que a verdade está nas trevas do cativeiro e não na luz da liberdade. Os poderosos donos do capital e gestores da economia global, querem que aceitemos a subalternidade dentro de um cenário de hierarquização racial e a compreensão da naturalização da miséria como um “ethos constitutivo da alma negra”. Destacando que a população negra deve viver de maneira pacífica e ordeira, mesmo que em completo abandono por parte do estado, sofrendo em comunidades ambientalmente degradadas, dominadas pelo terror do narcotráfico e eivadas por todas as formas de violências e arbitrariedades. A xenoafetividade interracial cultuada pela branquitude, propõe a aceitação da dialética da emancipação através da alienação (Ferreira 2021) como proposta de uma visão afro-futurística enviesada, onde em ciclotimia paira o paradigma freiriano e diversionista do deleite entre senzala e casa-grande. Infelizmente nossos destinos ainda permanecem nas mãos das elites herdeiras dos mesmos brancos poderosos das capitanias hereditáriaOpções s brasileiras que fizeram fortuna através da escravização e do tráfico negreiro dos tempos coloniais. Apesar da contemporaneidade, eles ainda nos iludem com uma matrix anódina, distópica e geradora de óbices antropológicos que nos mantêm atados aos horrores do passado, mesmo estando atentos e vivos no presente. Impuseram-no antolhos como fizeram com os habitantes da caverna de Platão, que nos foram colocados no passado, quando desde então e desse modo, ficamos impedidos enquanto grupo étnico descartado socialmente, de ver e atingir a luz da verdade e do conhecimento, que impera fora do ambiente bruxuleante da caverna e do qual estamos desesperadamente precisados. O desafio que nos instiga é a possibilidade de alcançar a verdadeira utopia libertadora, que se pode antever no materialismo histórico de Marx, centrado na dialética que coloca o ser humano como seu próprio protagonista, produzindo ciência, construindo pensamentos e visões de mundo, flertando entre o xamanismo de Krenac (1953), o existencialismo cristão de Soren Kierkegaard (1813–1855) o ateísmo humanista de Ludwig Feuerbach (1804–1872) e o niilismo de Nietzsche (1844–1900), levando Deus às catacumbas, ao decretar a morte do divino gerado pelos humanos, pelos cristãos em suas tocas falibilidades, que através da metafísica impõe culpa e pecado, determinando céu e inferno como uma grande ameaça para o pobre e sofrido espírito humano. Uma construção engendrada pelos próprios humanos, tentando explicar uma transcendência inexplicável. Assim colocaram a humanidade no carrossel epistemológico de um carcomido e velho proselitismo religioso. O estado de contrição advindo desta elaboração infundada retira o ser humano do lugar de concretude e materialidade desejado, do qual é sempre é afastado, para que possa cumprir seu triste fado de ser cativo de uma imanência transcendente que lhe foi imposta como padrão existencial natural que deve ser representado na sociedade. Lugar triste em demasia que nos retira da verdade, do que é palpável, do que estamos deveras precisados. Chega em boa hora e em alvíssaras o tempo que nos clama a deixarmos a caverna, onde a branquitude eurocêntrica nos colocou. Chegou o tempo de emprenhar um “ser negro” novo, com novas hermenêuticas, sem as amarras traiçoeiras do racismo estrutural e da retro negritude. Chegou o tempo de refletirmos sobre as rotineiras narrativas trombeteantes que afirmam que ‘negro é lindo’, ‘tudo negro é lindo’. Trilhas estranhas que talvez possam ser a metavisão da cosmovisão, que pode se tornar uma representação insidiosa de uma antro polissemia, componente de um estranho mosaico interiorizado e entranhado de um contexto étnico branco e burlesco, que propõe situar o negro em uma dimensão existencial de clivagem epicurista. Abraçar a proposta que é apresentada, significa a mesma coisa que mergulhar em um mar sombrio e difuso, repleto de tubarões brancos, vorazes e famintos. Esse “lindo” tão propalado sempre foi uma construção eurocêntrica, com ênfase na matriz hedonista de dimensão helenística, construtora da beleza artificial do corpo branco, no qual não devemos nos inspirar e pela qual, pelos mais subjetivos motivos, não devemos nos interessar por ela. A representação real do lindo construído pela branquitude se espraia de maneira hegemônica nos espaços midiáticos e nos espaços de poder, onde nós os negros não encontramos representação. A realidade apresenta um cenário farsesco sobre o lindo, onde de alguma maneira estamos inseridos, de onde precisamos sair e cerrar esta porta definitivamente. A tentativa de apagamento da excitante cosmovisão africana e de sua formidável teogonia com suas culturas exuberantes, foi junto com a escravidão, um dos maiores crimes de lesa-humanidade cometidos pelos colonizadores em África. O universo em seu grandioso poder e magnificência, não distingue as pessoas pela pigmentação da pele e tampouco se importa com elas. Para a criação universal todos os seres humanos são o que devem ser, fazendo parte da infinita teia energética universal, ambiente onde os seres humanos e seu planeta Terra, são proporcionalmente em relação ao tamanho do universo observável, menores que um simples grão de areia. Baseado em uma perspectiva lógica e compreendendo até um viés metafísico, todos os seres humanos são lindos, não por comparações ou diferenciações fenotípicas, mas sobre o que Baruch Spinoza (1632 – 1677) quis dizer acerca da possibilidade panteística da imanência de um poder divino, e não por uma antropomorfização de Deus, que condena a divindade a passar todo o seu tempo cuidando dos problemas comezinhos das pessoas comuns em dias comuns. Todos os seres humanos são lindos porque a vida é linda em todas as suas configurações quânticas e relativísticas. Sua indescritível beleza posta-se imperiosamente acima de todos nós, estando absoluta e indisponível ao limitado e minúsculo conhecimento humano. A vida bariônica como a nossa, como a dos seres humanos de agora no planeta Terra, surge como um evento raríssimo no universo, onde ainda não encontramos nada semelhante entre tantos milhares de mundos, silenciosos, gélidos e mortos. Precisamos refletir e quem sabe até abandonar essas construções burguesas de “Pequeno Príncipe Negro”, “Cinderela Negra” e coisas semelhantes do afrolúdico. Tudo faz parte de uma construção da alma branca, para as mentes brancas e para um mundo branco, provavelmente sem contornos raciais eugenistas na concepção. Os autores dessas fábulas e contos infantis não pensaram nem cogitaram encantar crianças negras quando criaram esses personagens do imaginário infantil. Pensaram em seus mundos caucasianos, em suas fábulas e suas origens atávicas. Ao tentarmos demonstrar alguma alteridade comparativa da realeza negra com a realeza branca, talvez estejamos correndo o risco de utilizar os mesmos mecanismos excludentes do eurocentrismo, convertidos pela e para a pele negra, para a negritude. Os sistemas imperiais e aristocráticos são originalmente excludentes e despóticos em suas essências. Ambiência onde seres humanos normais se dizem ungidos por divindades e baseados em suposições metafísicas, desenham um modelo de exploração do povo visando manter uma casta de mandriões inúteis e preguiçosos, refestelados no poder às custas do sofrimento das populações pobres e vulneráveis. Ao exaltarmos os reinos africanos da antiguidade e até da modernidade, como estética comparativa, estamos, como nos alerta a transvaloração de Nietzsche, referendando um sistema social de rapina, que avilta a soberania popular como sempre faz os sistemas capitalistas da branquitude. Fazemos então, senão reproduzir as antigas sombras platônicas, projetadas pelas chamas bruxuleantes nas paredes da caverna de nossas existências negras, colonizadas pelo proselitismo do cristianismo e outras vertentes espirituais. A verdadeira beleza de cada ser humano está dentro dele próprio, não podendo ser vista a olho nu. Um fantástico interior onde em entropia endógena milhões de universos interagem em gozo e fúria, simultaneamente, fazendo a vida acontecer de maneira espantosa e indescritível. Apesar da dialética travada entre biogênese e abiogênese, a vida explode em seu esplendor primordial onde o amálgama de átomos, elétrons, prótons, nêutrons, pósitrons, quarks, leptons, bósons, férmions, neutrinos e mésons interagem com proteínas, mitocôndrias, lipídios, sais, fósforo, nitrogênio, hidrogênio, enxofre, glicídios, células, impulsos elétricos, fibras musculares e DNA mitocondrial entre tantas outras milhares de interações que extasiam a sinfonia quântica, através da contradança da criação, do existir. Ah! Quanta glória! receber o sopro divino em um universo que nos faz viver gigantes e ao mesmo tempo partículas, nos apresentando o idílico milagre do desabrochar da vida. Jung (1875–1961) disse que nossa psiquê é estruturada de acordo com a estrutura universal e o que ocorre no microcosmo também acontece nos infinitesimais e mais subjetivos alcances da mesma psiquê. Carregamos inúmeros universos quânticos e relativísticos, todos imensamente vazios e ao mesmo tempo repletos e intensos em força e poder. São sistemas potentados, carregados pelas energias primordiais que vieram da fusão nuclear no interior das estrelas desnudas, que se atiraram despojadas universo afora, em uma marcha inexorável que nunca terá fim. Isso sim é lindo demais. Todos nós somos lindos demais, filhos e filhas dessa grande criação misteriosa forjada nas fornalhas das grandes estrelas que explodiram em tempos imemoriais. A casca de carbono que nos reveste, nosso corpo, um dia terá seu fim. Mas a energia que reside em nós, em sua fantástica configuração de interações caóticas e ao mesmo tempo harmoniosas, permanecerá viva pelo sempre do universo. Esta sim é a verdadeira beleza. Somos filhas e filhos imortais das grandes estrelas e por assim sermos devemos esplandir e iluminar o mundo com o brilho que herdamos do universo.