No século XVI o Continente Africano era totalmente desconhecido pelos europeus. Salvo a costa do Marrocos onde os portugueses conquistaram Ceuta em 1415, quando partiram de Lisboa com 220 navios e 50 mil homens.
A partir de Ceuta os portugueses passaram a avançar pela costa africana prevendo a instalação de entrepostos que serviriam de apoio para a carreira das Índias, completada por Vasco da Gama em 1498.
O Cristianismo na África Subsaariana ainda era muito incipiente no Século XVI mas tomou impulso com a emissão das s bulas papais Dum Diversas e Romanus ok, onde a Igreja Católica passou a permitir a escravização de não-cristaos, gentios e sarracenos.
Os escravizados que foram trazidos para o Novo Mundo cultuavam suas religiões e credos de matriz africana, desse modo não conheciam outra religião e tampouco o Cristianismo. Voltando para a Marquês de Sapucaí, se o enredo for contar alguma história do povo negro, que construiu essa nação, necessariamente passará pelas religiões de matriz africana. A própria existência das escolas de samba está intimamente vinculada aos centros de Umbanda Omolokô e terreiros de Candomblé. Foi no intenso caldeirão cultural da Pequena África, no Centro do Rio de Janeiro, que o samba carioca começou a tomar forma. A referência principal da gênese do samba foi a casa da Tia Ciata, Iaquequerê do terreiro do famoso babalorixá João Alabá, que assumiu o terreiro do babá Bamboxé Obitikô, que voltou para Lagos na Nigéria após a abolição da escravatura.
Tia Ciara curou uma ferida renitente na perna do Presidente Wenceslau Braz, que em reconhecimento proibiu a polícia de interferir tanto na prática religiosa do terreiro, como nas rodas de batuque que varavam as madrugadas. Existiam também outras "tias" como Amélia, Perciliana (mãe de João da Baiana), Bebiana e Carmem do Xibuca de Amaralina, que animavam as noites da Pequena África. Dali o samba foi se moldando e se espraiando para todo o Rio de Janeiro. A turma do Estácio com Ismael Silva, Bide, Marçal , Brancura e Edgard deram luz ao ritmo cadenciado para o samba que é tocado assim até hoje. Madureira tinha o Ogã e jongueiro Paulo da Portela que fundou o Conjunto Oswaldo Cruz que passou a se chamar Vai Cono Pode e depois Escola de Samba Portela. Na Serrinha tinha a Dona Eulália, Vó Joana e Tia Maria, todas do jongo, além de Mestre Fuleiro, Molequinho, Mano Décio e Eloi Antero Dias, o Mano Elói, pai de santo que levou o samba para a Mangueira. Carlos Cachaça que foi testemunha ocular do fato afirmou que Mano Eloi apresentou o samba no terreiro de Omolokô de Tia Fé, na presença de Zé Espinguela, o Pai Olufá e outros presentes. Tia Fé, figura lendária e venerada até hoje em Mangueira fundou um rancho carnavalesco denominado Pérolas do Egito, que junto com outras agremiações formaram a Estação Primeira dé Mangueira em 1928 sob a direção de Cartola, que era cambono da Umbanda Carioca ou Omolokô, Saturnino Gonçalves pai de Dona Neuma, Abelardo da Bolinha, Carlos Cachaça, Seu Euclides, Zé Espinguela, Seu Maçú e Pedro Paquetá. Em Vila Isabel tinha Noel Rosa que viveu embates famosos com Wilson Batista.
Aliás, Paulo da Portela e Zé Espinguela no ano de 1929, realizaram o Primeiro Encontro de Escolas de Samba no terreiro de Zé Espinguela Engenho de Dentro que foi a gênese dos atuais desfiles de escola de samba. Esses pioneiros e pioneiras passaram muito aperto com a repressão da época por fazerem samba.
Como não falar de religiosidade se as baterias das escolas de samba tocam cada uma para seu orixá. A Mangueira, por exemplo, toca para Oxossi enquanto que a da Portela e da Mocidade para Ogun, União de Padre Miguel para Xangô e e assim por diante.
Após recebermos este tesouro cultural, passamos a ser cerceados pela branquitude beócia de nossa ancestralidade, tentando através de discursos anódinos, conter nosso vigor e paixão pela riqueza de nossa origem multicultural e pluriétnica. Para eles é fatigante ouvir nossas ancestralidades e de acordo com seus desejos, não poderemos mais contar nossas epifanias, cantar as histórias de nossos ancestrais na festa que nós criamos e eles querem ditar as regras. Até compreendemos que é difícil emocionados das bolhas do zap compreenderem a complexidade cultural da cosmovisão africana. Assim é mais fácil se levantarem escudados em falsos biombos de proselitismos. Pode haver Oktoberfest todos os anos com as mesmas mulheres loiras, olhos azuis, caucasianas e batavas, aboletadas em cima dos mesmos carros alegóricos, cantando as mesmas canções saxônicas que está tudo certo. Mas nos carros alegóricos dos negros não pode. Como diz Milton Cunha, escola de samba é negritude, pretitude, gente suada falando alto, tomando cerveja, é macumba sim, é resistência e aquilombamento. Quem não pode com mandinga não carrega patuá. Valeu Zumbi.
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