quarta-feira, 30 de outubro de 2024
Eu Negro
Eu negro quando me olho no espelho costumo não gostar do que vejo. Meu eu negro se reflete em estilhaços, em uma grande entropia de cristais, que representam o desmonte de minha frágil e inconstante psique.
Me eu negro quando se reflete no espelho, traz consigo uma carga imensa de sofrimentos ancestrais. Em cada estilhaço do meu eu negro reflete dores primordiais da alma negra, violentada, flagelada e crucificada após uma ultrajante e pérfida via crucis sociológica
Quando meu eu Negro defronta-se diante do espelho estilhaçado, tenta se reconhecer em meio a tantos ‘eus’ disformes e assimétricos. São ‘não eus’ que recusam compor minha verdadeira alteridade física e emocional, como o instrumento desafinado em meio a uma maviosa orquestra. Não consigo estabelecer um acordo com meu eu no espelho estilhaçado, porque além da recusa diante da impossibilidade normativa, há uma realidade distópica atuando em moto contínuo que não abre espaço para concertações humanas
A triste saga do meu eu negro carrega consigo as cicatrizes de batalhas atávicas memoráveis. Traz consigo o luto antropológico e a perversão do cativeiro. Tanto mar salgado batendo em minha alma. Tantos porões desumanos no ventre dos navios negreiros. Tanto mar, tanto mal, tanto sofrimento que durante séculos de perversão humana, formataram um sísifos existencial, que exaure minha mente nas infinitas e contínuas escaladas dos rochedos do existir.
Meu eu negro que permanece no espelho em estilhaços, vive uma teogonia voltada para o lado humano, que passou a compreender o destino que sempre cumpriu, sempre preso a uma hermenêutica construída pelo proselitismo caucasiano, que insiste em apagar e destruir minha cosmovisão ancestral, multicultural e pluriétnica.
Meu eu negro insiste em se descobrir humano em um mundo de reflexos inumanos e hostis. A visão turva oriunda de uma falsa deidade de sociopatas eugênicos, me faz caminhar lento e claudicante nas vielas tortuosas de um mundo triste e decadente. É assustador ver e não se reconhecer. De qual mundo? Existe um mundo? Ou somente seguir em manada até o destino final? Apagar o passado soturno? Varrer para debaixo do tapete os restolhos cínicos das diferenças fenotípicas? Viver eternamente no porão enquanto outros refestelam-se em suntuosos palácios?
Interrogações seculares que permanecem e me cobram através do reflexo do espelho. Me atiçam em chamas, cobrando um modo de ação carbonário e revolucionário. Gritam em meus ouvidos, sangram meu corpo, esmagam os recônditos de minha alma. As interrogações são bárbaras e desumanas. Partem dos estilhaços do espelho como raios certeiros, tendo como alvos principais o coração e a psique negra. Penso em deixar tudo para depois. Sabendo me enganar assim como as mães fazem ao dizer para o filho insistente em pedir uma guloseima: “na volta a gente compra”. Sim, na volta talvez eu lute, na volta talvez eu sorria, na volta talvez me encontre.
O encontro do ser humano consigo mesmo certamente ocorre através da liberdade. A liberdade porém não é um constitutivo natural da alma humana e tampouco nasce compondo a personalidade da pessoa. A liberdade é um estado que reside na dimensão do sentir, do protagonismo da conquista, da sublimação do protagonismo dentro de um tempo histórico. Portanto a liberdade reside na existência de seres humanos históricos, protagonistas da história, e os negros brasileiros nunca foram convidados para esta contradança.
Viver apartado da verdadeira liberdade, a liberdade dos vencedores, dos protagonistas, daqueles que escreveram e escrevem a história é uma carga sobre humana que preciso carregar. Minha voz não ecoa no mundo branco e continua sendo ouvida com desesperança no mundo negro. Alguns brancos me ouvem com alguma curiosidade como se estivessem participando de um experimento antropológico. Esperam ansiosos que eu fale de samba e carnaval, enquanto ensaio Cheik Abra Diop, Abdias do Nascimento e Lélia Gonzalez.
As dimensões que nos toleram enquanto seres humanos protagonistas ficaram restritas ao samba e ao futebol. Aos tambores e à bola. Somos os restolhos civilizatórios de um continente bárbaro, segundo eles. Somos a escumalha que empreteceu a população brasileira para horror dos eugenista tupiniquins. Somos aqueles e aquelas que são confinados nas senzalas contemporâneas que são os quartinhos de empregada, onde purgamos nossa subalternidade entre quatro paredes sufocantes sem janelas.
A branquitude adora quando bradamos que o negro é lindo, que façamos gestos que significam o poder negro. Nos apoiam em todas essas coisas e depois vão ao concerto erudito nos teatros municipais da vida e nos entregam os utensílios necessários para que lavemos suas latrinas imundas.
Obviamente que estamos avançando. Eu mesmo aqui ousando escrever, me desafiando no mundo das letras, tentando viver a liberdade que antevejo nas entrelinhas que desejo nas páginas em branco. Mas quanto mais escrevo mais né desespero. Quanto mais escrevo mais me descubro e redescubro minha localização na vida, que grita em meu âmago que devo ser forte, que devo ser livre, pois somente assim poderei ajudar os meus irmãos e irmãs que vivem no mundo da ilusão ou na ilusão do mundo. Esses irmãos e irmãs são as pessoas mais importantes para mim, pois sem eles nas trincheiras, minha luta em prol da liberdade verdadeira não tem o menor sentido.
Os negros escravizados no Brasil eram proibidos de usar sapatos. Podiam até usar roupas vistosas como era comum no caso dos escravos de ganho e nos serviçais da casa grande. Porém sempre descalços, para sentir a aspereza dos caminhos, para viver sabendo ser inferiores, para compreenderem que eram os derrotados da Terra. Viver uma vida inteira descalços era a maior demonstração de humilhação e ausência de liberdade. Paulo da Portela em meados do século 20 dizia que o negro deveria se esmerar ao se vestir e estar sempre com o pescoço e os pés ocupados, utilizando sempre que possível gravatas e sapatos. Via nesses acessórios um sinal de emancipação, de respeitabilidade e liberdade para a população negra.
O espelho hoje apresenta alguns estilhaços virtuosos. A casa dia que passa mais jovens negros adentram no ensino superior, modelando lentamente uma sociedade do futuro mais heterogênea. São conquistas que além do valor individual do ser negro, requisitaram duríssimas batalhas ao movimento negro em confrontos memoráveis contra o racismo estrutural brasileiro. Nossas conquistam são lentas, pois apesar da urgência de nossas emergências, somos submetidos a um judiciário branco, machista e racista. Nosso judiciário é a tal praia onde os negros nadam...nadam e morrem na praia. O Congresso Nacional possui o mesmo perfil eurocêntrico e excludente do judiciário, transformando a vida da população negra em um verdadeiro inferno ao legislar continuamente contra leis já aprovadas, que estabelecem direitos através de algumas ações afirmativas, que propõem mecanismos de correções de diversas assimetrias raciais históricas.
O resumo da existência negra no Brasil está contido na ausência de liberdade. Na verdade é uma retroexistência lastreada pela xenoafetividade endêmica que remonta aos tempos de cativeiro do período colonial. Nossa imagem no espelho nos pede socorro, pois nossa velocidade de avanço social e menor que o avanço do racismo. Precisamos pensar ativamente na verdadeira liberdade, na honestidade epistemológica do nosso existir sem as cercas ladeadas da branquitude, sem o pôr de sol esmaecido que o racismo estrutural sempre nos apresentou.
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
A Escravidão no Brasil
A história da escravidão no Brasil é muito dolorosa. Aliás todas as histórias de escravidão são deprimentes. O fato da diferenciação da cor da pele ser motivo para escravização até à morte de um semelhante já é motivo suficiente para nos envergonharmos enquanto humanidade. Para compreendermos de fato como aconteceu todo o processo histórico da escravidão mercantil de povos africanos para as Américas e Caribe precisaremos retroceder no tempo e observar os eventos históricos dos séculos XV e XVI. No século XV vamos encontrar duas grandes potências marítimas em disputa que eram Portugal e Espanha. No nosso caso vamos nos deter nas navegações portuguesas pois elas interferiram diretamente no Brasil que conhecemos hoje.
O século XV marcou um importante período na história da humanidade. Foi nele, que além de grandes avanços em todas áreas do conhecimento, marcou o fim da Idade Média e o despertar do Renascimento. O sistema feudal estava em franco declínio, abalado por diversos fatores como a baixa demográfica com a Peste Negra, havia também uma contenda religiosa que culminou com o Cisma do Ocidente onde a Igreja Católica passou a possuir três Papas com um em Avingnon na França, outro em Roma e ainda um terceiro em Pisa na Itália.
Outro fator de grande impacto para a humanidade foi a Queda de Constantinopla em 1453, marcando o fim da Idade Média e inaugurando a Idade Moderna. Esse período bastante fértil iniciou a “Era dos Descobrimentos”, através do empreendimento das grandes navegações, com as quais os europeus traçaram rotas marítimas por todo o globo, principalmente para a Ásia, África e Américas.
Portugal reuniu as melhores condições possíveis para se lançar ao mar ainda desconhecido para buscar novos territórios inexplorados em busca de riquezas e poder. Entre essas condições podemos citar algumas das principais que eram por exemplo a grande área do país voltada para o Oceano Atlântico, que possui diversas correntes marítimas ao largo do litoral que oferecem ótimas condições para asa viagens oceânicas. Outro fator importante era a tradição náutica da Escola de Sagres, a mais avançada do mundo à época. Um dos quesitos mais importantes ao estímulo das navegações portuguesas era o apoio da Igreja Católica, que visava a cristianização do mundo em tese pagão, principalmente depois da queda de Constantinopla para os muçulmanos em 1453.
O temor de um planeta islâmico era real pois ainda estavam abertas as feridas da conquista da Península Ibérica pelos mouros que se prolongou por longos 700 anos.
A consolidação do poder do cristianismo realmente foi um dos grandes motivos para o forte investimento nas navegações portuguesas pela Ordem de Cristo, instituída pelo Rei
Dinis em 1318 e confirmada pela bula papal “Ad ea ex quibus”, que emitida pelo Papa João XXII, trazia à vida a Ordem de Cristo, restaurando de alguma maneira em Portugal a Ordem dos Templários extinta em 1311 pelo Papa Clemente V. As velas de todas as caravelas portuguesas nas navegações pelos oceanos, traziam estampadas em grande destaque a cruz vermelha da Ordem de Cristo, mostrando aos que as recebiam que aquelas embarcações estavam a serviço de Portugal, um reino cristão a serviço do cristianismo. Por fim, a formação do imberbe estado nacional português antes mesmo de nações como França, Espanha e Inglaterra dotou Portugal de condições estruturais e políticas para o planejamento das grandes navegações. Porém, os grandes investimentos nas navegações portuguesas não eram voltados exclusivamente para a evangelização, junto com o escopo espiritual estava o planejamento material, que buscava o caminho marítimo para as Índias, aprimoramento das técnicas de navegação e a busca por metais preciosos, principalmente o ouro, para fortalecimento da economia portuguesa.
Portugal iniciou sua aventura pelos mares através da Tomada de Ceuta no Marrocos. A posição estratégica do enclave marroquino frente ao estreito de Gibraltar permitia o controle de um mercado muito cobiçado que era a rota transafricana do ouro sudanês. Ceuta era responsável por uma riquíssima atividade comercial com o Egito a Líbia e era o principal entreposto pesqueiro das frotas atuneiras (pesca do atum) e da retirada de coral, que compunham o escopo principal de sua balança comercial.
A expedição militar saiu de Lisboa rumo ao Continente Africano, visando a conquista do enclave marroquino sob comando de D. João I de Portugal em 25 de julho de 1415. A frota deixou a foz do Rio Tejo com 29 galés, 33 naus e 120 navios que transportaram 55 mil homens entre eles mercenários e aventureiros de diversas nacionalidades europeias. A batalha vitoriosa em Ceuta durou exatamente um dia, entre 21 de agosto e 22 de agosto de 1415. A tomada de Ceuta deu início ao conhecimento do Continente Africano pelos portugueses, que a partir de então passaram a estabelecer feitorias ou entrepostos na costa africana visando a construção da Carreira das Índias.
A Igreja católica teve intensa participação na estruturação das navegações portuguesas, principalmente na emissão de duas bulas papais, sendo a primeira denominada de “Dum diversas” emitida em 1452 pelo Papa Nicolau V ao Rei D. Afonso V de Portugal, e a segunda em 1454 a “Romanus Pontifex”, do mesmo papa Nicolau V ao Rei Dom Afonso V e ao Infante D. Henrique, onde ambas permitiam aos portugueses conquistar, tomar as propriedades e escravizar até à morte todos os habitantes dos territórios sarracenos, gentios e não-cristãos. Documento depois estendido ao Rei da Espanha. Certamente este documento foi a certidão oficial de nascimento da escravização mercantil de cidadãos livres africanos para os territórios do Novo Mundo. A terceira bula papal foi a “Inter
Coetera” que dividia o Novo Mundo entre os países ibéricos. Portugal não concordou com os limites geográficos estabelecidos pelo documento e para evitar que as duas nações entrassem em guerra o Papa Alexandre VI traçou uma linha imaginária dividindo as conquistas de Portugal e Espanha, que se transformou no que conhecemos como Tratado de Tordesilhas.
Resumo e condensação das Bulas Papais “Dum Diversas”” e Romanus Pontifex”: (…) nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão, e apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes (…).
Enquanto os portugueses seguiam na conquista de novos territórios africanos, Cristóvão Colombo chega a América em 1492, Vasco da Gama chega a Calicute na Índia em 20 de maio de 1498, sendo o primeiro europeu a circundar a África pelo Cabo da Boa Esperança. Dois anos depois, em 22 de abril de 1500 o navegador português Pedro Álvares Cabral chegou ao território de Porto Seguro na Bahia, tornando colônia do Reino de Portugal, que destarte o nome indígena de Pindorama, passou a ser chamado de Brasil. O Brasil de 1500 era uma região extremamente perigosa para os europeus. O território era inóspito, totalmente coberto por florestas com animais selvagens, nuvens de mosquitos e os habitantes da terra, povos originários que os portugueses chamavam de bugres ou índios.
A colonização do Brasil por parte dos portugueses pode ser caracterizada como colônia de exploração, onde a matriz, no caso Portugal, se ocupa somente com a extração e prospecção de riquezas, deixando de lado a ocupação do território por famílias oriundas da metrópole. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve outro tipo de colonização que foi a de povoamento, onde as famílias deixavam a Inglaterra fugindo da perseguição religiosa e construíam suas vidas na nova colônia. Um dos motivos da grande diferença econômica entre Brasil e Estados Unidos pode ser creditado ao modelo de colonização. Enquanto um país começou com uma grande reforma agrária, com distribuição de terras para os milhares de colonos que chegavam, no Brasil Portugal dividiu o país em 14 capitanias hereditárias que se ocupavam basicamente da exploração de Pau Brasil e de engenhos voltados para a produção de açúcar. Enquanto isso nos Estados Unidos os colonos que chegavam em profusão cultivavam seus sítios e fazendas, abriam centenas de oportunidades de negócios, fundavam escolas, bancos, ferrovias e comércios, enfim, construíram uma economia pujante enquanto que aqui continuávamos a cortar madeira e cortar cana de açúcar nas paupérrimas capitanias hereditárias.
A partir de 1530 Portugal voltou sua atenção para as terras do Novo Mundo. A chegada constante de piratas e de franceses ocupando vastas áreas do território levou a metrópole a se preocupar com a ocupação da colônia.
Um dos maiores óbices que os portugueses encontraram quando resolveram se estabelecer no Novo Mundo, foi a mão de obra necessária para a implantação dos empreendimentos coloniais. Ao contrário da América Espanhola, onde os colonizadores espanhóis encontraram ouro e outros minerais em grande profusão causando enriquecimento súbito, no Brasil isto somente aconteceria mais tarde, obrigando o colonizador a investir no regime extrativista da cana de açúcar e do Pau Brasil.
Os portugueses decidiram que na ausência de colonos europeus para trabalhar nos empreendimentos coloniais, a melhor opção seria utilização de mão-de-obra local, ou seja, indígena. Por mais que tentassem submeter os indígenas à escravização, a situação dos colonos piorava a cada dia. A cosmovisão indígena não compreendia a necessidade de cortar árvores dia após dia durante o ano inteiro para enviá-las pelo oceano para outros povos. Apesar de muitos pesquisadores refutarem a ideia da falta de costume com o trabalho metódico cotidiano, esse foi um fator de estranhamento e recusa, pois os povos autóctones usufruíam da natureza de maneira lúdica e respeitosa, não causando sua destruição desnecessária, pois para os povos originais o dinheiro não possuía valor algum. Assim, os indígenas não acostumados ao trabalho cotidiano obrigatório ou escravo e com medo das doenças mortais trazidas pelos portugueses, criavam sérias resistências para esse tipo de conformidade, travando inclusive batalhas históricas contra os portugueses que eram sempre em menor número.
Portugal por outro lado considerava os indígenas súditos do reino, e por conseguinte não deveriam se escravizados. Os Jesuítas se batiam contra as investidas dos colonos em busca de mão de obra escrava, catequisando, batizando e criando colônias onde os indígenas pudessem viver em paz e sob a proteção da igreja católica. Com as sucessivas investidas dos colonos os jesuítas evitando o conflito embrenhavam-se cada vez nos sertões ou então seguiam para o sul do país onde construíram missões que são famosas até os dias atuais como a de Sacramento, por exemplo.
Para solucionar este problema o Papa Paulo III emitiu a Bula Papal “Sublimis Dei” em 29 de maio de 1537, que determinava que os indígenas eram seres humanos capazes de compreender a fé cristã, e que pela qual condena explicitamente a escravidão desses povos mesmo que alheios à fé cristã.
Diante da impossibilidade da escravização dos povos indígenas a “saída” encontrada pelos portugueses foi trazer para o Brasil mão de obra africana escravizada, ação legitimada pelas bulas papais “Dum Diversas” e “Romanus Pontifex”, de 1452 e 1454 sucessivamente.
Com a emissão dessas bulas papais a Igreja Católica foi diretamente responsável pelo imenso sofrimento pelo qual passou e passa o povo negro desde a chegada dos primeiros portugueses em África e durante os quase 4 séculos de escravidão mercantil no Novo Mundo. Seguindo o mesmo caminho bárbaro de Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e Dinamarca se juntaram no esforço de sequestrar, acorrentar e enviar para terras distantes através do oceano mais de 20 milhões de africanos escravizados.
A escravidão sempre existiu na história da humanidade. A Bíblia diz que José e o povo judeu foram escravos dos faraós do Egito. Os gregos e os romanos possuíam escravos capturados em suas guerras, muitos desses escravos eram inclusive professores dos filhos de Roma e Atenas. O povo eslavo na Europa do Leste, que sempre foi branco, foi um povo tradicionalmente escravizado, daí a palavra escravo em Inglês ser “slave”, de eslavo. Nas comunidades indígenas a escravização também era uma cena comum, mas sempre com cativos capturados em guerras tribais entre as mais diferentes nações. De acordo com o sistema cultural da tribo vencedora, a pessoa cativa poderia se casar um dia com alguém da aldeia e deixar de ser escravizada, passando a fazer parte daquela comunidade. Algumas culturas adeptas do canibalismo capturaram seus adversários em guerras e literalmente comiam os guerreiros adversários mais valentes para assim absorverem seus atributos de coragem.
A escravização dos povos africanos pelos europeus, criou um novo marco na história da humanidade que foi a mercantilização em grande escala de seres humanos escravizados. Além de transformar seres humanos em mercadoria, transportava-os como mercadoria através do oceano para outro continente, onde morreriam em pouco, tempo devido às pérfidas condições desumanas de trabalho e devida a que eram submetidos. Esses africanos não eram considerados seres humanos e sim objetos que falavam e se moviam. Foram despidos de qualquer traço de humanidade e lhes retiraram todos os sonhos comuns aos seres humanos, impondo-lhes um restolho de vida sofrido e miserável. Os africanos escravizados trazidos para o Novo Mundo eram em sua grande maioria composta por Sudaneses da Nigéria, Costa do Marfim e Daomé, Bantos de Angola, Congo e Moçambique. Os escravizados eram trazidos do interior e embarcados em navios negreiros, onde as condições eram as piores possíveis. Eram amontoados e acorrentados em porões escuros e sufocantes, com homens de um lado e mulheres do outro. Acorrentados e colados uns aos outros, os corpos exalavam um forte odor de xcrementos e urina, já que não podiam ao menos se mover ou utulizar qualquer tipo de instalação sanitária. Algumas mulheres eram selecionadas para servirem de objeto sexual da tripulação. Os comandantes e os que tinham os mais altos postos ficavam com as meninas de nove anos em diante e as outras mais velhas eram entregues ao restante da tripulação. A maioria dos cativos eram do interior e nunca tinham visto um grande navio ou o próprio oceano. A travessia da Calunga Grande, assim era chamado o oceano, pois calunga quer dizer cemitério, era o principal temor dos escravizados. O medo do mar e por estarem acorrentados em um porão imundo, escuro e fétido durante até 2 meses faziam desmoronar qualquer tipo de resistência possível.
Para evitar motins a empresa colonial através dos escravizadores colocavam no mesmo navio até mil cativos divididos entre nações que eram inimigas no continente africano. Assim durante a travessia ficavam vigiando uns aos outros e não se organizavam em uma convergência visando a tomada do navio. A rotina do navio era intensa e muitos cativos, quando possível, se atiravam ao mar dando fim à própria vida. A rotina também compreendia atirar ao mar os corpos dos cativos que morriam, geralmente o número e mortos chegava a 25% do total de africanos embarcados. Em um navio com mil escravos embarcados, o número de corpos atirados ao mar podia chegar até 250 seres humanos.
Outro pavor dos escravizados era que a embarcação entrasse em uma área de calmaria, onde o navio podia ficar até dez dias parados sem ventos para impulsionar as velas. Nesse caso as rações de água e alimentação reservadas para a viagem não seria suficiente para chegarem até o destino. Nesses casos havia uma triagem na tripulação de cativos onde era estabelecida uma classificação que condenava à morte por afogamento os que estavam doentes, os mais velhos e assim por diante. Esses escravizados selecionados eram atirados vivos pela borda dos navios quando eram devorados ainda em vida pelos cardumes de tubarões que se acostumaram a seguir os navios negreiros que lhes oferecia carne fresca diariamente.
As embarcações escravistas, navios negreiros ou tumbeuros, como eram chamados, foram a alternativa que os traficantes escravistas encontraram para transportar cerca de 20 milhões de africanos escravizados para o Novo Mundo. No início do tráfico negreiro, o de idade perfil dos escravizados transitava entre 8 e 25 anos, de uma maneira geral Depois com a intensificação selvagem do comércio negreiro eram trazidos africanos de todas as maneiras e perfis. O ex-traficante Joseph Cliffer deu um depoimento ao parlamento britânico no ano de 1840 onde afirmou: “Tudo quanto se podia trazer foi trazido: o manco, o cego, o surdo, tudo; príncipes, chefes religiosos, mulheres com bebês e mulheres grávidas”.
Com o passar do tempo, principalmente a partir do século XIX, os navios foram sendo construídos e adaptados para ficarem menores e mais velozes, para conseguirem fugir de grupos piratas e do patrulhamento do Oceano Atlântico pela marinha inglesa. O traficante
Joseph Cliffer disse que os escravizados “ficavam como livros em uma estamte” A Lei Bill Aberdeen promulgada pelo parlamento inglês em 1845, decretou que o tráfico transatlântico de seres humanos passou a ser ilegal.
A higiene dos cativos embarcados consistia em dois banhos durante os dois meses de travessia e eventualmente enxaguavam a boca com vinagre. Além da pequena tripulação, geralmente composta por 20 homens, apenas as crianças podiam circular no convés.
“Muitas dessas crianças se atiravam ao mar com medo de serem devorados pelos brancos”, narrou o escravizado Augustino. Os adultos eram levados em grupo para o convés para “dançarem” e fazer exercícios físicos sob chibatadas. Entre o odor de fezes e urina que imperava nos porões e um calor abrasador que chegava a 60 graus centígrados, a “carga humana” atravessa va a “passagem do meio” como diziam as tripulações dos tumbeiros e a “calunga grande” como diziam os cativos.
Os relatos sobre as condições de vida nos navios negreiros vieram de diversas fontes que presenciaram todos esse horrores descritos, sendo que os mais famosos são o escravizado Mahommah Baquaqua, Olaudah Equiam, escravizado que comprou sua liberdade e depois se tornou um grande abolicionista e John Newton, que foi um perverso excomandante de diversos navios negreiros que se converteu ao cristianismo, se arrependendo das barbaridades que havia cometido. John Newton estudou Teologia e tornou clérigo anglicano, quando compôs em 1779 o famoso hino cristão “Amazing Grace” ou “Sublime Maravilha” em português, que se tornou um dos hinos cristãos mais
executados no mundo. Amazing Grace é uma mensagem que enaltece o perdão e a remissão dos pecados cometidos, onde a misericórdia de Deus pode libertar a alma humana de todos os seus desesperos. Calcula-se que este hino é executado ao menos 10 milhões de vezes por ano, tornando-se uma das maiores referêmncias da “spiritual music” da comunidade afro-estadunidense. Torna-se inimaginável que uma canção tão linda tenha inspirado a alma que tantas tragédias, desgraças, tristezas e sofrimentos causou a milhares de seres humanos que transportou acorrentadas de África para o Novo Mundo. Presume-se que a chegada dos primeiros africanos escravizados ao Brasil tenha ocorrido entre 1530 e 1560. A narrativa mais aceita é a de que em 1538, Jorge Lopes Bixorda, arrendatário de pau-brasil, foi o primeiro importador de africanos escravizados para a Bahia.
A principal estratégia dos escravizadores quando os escravos chegavam ao Brasil era separá-los dos seus iguais de grupo linguístico. A medida visava a o fim da possibilidade de rebelião ou motim. Os grupos étnicos diferentes, muitas vezes eram inimigos históricos desde o continente africano, por esse motivo não se comunicavam, se concentrando na tarefa da pesadíssima rotina cotidiana do eito de trabalho. O destino a partir de então seria trabalhar nas plantações até à morte, sendo submetidos a castigos violentos, expostos à animais peçonhentos e selvagens, além da humilhação tradicional. A vida do africano es cravizado resumia-se ao trabalho extenuante nas fazendas de café, algodão, cana de açúcar, tabaco, O escravo tornou-se a mão-de-obra fundamental nas plantações de cana-de-açúcar, de tabaco e de algodão, nos engenhos e posteriormente em pequenas cidades, na mineração e extração de pedras preciosas e na atividade pastoril. A condição de escravo retirava a humanidade dos cativos. Podiam ser alugados, vendidos, leiloada e dado de presente. Os grandes proprietários de escravos eram muito poderosos e muitos possuíam inclusive navios negreiros que viajavam ao continente africano para buscar seus próprios cativos. A importância desses senhores na sociedade colonial era medida pela quantidade de escravos que possuíam.
O tráfico negreiro foi considerada a principal atividade econômica do Brasil Colônia, sendo que atingiu seu ápice entre 1720 e 1830, considerado como a principal atividade comercial da economia brasileira.
A independência do Brasil em 1822 trouxe em seu bojo novas ideias liberalizantes para a nova nação, mas em relação ao tráfico negreiro nada foi alterado, pois os grandes senhores de escravos livres da dominação portuguesa agora tinham para si uma imensa nação para explorar e a mão de obra escrava ainda era o grande sustentáculo de suas atividades econômicas.
A vida dos cativos era duríssima. Antes do sol raiar eram perfilados diante da senzala pelo badalar de sinos e todos eram submetidos a uma rigorosa a contagem. Depois realizavam orações curtas e ingeriam um copo de cachaça e outro de café para então iniciarem o dia de trabalho. Geralmente ainda pela manhã, por volta das 8h era servido o almoço, que consistia em feijão com farinha, angu depositado em folhas de bananeiras, mandioca, abóbora e alguma verdura. O jantar era servido por volta das 14h e ao fim da tarde todos eram contados e levados para a senzala onde recebiam uma cuia com canjica doce e um pedaço de rapadura, para depois irem descansar para a longa rotina do dia seguinte.
A jornada diária do negro escravizado não se restringia somente a trabalhar, comer e dormir. Havia uma série de castigos físicos ou tortura que eram aplicados aos cativos que de acordo com os estatutos senhoriais da casa grande haviam quebrado as regras de bom cativo. Nas fazendas haviam estruturas voltadas exclusivamente para o suplício dos escravizados como gargantilhas, máscaras de ferro, troncos, pelourinhos para açoites, empalhamentos, caixão da tortura, balcão da tortura, estripador de seios, roda da tortura, serra para cortar ao meio, castração, quebra dos dentes à marteladas, marcas de ferro em brasa, mutilações, estupros de negras escravas, untar o corpo negro com mel e deixa-lo amarrado ao relento para que fosse picado por insetos.
O açoitamento no pelourinho em praça pública era um evento aberto a toda a comunidade. O dia, hora e local eram anunciados com antecedência, e para o qual a população acorria deleitada em prazer para assistir ao espetyáculo de horror. A cada chibatada nas costas do escravo açoitado a plateia branca delirava e vibrava, pedindo que o castigo fosse aplicado com mais energia, com mais força, se possível até mata-lo. O clima era de puro êxtase, enquanto que a cada chibatada do carrasco o sangue escorria em profusão pelas costas do supliciado.
Na colônia havia também os escravos de ganhos. As mulheres negras escravizadas que exerciam este tipo de atividade eram chamadas de “ganhadeiras”. A atividade consistia em prover o escravizado com produtos ou então mão de obra para serviços, que eram remunerados e semanalmente o valor combinado era entregue ao senhor de escravos. Era comum nas cidades da época colonial ver mulheres vendendo todo tipo de frutas, verduras, leite, condimentos, bordados e toda a sorte de produtos que fosse possível. Os homens também realizavam a mesma atividade e muitos eram prestadores de serviços requisitados como ferreiros, carpinteiros e pedreiros. Alguns desses ganhadceiros e ganhadeiras conseguiram comprar suas alforrias e retornar ao Continente Africano, onde eram chamados de “Águdá”, ou seja, aquele que retornou. Esse contingente que retornou foi responsável por grandes benfeitorias quando chegaram e implantaram tecnologias simples que melhoraram em muito a condição da população local. Muitos enriqueceram e se tornaram referência literária como o livro de Antônio Olinto “A Casa da Água”, onde uma agudá que detinha a tecnologia necessária para a construção de poços que aprendeu no Brasil, passa a vender água para a população local e enriquece com a atividade comercial, utilizando também a expertise quer adquiriu como ganhadeira na colônia brasileira.
Hoje no Golfo do Benim, Togo e Nigéria existe uma imensa comunidade de descendentes dos primeiros agudás que retornaram do Brasil ou então de comerciantes da Bagia que foram para a África investir em novos empreendimentos. São famílias influentes e cujos sobrenomes são mantidos até os dias atuais como Silva, Souza, Oliveira, Ferreira entre outros. O pesquisador Milton Guran escreveu um excente livro sobre a saga dos agudás denominado “Agudás – os “brasileiros do Benim”, que serve como referência para estudos, onde mostra que alguns valores brasileiros são utilizados até os dias atuais naquela região do Continente Africano como a Festa do Senhor do Bonfim, o Bumba meu
Boi, Desfile de Carnaval e tradições como os cumprimentos sonoros como: “Oi, bom dia, como passou”? e a resposta é sempre “Bem, “brigado”.
A história do povo negro no Brasil, principalmente no período colonial é vinculada à escravidão passiva, sendo que desde a chegada do primeiro navio negreiro sempre houve resistência por parte dos escravizados. O arcabouço de lutas e revoltas antirracistas e antiescravidão é enorme. A empresa colonial sempre sofreu perdas significativas com as rebeliões e movimentos quilombistas em solo brasileiro. A disseminação de quilombos em todo o país constituiu uma força guerreira impressionante, com destaque para o Quilombo do Palmares, na Serra da Barriga, onde hoje situa-se o Estado de Alagoas. Segundo dados censitários do império, Palmares chegou a abrigar cerca de 10 mil pessoas, enquanto a população brasileira, segundo Felix Contreiras Rodrigues era de 184 mil habitantes em 1660.
As revoluções na Europa também impactavam na colônia. A Revolução Industrial causou uma enorme transformação nos modos de produção da economia global, enquanto que a Revolução Francesa demoliu o modelo aristocrático e instaurou a república tendo como referência a Queda da Bastilha.
As duas revoluções geraram efeitos em duas direções diferentes mas que no fundo eram convergentes. A Revolulção Francesa acenava com o fim da aristocracia e do feudalismo, enquanto a Revolução Industrial propunha a modernização dos modos de produção trocando a mao de obra escrava por máquinas à vapor e outros engenhos mecânicos afins. A possibilidade de uma nova nação sem escravos e sem senhores acendeu as esperanças de setores da população escravizada, principalmente os setores islamizados, que impulsionaram os debates sobre liberdade que culminaram na “Revolta dos Malês” no ano de 1835 na cidade de Salvador na Bahia. A rebelião com cerca de 500 escravizados saiu pelas de Salvador convocando outros cativos para se juntarem ao movimento revolucionário. Enquanto as revoltas escravas se multiplicavam pelo país o movimento abolicionista crescia a olhos vistos, com lideranças como Joaquim Nabuco, André Rebouças, Maria Firmina, Luiz Gama, José do Patrocínio, Castro Alves e outros representantes do movimento que lutavam árduamente pelo fim da escravidão. Com a Revolução Industrial prosperando, a política i ndustrial do Brasil começou a da r seus primeiros passos nos setores urbanos com a instalação de fábricas onde os pequenos prestadores de serviços e artesãos optaram em garantir um trabalho assalariado. O fluxo migratório de portugueses para a colônia aumentou consideravelmente e novos empreendimentos surgiam para alterar o cenário colonial.
Enquanto essas transformações aconteciam a Inglaterra iniciou um vigoroso combate ao tráfico negreiro, pressionando o Brasil para por fim à escravidão. O parlamento brasileiro promulgou a Lei Feijó em 07 de novembro de 1831 que proibia o tráfico de africanos escravizados para o Brasil, que constatada a condição de cativos seriam declarados livres a partir daquela data. A lei ficou sendo conhecida como “lei para Inglês ver”, pois ninguém a respeitava, nem mesmo o estado brasileiro.
Em 1845 o parlamento inglês promulgou a Lei Bill Aberdeen que iniciou o patrulhamento do Atlântico pela marinha inglesa, apreendendo qualquer navio que participasse do tráfico de seres humanos escravizados, libertando os africanos escravizados e punindo toda a tripulação.
O governo brasileiro continuou recebendo pressões da Inglaterra e em 04 de setembro de 1850 promulgou a Lei Eusébio de Queiroz que proibia definitivamente a importação de africanos escravizados para o Brasil. As pressões não diminuíam pois o comércio de escravos era a atividade econômica mais rentável da colônia. O parlamento brasileiro era
composto em sua grande maioria por senhores de escravos que não imaginavam como poderiam manter seus estilos de vida sem a mão de obra escrava.
Em 28 de setembro de 1871 foi promulgada a Lei Rio Branco ou Lei do Ventre Livre, que decretou o fim do nascimento de escravos no Brasil. A partir daquele dia nenhuma pessoa que nascesse no em solo brasileiro poderia ser escravizada. Apesar dos avanços no marco jurídico sobre o regime escravista, as pressões se intensificavam, pois, o Brasil era o único país da s Américas a manter a escravidão ativa.
Em 1882 ocorreu o primeiro censo demográfico brasileiro que apontou que a população negra correspondia a apenas 15% da população geral. A população brasileira era constituída de 9. 930.478 pessoas enquanto qaue a população negra significava 1.510.806 escravos e 8.419.672 de pessoas livres. Esse foi o primeiro grande impacto gerado pela proibição do tráfico transatlântico, escravos sexagenários livres e o fim de nascimentos de escravos no país. Em 1884 o Banco do Brasil parou de conceder empréstimos que ofereciam escravos como garantia. Em 1885 foi promulgada pela Princesa Isabela Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, que declarava livre todo escravizado com mais de 60 anos.
O ocaso da escravidão estava em franco andamento com a elevação dos documentos de alforrias, fugas em massa e rebeliões, além das ações incansáveis do movimento abolicionista.
Finalmente sem condições de manter a escravidão em curso no Brasil, bombardeada por pressões internacionais, por estados como Ceará e o Amazonas já terem abolido a escravidão, pela força cada vez mais eficaz do movimento abolicionista e principalmente pelas sucessivas revoltas e rebeliões dos escravizados ainda remanescentes, a Princesa Isabel decretou através da Lei Áurea o fim da escravidão no Brasil.
sexta-feira, 4 de outubro de 2024
Traumas transgeracionais do povo negro
Os negros costumam se lembrar das quatro últimas gerações ancestrais. São as gerações que viveram em liberdade social.
Porém, existem outras dez gerações que não são lembradas que carregam uma herança atávica repleta de sofrimentos e traumas transgeracionais. São as gerações ancestrais vividas durante a escravidão.
A carga emocional negativa que essas gerações acumuladas nos transmitiram, podem elucidar parte da nossa melancolia, das nossas tristezas e até de um certo conformismo com os tristes fados que historicamente os sistemas eurocêntrico nos impuseram.
Por um outro lado, o positivo, fomos agraciados pela cosmovisão africana primordial, berço da humanidade e do conhecimento. Esta mesma cosmovisão que nos mostra o Ubuntu, que nos apresentou o compartilhamento e a solidariedade, nos ensinando que devemos lutar sempre e nunca nos resignarmos
A saga de Palmares não pode ser explicada em livros. Pode até ser descrita, mas nunca explicada. Ela é oriunda de uma dimensão material/espiritual, onde fé, rebelião e justiça caminham juntas.
O povo negro não é herdeiro de escravizados. O povo negro é herdeiro da cosmovisão africana que ensinou o mundo os princípios basilares da civilização. Civilização não é construir e desenvolver tecnologias somente. Civilização não é fabricar armas e equipamentos bélicos que destroem a vida fazendo a guerra. Civilização é viver de maneira afetiva e solidária, em harmonia com o universo e a natureza.
Escravizar e comercializar seres humanos não é civilização. A humanidade deveria, ao invés de invisibilizar, se envergonhar dos crimes e genocídios que cometeu no Continente Africano e na afrodiáspora.
A ancestralidade do povo negro, vem transmitindo durante centenas de anos, todas as cargas históricas que compõem o complexo e difuso mosaico de compreensões das sociedades negras atuais, que vão do “black face” aos olhares atentos e vigilantes dos seguranças dos shopping centers.
A eficiência dos sistemas divisionistas da branquitude disseminam diversionismos e gerando movimentos indidiosos entre o povo negro. O poder do apagamento da memória aliado à invisibilização programada e ao deturpamento da história, geram monstros históricos como a perseguição religiosa em uma religião que jamais invadiu outro país por motivo confessional.
O racismo não é fruto do desenvolvimento civilizatório. O racismo é a demonstração mais evidente da ignorância, da anti-cultura e da pequenez do espírito humano.
Técnicas exploratórias como a Biossimetria Ancestral surgem como um facho de luz na noite das memórias ancestrais, pescrutando úmidos e tímidos recônditos da alma negra em seus amplos espectros. Enquanto a varredura existencial segue seu curso, o povo negro vive com o que de melhor lhe legou a cosmovisão ancestral que é a resiliência, a espiritualidade e capacidade de conpartilhamento da paz, da harmonia e do amor.
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