O que essa notícia tem ver com o título do artigo? Sem qualquer tipo de ironia, quando um decreto presidencial obriga que espaços d0e poder privilegiados devam ceder 30% desses mesmos espaços para negros e negras, significa que ficará garantida por legislação a permanência de 70% de brancos nos referidos cargos. Para muitos soa como um Cavalo de Tróia no âmbito das ações afirmativas, pois, o que era dissimulado agora será escancarado.
Uma avaliação bem pueril mostrará que, segundo o IBGE, a população negra brasileira corresponde a 54% do total da população. Restam as perguntas que não querem calar: "quem foi o “gênio” que definiu 30% para negros e negras?" "Qual a explicação plausível em se garantir 70% para brancos?"
O decreto traz em seu âmago tênues sinais de justiça, mas na verdade, apenas aponta que mesmo em um governo que se diz progressista, há uma alteridade racial incrustada. Não há o que defender, se no próprio ministério do atual governo negras e negros representam menos de 20% do total de ministros e ministras da esplanada.
Se procedermos uma tosca análise histórica no campo das reparações, depois de tudo que o povo negro sofreu nesse país para gerar riqueza e poder para os brancos, o decreto deveria garantir 100% desses cargos comissionados para negros e negras, que desde 1532 estão apartados de todas as formas de promoção pessoal, intelectual, social e financeira nesse país. Nesses quase 500 anos de desventuras, desde a chegada do primeiro navio negreiro, os brancos sempre ocuparam 100% dos melhores e mais vantajosos cargos da administração pública.
A comemoração do movimento negro nesse aspecto, equivale à criança que está no sinal de trânsito esmolando e recebe uma moedinha que lhe é atirada pelas janelas dos veículos, e agradecida por isso, sai saltitando de felicidade pelas ruas.
O pacto com a branquitude continua de vento em popa. Ao dar 30% dos cargos para os negros efusivamente e garantindo 70% para os brancos no “sapatinho”, o governo evita que sejam publicados editoriais iracundos sobre a medida e ao mesmo tempo garantea láurea de promotor da “pax racial brasileira”, cumprindo assim a verve dos bons políticos que é a infinita vocação de encantar serpentes.
A política é assim, em uma jogada genial, todos ficam felizes e satisfeitos e tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. Óbvio que mudanças acontecerão. Alguns servidores negros terão um plano de saúde melhor, enviarão os filhos para a Disney, jantarão fora uma vez por semana e trocarão o Celta caidinho pelo Fiat Strada. No fundo, cá pra nós, já é alguma cois. Mas Letramento Racial na BNCC nada.
O decreto não atingirá grande amplitude no conjunto de servidores federais. A maioria dos concursados aprovados nos últimos anos nos concursos públicos é esmagadoramente branca. Será uma gota d’água no oceano, mas parafraseando Madre Teresa de Calcutá, mesmo sendo uma gota d'água no oceano, o oceano da branquitude ficará um pouquinho menor.
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