No início existia o nada e então do nada fez-se o ser negro, primeiramente a mulher negra. A mulher negra, a grande mãe primordial do universo, entregou ao mundo o homem negro, um ser lindo porém frágil e totalmente dependente do seu amor.
A inquietude natural do espírito humano fez o povo negro se espalhar pelos confins da Terra, buscando novos territórios, construindo futuros, sonhando utopias e conhecendo o desconhecido.
Enquanto caminhavam mundo afora com uma chama acesa no coração, esses grupos de africanos pioneiros foram adquirindo características fenotípicas peculiares aos climas onde se estabeleciam.
As diferenças se acentuavam na medida em que se movimentavam por diferentes ecossistemas e a principal característica de fenótipos que começou a diferenciar os habitantes do planeta foi a perda de melanina, um processo de albinismo lento e necessário posto em marcha pela natureza que visou garantir a sobrevivência dos migrantes negros em suas novas vidas. A opção em viver em territórios frios, cobertos de gelo, gerou a grande transformação que dividiria para sempre a humanidade, a pele branca sem melanina, profundamente desnecessária nós climas frios e sem grande incidência de luz solar, ou seja, o albinismo dos povos africanos deu origem ao que foi convencionado chamar de raça branca.
A ciência comprova através de diversos estudos, mecanismos e metodologias que o primeiro grupo humano surgiu no Continente Africano. Todos os seres humanos são afrodescendentes, pois de uma maneira ou de outra corre em suas veias o sangue do primeiro grupo humano africano.
Os dois grupos humanos, cada qual a sua maneira, constituiu suas culturas e seu modo de viver de acordo com suas vivências e conveniências. O crescimento da população mundial e a busca incessante por riquezas e novos territórios levou esses dois contingentes humanos a se encontrarem dezenas de milhares de anos depois.
O encontro não foi virtuoso para o povo negro. Os brancos motivados pela ambição e sede de capital e poder navegou da Europa onde viviam até o Continente Africano, dominando e conquistando os territórios negros, escravizando as populações nativas e destruindo o modo de viver daqueles povos.
O encontro deletério entre os dois grupos étnicos antagônicos gerou através de relações íntimas, consensuais ou não, um terceiro contingente que no caso do Brasil recebeu a alcunha de pardo.
A definição geral de pardo indica uma pessoa com diferentes ascendências, ou seja, multiétnicas, que são baseadas numa mistura de cores de peles principalmente entre brancos, negros e indígenas. Essa matriz indoafroibérica compreende um amplo espectro de descendentes de negros e brancos, de negros com indígenas, de branco com indígenas e de negros com indígenas.
A grande maioria dos pardos não possui referências históricas sobre a vida de seus antepassados. As sagas heroicas e comportamentais acerca da virtude, de intelectualidade, ou de conquistas nos mais diversos campos em um passado virtuoso, praticamente inexistem.
Os pardos constituem um grupo étnico que possui uma ancestralidade bastante diversificada. Uma avó branca de olhos azuis centenária aqui, um avô preto velho que mascava fumo ali. Uma tia negra rezadeira quase africana e um tio branco que gostava de jogo, bebida e mulheres.
O pardo principalmente é filho do branco e do preto, e traz consigo a contradição de dois mundos, sem sequer pertencer exclusivamente a nenhum dos dois realmente. Ao pardo foi legada essa equidistância estranha entre duas cosmovisões díspares onde um mundo mesclado pelo branco e pelo negro dentro de um caldeirão racial e antropológico gerou a complexa simbiose indoafroibérica que é o elemento humano denominado pardo.
Biologicamente o pardo é o resultado da fusão de dois mundos, duas culturas duas cosmovisões distintas, mas ao mesmo tempo é filho de mundo nenhum, é um exilado racial, pois não existe cultura parda, não existe cosmovisão parda. Existe a branquitude, a cosmovisão inequívoca do branco para a predominância e existe a negritude, a cosmovisão negra, forte e milenar, geradora da civilização humana. A cosmovisão negra tem o poder e a força transformadora de um furacão, e talvez por isso seja tão atacada pela branquitude, muito por inveja e por medo.
E onde podemos encontrar a cosmovisão do pardo? A cosmovisão do pardo é como um planeta que é atraído gravitacionalmente por duas estrelas que compõem um sistema binário. Essas duas estrelas, a branca e a negra, através do poder gravitacional de cada uma, exercem um enorme poder de atração sobre o planeta pardo simultaneamente, e o fazem coexistir em uma órbita hesitante e um tanto errática, como um cão instado a escolher entre o casal que o cria desde pequeno, para qual colo deve correr quando chamado pelos seus dois donos simultaneamente, uma escolha difícil.
O planeta pardo sente uma enorme atração pelo brilho da estrela branca. É uma estrela que controla os mecanismos de protagonismos, privilégios e poder. Ao lado dela e sob seu manto gravitacional a vida é mais segura e confortável, as grandes oportunidades são visíveis e as dificuldades sempre desaparecem. O planeta pardo tenta se aproximar sempre que pode da estrela branca, mas é repelido suavemente pela força, pelo brilho e pelos ventos solares da estrela, que de maneira inequívoca não quer correr o risco de ter seu brilho afetado e esmaecido por um corpo celeste pardo, que contenhaem sua composição a pigmentação escura das estrelas negras.
Então resta para o planeta pardo se aproximar e ser recebido pela estrela negra e seu fabuloso sistema de acolhimentos coloquiais. O planeta pardo percebe que a estrela branca com sua vocação egoísta e individual vai perdendo lentamente sua força de atração gravitacional e então entrega-se de vez ao mundo da estrela negra acolhedora, que o recebe de braços abertos em uma enorme kizomba universal.
No universo das galáxias das estrelas brancas não há espaço para os planetas pardos. São corpos celestes resultantes de mestiçagens consideradas ineficientes e sem brilho pelas estrelas brancas. Essas estrelas brancas porém, costumam utilizar os planetas pardos como uma barreira espacial para evitar qualquer tipo de contato com estrelas negras. Os planetas pardos nesses casos, servem como anteparos do colorismo para evitar a aproximação, a convivência e a ascensão de possíveis estrelas negras ao olimpo estelar.
O planeta pardo passa a viver em seu espaço/tempo viajando entre esses dois mundos no incomensurável espaço estelar.
Com a compreensão de que as estrelas brancas querem se utilizar dele para impedir o empoderamento das estrelas negras, passa a conviver e aceitar a cosmovisão negra, admitir sua ancestralidade, passando a viver na gigante e acolhedora cosmovisão do Orum.
Apesar de se sentir acolhido na constelação das estrelas negras, o planeta pardo sabe que não é totalmente negro em sua constituição, em sua gênese primordial. No fundo sempre será observado pelas estrelas negras com reservas, até com.certa desconfiança, pois, há componente das estrelas brancas correndo em seus rios, mares e florestas. Não há o que fazer nesse aspecto, e assim o planeta pardo segue em sua existência confusa e difusa combinada em um universo preto e branco, com suas leis e códigos estelares bicolores, um pé em cada canoa.
O planeta pardo vive em seu eterno conflito existencial no complexo tecido do espaço/tempo, que é onde vive. Parece um eclipse permanente e imanente, pois é o resultado de um choque geracional, da dualidade entre o preto e o branco e a impossibilidade do coexistir naturalmente entre esses dois mundos
Planeta pardos são como astros errantes no universo infinito da vida. Sabem possuir o branco em sua composição primordial, mas pertencem exclusivamente ao espectro magnético das estrelas negras. No complexo tabuleiro das relações raciais a cosmovisão branca, a débil branquitude, se utiliza dos planetas pardos como peões de sacrifício para desgastar e enfraquecer as estrelas negras em um jogo de atração denominado colorismo. As estrelas negras conscientes de suas poderosas magnitudes apenas observam a insegura corte insidiosa sobre os planetas pardos que sabem ser passageira, como a fugaz passagem dos cometas e asteróides que rasgam os céus do infinito.
No fundo os pardos tão despigmentados e semialbínicos, sobrevivem espremidos pelas suas ancestralidades antagônicas, desconhecem os limites das fronteiras étnicas que os compõem e em muitos casos, como borderlines raciais, renegam ambos os mundos em ataques de pânico e desespero: um e outro mundo, negro e branco.
Terminam por utilizar o único elevador social que lhes é permitido, aquele do mundo de Alice no País das Maravilhas, onde quando se pensa que está em cima está embaixo e quando se pensa que está embaixo está em cima, e mais ainda, nada é como deveria ser e nada está como deveria estar.
Já no elevador social dos apartamentos da burguesia ele não pode subir, pois são espaços privativos da branquitude. Sempre há uma ou outra exceção, mas a regra geral é o interdito e a repulsa.
A branquitude não cansa de ser ridícula em seus sistemas de segregação. Um dos maiores exemplos disso é assistirmos a um padeiro espanhol branco, desempregado e passando por dificuldades econômicas, ir ao estádio de futebol ironizar e ofender um jogador negro de futebol, chamando-o de macaco e fazendo gestualidades próprias dos símios. O detalhe é que o jogador negro é riquíssimo e recebe um salário milionário, possuindo diversos carros de alto luxo na garagem de sua mansão nos bairros mais nobre das cidades espanholas. O que faz um operário branco, desempregado, famélico agir desta maneira irracional e idiota? Certamente a falsa crença que por possuir menos melanina na pele é superior ao outro que é portador de mais melanina. Ao chamar o não-branco de macaco, demonstra profunda ignorância de diversas maneiras, como ser humano pregando o racismo, como ser cultural que desconhece a origem das espécies, pois ele mesmo é um afrodescendente de acordo com a comprovação da ciência, que comprova de maneira irrefutável que a humanidade surgiu no continente africano.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, a PNAD Contínua do IBGE de 2022 aponta que no Brasil a composição racial tem os seguintes indicadores: pardos 45,3%, brancos 42,8% e pretos 10,6%. Esses dados apesar de serem oficiais, não representam a realidade, pois o critério do IBGE utilizado para o levantamento da composição racial junto à população é o sistema de auto declaração, onde o entrevistado diz qual é a sua cor, ou seja, a qual grupo ético pertence. O grande problema na metodologia de auto declaração é que a identificação acontece por meio de critérios subjetivos por parte dos entrevistados, que por pequenos detalhes oriundos da adaptação climática se declaram brancos como na verdade são pardos.
O colorismo é um conjunto de subjetividades oportunistas que altera de acordo com as situações apresentadas pela branquitude, os pardos em brancos.
Se fossemos considerar que a declaração raça/cor passasse a ser apontada na pesquisa por pessoal qualificado em heteroidenficação o coeficiente dos entrevistados pardos poderia saltar para mais de 60% da população. Os indicadores são gritantes e evidentes quando apontam que o contingente pardo da população é representado como um planeta gravitando em um sistema de estrelas binárias, quando na verdade é um grande planeta com duas luas, uma negra e outra branca, que giram em torno de seu eixo gravitacional. Quando adotamos a teoria de que possuir uma gota de sangue negro passa a ser considerado negro, a raça branca praticamente deixa de existir no Brasil.
A branquitude é um sistema tão poderoso e eficiente que convence a grande maioria parda a não ser negra enquanto que ao mesmo tempo a faz se sentir inferior e dependente do contingente branco, realizando cooptações oportunistas que fortalecem suas estratégias enquanto grupo social predominante.
O sistema racial brasileiro é complexo e emocional ao extremo. Existe uma intensa e silenciosa movimentação entre os três contingentes étnicos, cada um buscando seus interesses, seguranças e oportunidades, de acordo com as estratégias miméticas contidas no grande jogo do tabuleiro racial. Existem pretos se dizendo pardos e pardos se dizendo pretos ou brancos. O que não se encontra de forma alguma nessa grande feijoada racial 8nterppsnetária é o branco abrindo mão de seus privilégios de maneira voluntária e se dizendo orgulhoso em ser preto ou pardo.
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