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Eu Negro

sábado, 13 de maio de 2023

O Colorismo Racial Brasileiro

O colorismo racial refere-se à discriminação e à preferência por pessoas com base em sua tonalidade de pele, geralmente dentro da mesma raça ou etnia. O colorismo pode ser percebido em diferentes contextos sociais, desde as relações interpessoais até as políticas públicas e as mídias. A preferência por pessoas mais claras de um mesmo grupo racial. Em outras palavras, a discriminação não é baseada na raça em si, mas na cor da pele dentro dessa raça. É comum que as pessoas mais claras de um grupo racial sejam valorizadas no sentido de terem mais oportunidades e serem vistas como mais atraentes e inteligentes, enquanto as pessoas mais escuras sofrem discriminação e são vistas como menos atraentes e menos inteligentes. Esse fenômeno é comum em todo o mundo e pode ser observado em diferentes culturas e grupos raciais. O colorismo racial é uma forma insidiosa de preconceito que pode contribuir para a desigualdade social e prejudicar a autoestima e o bem-estar emocional das pessoas que são alvo dessa discriminação.
O colorismo no âmbito da população negra funciona como um instrumento ideológico de assimilação, controle, cooptação e anti insurrecional. O capitalismo utiliza esse mecanismo diuturnamente contra a organização da população negra, visando seu controle e consolidando sua política de opressão.
E o sábio griot africano disse: “Os brancos chegaram em seus barcos que traziam a cruz de Cristo nas velas. Também trouxeram a Bíblia Sagrada e nos ensinaram a rezar de olhos fechados.
Nós tínhamos a terra, toda a terra, uma imensidão de terras. E então começamos a rezar com os olhos fechados. Quando finalmente abrimos os olhos, tínhamos então a Bíblia Sagrada e os brancos a terra.”
Assim começa a história do colorismo. Com os brancos convencendo os negros que o Filho de Deus é branco e sacrificou a própria vida para salvar a humanidade. Todos os santos mártires eram brancos e finalmente Deus também é branco. A ideia da divindade branca não considerou ao menos o sincretismo. O continente africano possuía sua própria cultura, sua própria religiosidade, seus deuses, seus orixás e o culto aos orixás.
Os brancos chegaram em suas embarcações trazendo um livro que diziam conter a salvação e através dele e em nome dele se apoderou de nossas terras com todas as riquezas contidas nelas e escravizou nosso povo.
Os brancos trouxeram tristezas e desgraças. Levou nosso povo embora em seus barcos, acorrentados nos porões de seus barcos, os pérfidos navios negreiros, transportadores de carga humana negra, escravizada até a morte para construir outras nações para os brancos que nos convenceram que aquele livro que contava a estória de um carpinteiro crucificado era a nossa salvação. Nós éramos 90% e eles 10% mas mesmo assim nos controlaram e nos dividiram em 10 partes de 9% e aos poucos, lentamente, os 10% passaram a controlar e comandar todos os 9%, fazendo-os inimigos uns dos outros, estimulando a sedição, as guerras tribais, o ódio e a morte.
Então o continente africano foi dividido pelos brancos entre eles próprios, que nós considerava bárbaros, povos bárbaros e selvagens. Através da Bíblia Sagrada e do Cristianismo, em nome deles, nos impuseram outras culturas, outros deuses, outras religiões e até outro jeito de amar.
Os brancos trouxeram em seus barcos o egoísmo. A propriedade privada individual, o fim do coletivo, pulverizando o umbuntu, onde tudo é de todos e todos somos um. Os brancos também transformaram nossa relação com a mãe natureza. Passou a destruí-la e levá-la embora em suas embarcações. A terra, nossa mãe terra, era violada, revolvida, escavada na busca insana por metais e pedras que constituíam riqueza e poder no mundo dos brancos, do outro lado do oceano.
Eles nos dividiram para que pudessem reinar, comandar e nos escravizar. Com a Bíblia Sagrada e outro modo de vida transformou a alegria em tristeza, o coletivo em individual, o compartilhamento em egoísmo e a liberdade em escravidão.
Os brancos nos aprisionaram em suas masmorras. Nos impuseram os mais duros castigos e violentaram nossas mulheres.Aprisionaram e venderam nossos filhos como escravos, pulverizaram nossa ancestralidade e sempre com a Bíblia Sagrada à frente, em nome do Filho de Deus branco, nos ensinou a nos dividir, a lutar entre nós mesmos, nos separar por pequenas diferenças, nos transformar em mensageiros das tormentas para então poder nos oprimir e nos escravizar em paz.
O branco considera o negro da pele preta, retinta, um fruto dileto e legítimo do amor mais puro entre duas pessoas negras. Enquanto que para o branco, o pardo é a mais direta representação do pecado, o fruto do pecado gerado pela lascívia da carne e do hedonismo sensorial que compõem o imaginário coletivo do universo afetivo entre brancos e negros.
O pardo é o fruto do pecado moral oriundo da cópula entre duas dimensões raciais e sexuais inconciliáveis. Os negros para os brancos são os filhos de Cam, os renegados por Deus e portanto não devem copular com brancos, pois assim causam a degeneração da raça adâmica. Nascer pardo é uma condição estranha de estar emparedado entre dois mundos que não o aceitam. Um pela degeneração racial e outro pela subjetividade existencial. Sim, subjetividade, pois, para o negro retinto o pardo pode ser um oportunista racial por conter componentes ibéricos em sua constituição racial.
O pardo se mantém atirado nos paredões do destino desses dois mundos, mesmo que amando os dois, nunca será reconhecido como parte dos dois. Ao nascer portando sangue negro já traz consigo o estigma da rejeição e por trazer sangue branco desperta entre os prováveis seus o alerta da competição desigual entre os desiguais.
O estigma da rejeição é o sinal que a civilização emite para o pardo invasor de etnias. Se a mulher é branca e o homem é negro o pardo é fruto de uma relação sodomizada e se o homem é branco e a mulher é negra o pardo é o resultado de uma relação de cama e mesa. Então se torna uma existência pária, de merda, onde não há o peito amigo de irmão de raça que ofereça acolhimento. O pardo na verdade é considerado um trânsfuga interétnico, uma falha atávica ou um processo natural de albinismo enviesado.
O capitalismo no intuito de controlar a maioria através de sua minoria, propõe uma parceria subjetiva através da construção de um espaço de tolerância subrreptício entre seus mecanismos de controle e opressão e os negros mais miscigenados. Esse contingente de pardos, que são mais de 40% de nossa composição demográfica, ou seja, 90 milhões de seres humanos, constituem o ponto de inflexão necessário para o estabelecimento da aliança interracial que estabelece a política da pigmentocracia, onde quanto menos retinta a pele mais benefícios podem ser alcançados por esse contingente étnico construído.
Ao consolidar a aliança com os pardos, o capitalismo opera intensamente através do materialismo dialético, gerando campos de progressão social antes sempre vedados aos negros retintos, enquanto que ao mesmo tempo despeja água fria no caldeirão racial que ameaçava entrar em ebulição.
 Não existe um meio branco mas existe o meio negro. Aquela estória do copo meio cheio ou meio vazio. No nosso caso o corpo meio cheio ou meio vazio de melanina define a alteridade social que a pessoa irá viver.
A pigmentocracia é mais conhecida como colorismo racial, ou simplesmente colorismo. Foi um termo cunhado em 1982 pela escritora norte-americana Alice Walker, em seu livro “In Search of Our Mothers’ Gardens”. O termo se refere à discriminação ou preferência no benefício ou preterimento de indivíduos referenciada na cor da pele. O colorismo é um tipo de racismo refinado onde negros de pele mais clara, fruto da miscigenação com a etnia branca, ou pardos, como são chamados, se tornam beneficiários dos restolhos sociais e econômicos que os brancos atiram no chão a partir do banquete antropológico da branquitude.
O processo é perverso, pois cria um cenário de transformação fenotipica com a utilização de processos químicos para alisamento de cabelos, cirurgias para afilamento de varizes e lábios e talvez o mais cruel que é o abandono da ancestralidade africana em detrimento de uma descendência europeia amaldiçoada e rejeitada pelos caucasianos. Os pardos beneficiados pelo colorismo se contentam com as migalhas que lhes são atiradas pela burguesia branca. O contentamento precisa ser visível, para que assim possam comprovar, que através de um machado epistemológico, cortaram para sempre as raízes de suas ancestralidades africanas.
Obviamente que a raça negra é o centro da autofagia colorista, pois é o grande centro emulador da rebelião. O processo ideológico do colorismo visa além dos cabelos alisados e lentes de contato verdes, a adoção de comportamentos culturaus alienígenas, onde a rejeição aos seus iguais passa a constituir um mosaico difuso, caótico e desagregador. Dessa maneira o capitalismo reproduz a mesma ideologia do colonialismo com os requintes das características diaspóricas.
No continente africano as mulheres utilizam cremes clareadores de pele, destarte a carga cancerígena que carregam. Na diáspora as mulheres negras beneficiadas pelo colorismo já possuem a pele mais clara, mas repetindo, se submetem a procedimentos cirúrgicos estéticos para se aproximarem ainda mais dos ideais da branquitude.
Talvez a face mais eficiente do racismo seja aquela que faz o negro não se amar. Além de eficiente é perversa pois causa tristeza e dor. É um remédio amargo que adoece em vez de curar nossas feridas ancestrais.
Ao não se amar por estar se referenciando em matrizes caucasuanas o negro destrói através dos tempos seu próprio ethos constitutivo, desamando a si e à sua comunidade negra.
É um processo violento pois passa por duas grandes calamidades antropológicas. A primeira é o corte epistemológico que ocorreu na sua ancestralidade genealógica, quando suas origens foram perdidas pela escravidão. O negro não sabe onde está a aldeia dos seus antepassados, não pode cantar as canções de glória e vitórias de seus antepassados. É um filho do nada, de uma África gigante com 54 países e centenas ou milhares de etnias, línguas e culturas. O negro jamais saberá de onde vieram seus ancestrais, é um ser sem passado ancestral definido. Por isso todos se referem ao continente africano de uma maneira geral, pois não conhecem a aldeia de onde seus ancestrais são originários. Está é a primeira violência, a retirada da origem, o apagamento do passado. Os italianos, alemães e japoneses, por exemplo, comemoram suas datas especiais, com canções e culinárias de suas aldeias. Comemoram seus ancestrais pioneiros e dançam alegres em homenagem ao passado. Ao negro não foi permitido esse tipo de comemoração. Restou-lhe uma África multifaceada para cultuar, é isso ou nada.
A segunda violência que o negro sofre é seu enquadramento em um modelo social onde ele sempre será a possibilidade de um crime, de uma ilicitude ou então de subcidadania. O negro ao nascer traz no verso da certidão de nascimento o carimbo de incapaz selado pela branquitude. Passará o resto da vida sendo vigiado pelos olhares sempre atentos dos brancos. Pode ser um menino negro no sinal, um pedinte nas ruas, um negro em situação de miserabilidade, sempre serão olhados com desconfiança. Mesmo os negros integrados social e economicamente ao modelo social vigente, sofrem discriminação nas portas de entradas dos bancos, nos embarques de aeroportos e nas blitzes policiais nas ruas das cidades.
O sistema capitalista e o racismo estrutural são cruéis com o povo negro. Por isso a grande maioria não quer ser parte desse drama existencial. Preferem aderir à branquitude mesmo que de maneira canhestra e às vezes até caricata quando alisam e pintam os cabelos de loiros e usam lentes de contato verdes ou azuis.
A utilização de terno e gravata é uma forma de capitulação ao modelo amalgamado pela branquitude. A negação às raízes culturais africanas em prol de um modo de cultura europeu, demonstra que a branquitude é mais forte que a ancestralidade. Óbvio que existem bolsões de resistência geralmente ligados ao movimento social negro organizado. Porém não refletem a grande maioria da população negra nacional.
Essas violações que o negro sofre desde o útero de sua mãe, fará com que se torne um ser inquieto e só mesmo tempo soturno, pois sabe muito bem que a sociedade não lhe ama, pelo contrário, a sociedade vigia seus movimentos.
O colorismo trabalha com essa inconsistência emocional do negro e procura se aproveitar da situação, tanto na continuação da opressão sobre os negros retintos como na cooptação dos pardos em um movimento ideológico de constituição de maioria demográfica voltado para a consolidação do poder político e também como construção de uma força contrarrevolucionária de opressão à minoria retinta.
O movimento ideológico do colorismo visa a fragmentação do povo negro. A branquitude repete o mesmo modelo colonial empregado em África e nas colônias onde eram minoria e para controlar a maioria precisavam dividir para reinar.
O colorismo é um grande malefício engendrado no seio da comunidade negra. Assim como foi feito na comunidade negra dos Estados Unidos quando o movimento dos Panteras Negras teve seu apogeu. A branquitude injetou drogas na comunidade negra visando seu enfraquecimento e por conseguinte conseguir atingir o controle absoluto que os Panteras Negras tinham da vida comunitária do povo negro.
Os negros precisam se organizar como não brancos, independente da cor da pele. Se não é branco, branco não é, então é negro. Negro faz luta de negro, pois o branco não precisa fazer luta racial na medida em que se tornou o padrão, o paradigma civilizatório de ser humano. Querendo ou não ainda sofremos os efeitos da bula papal “Dum diversas” de 1452, que nos considerou seres sem alma, brutos, bárbaros, gentios, pagãos e inimigos de Cristo.
Precisamos lutar juntos como fazemos todos os dias. O branco acorda e vai viver sua vida, enquanto que o negro acorda e precisa lutar contra o racismo todos os dias. Se não é uma condenação é uma expiação, pois a luta é eterna, até o fim da vida.
Vamos varrer de nossas vidas de negros e negras esse embuste denominado colorismo. Junto com outros grupos humanos como indígenas e asiáticos, coexistem brancos e negros. Branco é branco e negro é negro, o resto é pura imaginação capitalista.

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