sexta-feira, 31 de janeiro de 2025
LUIZ GAMA, O SPARTACUS BRASILEIRO
quarta-feira, 29 de janeiro de 2025
Não provoque, é cor de rosa-choque.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2025
quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Os Cavaleiros do Apocalipse
segunda-feira, 20 de janeiro de 2025
Aniversário da Ala de Compositores da Mangueira no Palácio do Samba
terça-feira, 14 de janeiro de 2025
Dostoiévski passeando nas estrelas
sábado, 11 de janeiro de 2025
Um amor que nasceu nas estrelas
Todos os dias ele sentava-se sob a marquise do velho armazém abandonado, no antigo cais, atualmente um porto seco. Ficava ali cismando, absorto, imaginando como teria sido o provável vai e vem das embarcações, hoje barcos fantasmas, que não existem mais e pouco se importam com os vendavais. Alguns o diziam louco, outros um pensador refinado de um tempo perdido, como Diógenes de Sinope. Talvez fosse um viajante do tempo, um ser metafísico oriundo de épocas imemoriais. Chamava atenção pelo fiel cão caramelo, sempre vigilante e atento ao seu lado, cuidando para que alguém nunca pudesse roubá-lo de si. Havia se tornado um andarilho de cidades, litorais e sertões, sempre procurando sabe-se lá o quê, sob o sol cáustico da caatinga ou no inverno rigoroso e úmido das cidades sulistas. Ultimamente andava refletindo sobre a criação, sobre o surgimento da vida no planeta. Quando teria sido o momento do início de tudo? a centelha primordial que sublimou Carbono, Oxigênio, Nitrogênio, Fósforo e Enxofre, gerando as primeiras células e cianobactérias, os primeiros aminoácidos, as organelas e mitocôndrias que conduziram a energia necessária para que as primeiras formas de vida surgissem.
A estória deles começou quando certa vez ouviu da parte dela, em um desses misteriosos encontros de almas no parque da cidade, ela discorrer sobre como todos esses elementos vieram do espaço profundo, para formar a base de tudo que existe aqui na Terra. Durante milhões de anos a simbiose entre esses elementos foram criando as condições necessárias para o surgimento da vida. A mulher mostrou para ele um universo fantástico, desenhando com a ponta dos dedos em um quadro imaginário e suspenso no ar, a dança relativística existente no cosmo, entre nebulosas e seus berçários de estrelas e a formação de sistemas solares pela imensidão do universo. Falava do colapso das estrelas gigantes vermelhas, das explosões das supernovas e da energia absurda e brilhante dos pulsares. Desenhava delirantemente, como se os braços e o corpo estivessem regendo em uníssono o balé primordial da vida. Uma sinfonia ora relativística e pagã, ora criacionista e divina, sob a batuta de um ser imanente, universal. Encantada ela viajava entregue aos mundos imperscrutáveis e distantes, onde residem o tudo e o nada, o inimaginavelmente grande e o reduzidíssimo e assombroso mundo quântico.
Enquanto explanava sobre gênese da vida, praticamente em transe, a mulher de modo arfante e extasiante, mostrava como esses colapsos estelares trouxeram os elementos saídos em jorro das explosões nucleares, ocorridas no coração das estrelas. Esse material em estado caótico, cumpria então uma incrível jornada de bilhões de anos através das temidas e gélidas noites do universo, chegando em forma de poeira estelar até nosso planeta e a partir desse encontro gerar a vida, rara e exuberante que vemos hoje em dia. Somos poeira de estrelas! O cálcio dos nossos ossos e dentes! O ferro do nosso sangue! O carbono de nossa estrutura! Tudo veio do interior das estrelas. Sim, somos filhas e filhos das estrelas! Por isso nossos olhos brilham! Por isso sonhamos com elas e lhes admiramos, dedicando-lhes poesias nas noites de céu cintilante, onde vaidosas estrelas brilham com todo o esplendor, como que dizendo para os humanos, seus filhos: "vejam como brilhamos! Brilhem conosco também!" Como é fantástica toda esta criação!
Depois desse encontro mágico ele nunca mais se esqueceu dela. Como poderia! Ela era intensa como um rio caudaloso que a tudo arrasta, avançando sobre as margens, beijando e cobrindo com energia as terras virgens dos vales verdejantes. Sim, era uma mulher das estrelas. Nunca mais a viu. Mas as narrativas pulsantes que ela lhe transmitiu deixaram marcas que ficaram para sempre em seu coração.
Seu nome ninguém sabia, era visto como um eremita que abriu mão dos bens materiais e dos prazeres mundanos para mergulhar no oceano de interrogações que é nossa própria existência, a existência dos humanos cercada de alegrias e decepções. Qual será o propósito de existirmos? Qual a finalidade? Por que tantos sentimentos? Hábitos e transmissões atávicas? Qual o sentido da vida? Por que estamos aqui?
Vivendo essas interrogações passou cada vez mais a visitar o mundo quântico. Um território inóspito e desconcertante, onde a metafísica se curva ao desconhecido e o brilhantismo das teorias mais brilhantes da Física simplesmente desaparecem, diante dos enigmas indecifráveis e fantasmagóricos que se apresentam no mundo subatômico.
Ouviu certa vez que ao começar a beber o vinho no copo das ciências sociais, o observador torna-se ateu. Mas no fim do líquido, Deus o estará esperando no fundo do copo. Por isso recolheu-se em silêncio, procurando um sentido para o porquê de caminhar nas areias da praia deserta recolhendo seixos lhe dava tanto prazer. Como compreender a complexidade da alma humana com suas contradições e enigmas? Para que isso tudo para um período de tempo tão ínfimo e curto que é o da vida humana no planeta?
Naquele cais seco onde sentava-se diariamente, geralmente no mesmo horário, podia ouvir o som de uma sonata ao piano. Sonata linda e melancólica, que fluía de uma pequena edícula cercada por um gramado bem aparado e de um verde vivo. A edificação estava com as janelas entreabertas, onde podia-se observar o esmero do feng shui e o bom gosto de quem habitava aquele espaço bucólico. Como saído de um transe decidiu sair pelo mundo e quem sabe nunca mais retornar àquela cidade. Porém ao voltar-se para contemplar a edícula pela última vez, pode ver através da cortina de tule os olhos brilhantes da mulher das estrelas que tanto o havia encantado, que surpresa!
Através da ilusão da transparência do tule, ela observava curiosa o modo dele caminhar. Era um andar que indicava certa fragilidade, falso desequilíbrio e ao mesmo tempo suavidade. Coisa de quem já correu mundo, correu as sete freguesias, como dizia sua amada avó. A roupa era um pouco desleixada mas limpa, a barba por fazer e os primeiros grisalhos aflorando à têmpora conferiam-lhe um certo charme de homem vivido que conhece a estrada da vida e seus atalhos.
A doçura da sonata inundava o ambiente despertando um ar nostálgico e sentimental. Não quis se aproximar muito dele, mesmo quando lhe contou sobre as atividades nos ventres das estrelas. Leu em seus olhos a natureza selvagem e fugaz de seus sentimentos. Viu também que ele possuía a necessidade incansável de descobrir o sentido para estar aqui nesse planeta, fazendo parte da imensidão cósmica como um milimétrico grão de carbono. Sentiu que ele não era afeito às interações sociais. Lembrou de Schopenhauer que dizia haver um vazio de interações sociais no âmago de pessoas possuidores de altas habilidades ou bastante intelectualizadas. Essas pessoas costumam se fechar para as convenções sociais e seus mais diversos agrupamentos humanos.
Talvez valesse à pena iniciar um flerte suave ou até um namoro com ele. Mas a preguiça e o cansaço de ter que lidar com o complexo universo masculino tirava-lhe o incentivo.
Aprendeu desde cedo que o reino dos cromossomos Y, a gênese do patriarcado, é voltado para a competição, para a guerra e para o domínio. Sorriu ao comparar esse estado de espírito ao Princípio da Incerteza do alemão Heisenberg, nesse caso demonstrando que quanto mais avaliava o estranho homem menos o conhecia. Sentia um profundo desapontamento ao imaginar um homem chegando embriagado, reclamando da vida, espalhando roupas sujas pela casa e sujando tudo por onde passasse como um animal fugido da chuva. Não, sua paz sempre foi a paz das montanhas, do verde, da natura, da meditação, dos florais, mantras e cristais. Amava deitar sobre os lençóis de linho perfumados e sedosos como seu corpo. Seu travesseiro de plumas acariciava sua cabeça mostrando que a leveza da vida é individual e egoísta. Cada detalhe da casa lhe remetia a um momento da vida. As xícaras que ganhou da tia que viveu no sul, o edredom da amiga de universidade, o jogo de panelas que ganhou da mãe e uma foto amarelada pelo tempo de um jovem empertigado que foi o pai que não conheceu pessoalmente. Tudo em seu devido lugar, sem um grão de poeira, onde suas lembranças vivas serviam como um diário iconográfico existencialista, que lhe acompanhavam curiosas pela casa, por todos os cantos de todos os aposentos.
Não torcia para ter um homem em seu santuário que era o seu lar. Não queria um macho cheirando e vasculhando seus alfarrábios e tesouros ou mudando os suas teteias de lugar. Certamente ele colocaria suas lembranças alienígenas e rudes junto das suas tão delicadas, que se assustariam horrorizadas com as atitudes brutas e deselegantes dos objetos do estranho. Uma garrafa de aguardente aqui, um pacote de fumo de rolo acolá e um punhal com cabo de madrepérola em algum canto. Isso era demais para quem vive a solitude da vida solo, em paz e integrada com a natureza.
Observava através do tule branco o caminhar daquele homem estranho se afastando lentamente. Sentiu que suas lembranças emitiram suspiros de alívio ao saberem que tudo continuaria na normalidade de sempre. Mas e o coração? Ah! O coração! Esse moço vadio e travesso, sensível e carnavalesco, profano e indecifrável.
Sim, coração de mulher é território que homem desconhece e pensa que conquista. Lembrou-se da tia que dizia que enquanto o homem ia com a farinha a mulher já voltava com o pão de queijo assado. Os homens jamais decifrarão um coração de mulher. Podem até tê-lo por algum tempo, mas é como uma vitória ilusória, quando se pensa que ganhou já perdeu. Mulher é ser quadrifônico e homem é mono ou no máximo estéreo. Enquanto o homem vive o samba de uma nota só a mulher nos inunda com sua sinfonia universal, pois carrega dentro si o dom da vida. Ela traz a determinação das estrelas em manter acesa a chama da vida humana no universo, a mulher é a representação viva do universo, toda mulher é uma estrela.
Enquanto divagava mantinha o olhar naquele homem que caminhava desajeitado com os cotovelos balançando como se fosse movido a remos invisíveis. A absoluta ausência de pressa no caminhar e seu provável alheamento aos sistemas mundanos do cotidiano exerciam um certo fascínio sobre ela, que sentia um frisson lhe percorrer o corpo ao pensar assim. Ficou curiosa em saber para onde ele iria, em quais terras estaria pensando viver, o que lhe causava tanta inquietação para que mantivesse essa busca insana por respostas para suas inquietações. Sabia que os homens eram assim. Nunca estavam satisfeitos com o que tinham. Sempre buscavam novos prazeres e desafios. Enfrentavam moinhos de ventos imaginários, como irrequietos quixotes contemporâneos. No fundo gostaria que ele ficasse mais um pouco. Poderia tornar-se sua amiga, fazer bolo de milho para tomarem café da tarde juntos, ajeitar a bainha da calça meio surrada, cortar seus cabelos e nadarem no rio juntos nas tardes de domingo. Seria maravilhoso conversarem sobre outros mundos que povoam o universo: galáxias, planetas, nuvens e nebulosas, cometas, aglomerados, Campo de Higgs, Neutrinos, Modelo Padrão, Fermions, Quarks, Gluons, Léptons, Gravitons e toda a fascinante complexidade da Relatividade com seu gigantesco espaço/tempo e da Física Quântica, com seu mundo subatômico invisível. Não haveria outro como ele e inexplicavelmente o estava deixando partir, com aqueles maravilhosos olhos negros, barba sempre por fazer e seus resolutos cotovelos remando eternamente um bote invisível rumo a algum Shangri-Lá, enquanto caminhava.
Os homens são dependentes demais e costumam esconder suas carências atrás da máscara da autossuficiência. Na verdade a grande maioria deles nunca rompeu os laços de proteção e dependência que a mãe lhes criou. Vivem esperançosos em encontrar uma mulher que permita a conexão com seu cordão umbilical, um elo perdido entre o bisturi e o útero. Por conta disso toenam-se edipianos escandalosos e dramáticos, trapaceiros e infantis quando querem ver seus desejos atendidos, pois querem a mulher e companheira como um avatar imanente de suas mães.
Uma mulher que quer ser feliz em uma relação afetiva com um homem, deve saber que talvez tenha que abrir mão de muita coisa importante que lhe são caras, em prol dos desejos de seu parceiro chantagista. Apesar de sua autodeterminação e livre arbítrio, será sempre ela a pessoa que invariavelmente fará as vontades do parceiro e se conformar com suas perdas. Seu homem sempre procurará ser o ente dominante, através de trapaças emocionais. Porém por motivos pessoais e econômicos algumas abrem mão do brilho próprio de estrela e por vezes até se comprazem com este domínio. Homens são frágeis e emocionados, mas insistem em ser competitivos, gostam do desafio até mesmo quando sabem que a causa está perdida. Vivem em um mundo onírico onde as irrealidades lhes salvam da condenação imposta pela lei da gravidade. Os homens não lutam prioritariamente com outros homens. Eles lutam mesmo é com a lei da gravidade e têm pavor dela. Passam a vida com a espada da disfunção erétil sobre suas cabeças, um grande sofrimento oculto e inconfessável. Sofrem mais ainda ao saber que suas companheiras não nasceram com esta provação, pelo menos assim de maneira tão explícita, então desesperam-se escondidos da égide do poder lunar do feminino. A necessidade protagônica de ter que apresentar um comportamento erétil regular e eficaz, faz do homem um eterno escravo de suas inseguranças. Porém a sabedoria das mulheres compreende o tanto de vinho amargo que os homens sorvem cotidianamente, e isso fazem-nas administrar com sapiência esse tipo de conflito. Afirmam categoricamente que sexo não é tão importante assim, mesmo ardendo em chamas e desejosas por prazer.
Enquanto divagava sobre esses assuntos do mundo das interações afetivas, observava o homem remando com seus cotovelos se afastar lentamente para cada vez mais longe. Sentia um feeling estranho ao ver aquele ser felino e enigmático, quase inumano, passando pelas cercas vivas de ciprestes na paisagem bucólica e perene do caminho. Talvez fosse o homem da sua vida, aquele com quem envelheceria junto, cuidando do fogo da lareira enquanto lia poemas de Ezra Pound ou literatura de Alejo Carpentier, mas o estava deixando ir. Talvez pela preguiça de ter que engendrar um novo relacionamento, que é mentalmente muito cansativo. Ou por medo de encontrar e viver os perigos reais de uma grande explosão de felicidade, que costumava paralisar seu superego, deixando-a indefesa em mundo de grandes predadores. Preferia viver na placidez de sua vida, com seus gatos e lembranças lúdicas, sem ter que fazer bainhas, bolos de fubá e ser estimulada a conversar quando não estivesse com vontade.
Enquanto o homem se afastava, podia-se ouvir o ruído do cascalho sendo esmagado sob suas botas, que aos poucos ia tornando-se cada vez mais inaudível. Ela imaginava que este deveria ser o homem ideal, pois com todo seu jeito desajeitado que tinha por fora, certamente era uma ser humano maravilhoso e bastante harmonizado por dentro.
Sartre disse que a existência precede a essência. Parece paradoxal mas não é. No caso daquele homem, ela avaliava que dentro da corrente do existencialismo ele primeiro se fez homem e depois erigiu sua essência com suas experiências através do tempo. Enquanto ele se tornava cada vez mais distante, remando com os cotovelos, ela sentia uma réstia de alegoria e ironia de acordo com Soren Kierkgaarg que propunha um profundo mergulho dentro do existencialismo. Aquele homem construiu sua essência como Michelangelo esculpiu Davi, preocupado com os mínimos detalhes, sem pressa, com devoção e espiritualidade, dando vida ao mármore.
Finalmente ele dobrou a esquina no fim da rua e sumiu para sempre, deixando um vácuo estranho que foi seguido por palpitações irregulares no coração agnóstico da mulher das estrelas. Um sinal de luz, um arrepio indecifrável percorreu seu corpo, quando a partir de então ela teve a certeza que enfim talvez houvesse encontrado o homem da sua vida, seu amor incondicional e transcendental, que a faria convulsionar desejosa nas noites solitárias de inverno, após as muitas garrafas de vinho degustadas ao luar, em suas noites de loba voraz.
Ela então correu para as cartas do Tarot e as cartas insistiam repetidamente em mostrar o arcano 9, o Eremita. Estava claro como água que aquele homem queria cair no mundo e encontrar seu destino. Desejava o autoconhecimento e para isso insistia na solidão dos peregrinos. Ela passou então a pensar em como seria bom a vida com ele, após o reencontro em algum dia no futuro. Não conseguia se entregar a um homem somente pelo prazer da carne. Já havia sublimado há tempos o controle de sua compulsão sexual. Havia decidido voltar para dentro de si mesma e mergulhar profundamente nos recônditos de sua alma. Precisava encontrar o limite ideal entre o emocional e o racional, entre o prazer e a elevação espiritual. Havia resolvido cuidar do seu presente como se fosse um jardim de orquídeas raras e delicadas e não se comportar como uma borderline fetichista em busca de prazer.
Apesar do tempo ser relativo, na configuração dos humanos ele existe de verdade no presente. O passado já passou, não existe mais e o futuro ainda não chegou. Portanto o tempo da vida é o tempo presente. É nele que depositamos nossas esperanças, e também é nele que projetamos os passos do nosso futuro. Qual o mistério bioquímico que faz duas pessoas interagirem quase que simbioticamente? Assim ela se perguntava e recorria ao tarot e runas em busca da resposta que sabia ser quase impossível receber. Perguntava-se qual o motivo de não encontrar o homem ideal, logo ela, tão tranquila, envolvida com a metafísica da alma, buscando sempre o bem comum e vivendo de maneira simples e imaculada? As deusas não lhe respondiam, os arcanos altos mostravam aquele Eremita, sempre ele. A cosmovisão africana também lhe mostrava pelas contas de Ifá do jogo de búzios que havia uma pessoa ligada à ela espiritualmente, caminhando e buscando respostas, um homem de Oxumarê, orixá filho de Nanã com Oxalá. Oxumarê foi abandonado pela mãe e aprendeu tudo da vida sozinho em suas andanças pelo mundo.
Mergulhada no mundo meyafísico ela não considerava nenhuma perspectiva de envolvimento com alguém que não compartilhasse os mesmos mundos que acreditava e depositava sua espiritualidade. As propostas que surgiam geralmente giravam em torno de sexo recreativo, logo com ela que repudiava essas investidas, pois mergulhava fundo em seu próprio âmago, em seus oceanos mais profundos, em busca da felicidade transcendental.
Ele caminhava absorto como sempre em seus caminhos, sabendo que não havia um destino certo para ir. Sabia não haver uma família lhe esperando, uma mesa posta e um leito aconchegante, o que realmente nunca tinha tido. Era daqueles anjos tortos do bem que não construíam uma vida que a maioria das mulheres sonham: provedor, emprego estável, bom salário, dormir em casa todas as noites e ter finais de semana livres para almoçar na casa da sogra. Ele era absolutamente desprovido de ganância ou desejos de posse. Já nasceu assim, nunca gostou de competir com outras crianças quando era pequeno. Sempre foi tranquilo e detestava confusão. Cresceu em meio a seus silêncios e indagações, buscando na Filosofia, na Astronomia, na Astrofísica e na Mecânica Quântica, respostas aos seus questionamentos. Um ser humano que se volta para esses temas está fadado à solidão. A mesma solidão que passam os astros na imensidão do universo, um mundo gelado e enganosamente morto aos nossos olhos. Mas ao contrário do que imaginamos, é nesse vácuo onde o tudo e o nada se misturam e acontecem em uma interrogação exasperante que nunca tem fim.
Seguia em frente pensando nela. No fundo cultivava um sentimento egoísta torcendo para que ela nunca encontrasse outro homem até que ele voltasse de sua jornada exploratória. Pensava nos cabelos, no olhar, na boca e em tudo que conseguiu ver de maneira sutil através do tule revelador. Imaginava dormir e acordar ao lado daquela mulher das estrelas. Que tipo de perfume usaria? Como ajeitaria os cabelos, quão macia seria sua pele, a voz, que voz deveria ter e assim imaginava seria sua vida ao lado da mulher das estrelas.
O pior sofrimento que deve existir no campo da afetividade é você encontrar a pessoa da sua vida e deixá-la partir sem esboçar qualquer tipo de reação. Foi o que aconteceu com ele durante o encontro mágico que teve com aquela mulher. Pensou em como os seres humanos são covardes para o amor. O amor é para os bravos, para corajosos que não têm medo da felicidade, pois a felicidade é assustadora. Por isso os covardes do amor são melancólicos, lacônicos e estranhos. Se apavoram com a possibilidade de enfrentar uma vida a dois, de dividir seus sentimentos mesquinhos, de se expor abertamente para uma outra pessoa. São herméticos e infelizes, reféns da covardia e da ilusão de serem felizes sozinhos um dia, o que nunca serão.
Encontrar a pessoa que poderá compartilhar uma vida comum é um tremendo golpe de sorte, além de ser um desafio. É aquela situação de encontrar a pessoa certa no momento certo com as condições certas, na verdade um encontro das estrelas. Os casais nunca se separaram tanto como hoje em dia pois investiram em um sonho que não resistiu ao cotidiano poderoso da pós modernidade descrita por Zigmunt Bauman. Hoje não existe mais a absoluta dependência econômica dos parceiros pelas mulheres. Existem sim as mulheres disputando e ocupando o mercado de trabalho. Mulheres ativas com salários compensadores, muitas com carreiras sólidas com mestrado ou doutorado, carro do ano e um excelente saldo bancário. Qual o perfil de homem que essa mulher busca? Com certeza não será de um parceiro pobre, mesmo que nobre. Homens e mulheres buscam pessoas bem sucedidas na vida, na verdade pensam no que poderão construir junto no mundo material. Ninguém quer carregar peso extra na caminhada da vida. É a lei da modernidade onde tudo é muito rápido e as escolhas também o são e assim as decepções vão acontecendo e cobrindo a pós modernidade com as separações.
Ele refletia muito sobre a possibilidade de conviver com uma companheira. Imaginava os óbices que poderiam surgir no cotidiano do casal, possíveis discussões e atritos devido a pontos de vista diferentes. Entendia que os seres humanos são individualistas, apesar de viverem em sociedade. Sentia um imenso cansaço ao pensar em uma pessoa ao seu lado dizendo como tudo deveria ser feito, estipulando regras, horários e comportamentos. Era um homem de espírito livre, sem amarras no pensamento, um cruzado da liberdade individual, se fosse um felino seria um tigre. Através de Schopenhauer aprendeu que o ascetismo era a melhor maneira de eliminar a compulsão, a vontade e o desejo de querer sempreais, seria o caminho necessário. A renúncia voluntária dos desejos e prazeres mundanos, da sede de querer sempre mais, o levaria a um estado de vida contido, com simplicidade, e consequentemente com paz interior.
Talvez estivesse pagando o preço por esta liberdade, pelo seu modo libertário de ser, ao não possuir e nem usufruir de um lar convencional com mulher e filhos, possuir uma família organizada de acordo com as regras sociais. Pelo contrário, vivia sozinho, caminhando em solidão e suas refeições eram sempre acompanhadas de si mesmo, de seus pensamentos e do seu inseparável cão caramelo. Gostava que assim fosse pois sentia uma certa aversão aos sentimentos mesquinhos das pessoas. As companhias, de uma maneira geral eram estabelecidas e movidas pelos mais diversos interesses e isso o aborrecia profundamente. Avaliava que se houve um ser superior que criou a humanidade ele falhou terrivelmente. O mundo vive ameaçado por guerras, pela destruição do meio-ambiente, por homicídios, agressões, roubos, traições violências de todas os tipos.
A espécie humana se tornou escrava do dinheiro, da cobiça e do poder. Para atingir esses objetivos passa por cima de princípios como a justiça e a solidariedade. Criou a política e a democracia somente para dominar e escravizar seus semelhantes mais vulneráveis, para oprimir as mulheres, discriminar os negros e negras, erigindo um conjunto de leis que protegem os mais fortes e oprimem os mais frágeis. A humanidade construiu um modelo de sociedade que dividiu os seres humanos entre vitoriosos e fracassados, entre ricos e pobres, entre inferiores e superiores. Não há lógica que explique milhões de pessoas passando fome enquanto outro milhão jogue alimentos fora. Esse tipo de atitude desumana fere o princípio do amor ao próximo e da solidariedade. Por isso falhamos enquanto humanidade. Falhamos miseravelmente quando gastamos fortunas imensas no desenvolvimento e aquisição de armas e equipamentos militares para dominar e matar outros povos, que também são nossos irmãos. Abrem mão de um futuro feliz para todos ao investir na indústria bélica no lugar de desenvolvermos pesquisas médicas para extirpar as doenças que matam e causam sofrimento à humanidade, parece que o ser humano não tem mais cura.
Assim foram passando os anos. Ela pensando na volta do estranho que havia cravado em seu coração a bandeira do amor que ela não ousou desfraldar e ele, interrogando a si mesmo se valeria à pena largar tudo e se atirar naquele colo misterioso e acolhedor. Achou melhor sair pelo mundo, sem esperanças, sem afeto ou calor de uma mulher que o compreendesse como ela. Imaginou que ela já estivesse casada com um homem correto, trabalhador e provedor, que a acompanhasse em todos os seus passos. Ele não faria isso, pois tinha atração pelo desconhecido. Sentia falta dela dos seus sorrisos adornados por duas lindas covinhas, dos lábios sussurrando belas e provocantes propostas, e seu olhar com aquela potência lunar que iluminava todos os recônditos do espírito. Para ele a mulher das estrelas era cristalina como um livro aberto. Costumava sorrir ao compará-la a um livro aberto mas de Física Quântica escrito em Aramaico.
Pensava nela, em sua incontida e esplendorosa alegria que certamente explodia no carnaval. Achava que ela com aquele seu jeito encarnava com todo o desprendimento possível uma Pagu ou até uma Leila Diniz jamais vista na Banda de Ipanema. Sentia amor quando imaginava ela brilhando e desfilando sua sensualidade hipnotizante nos blocos de sujo. Impossível resistir ao seu erotismo e sensualidade que atraiam olhares sequiosos de homens e mulheres pelas ruas do país.
Mais triste que a ausência é a certeza da perda. Nunca mais imaginariam juntos as loucas viagens à Próxima Centauri, nunca mais cruzariam os Anéis de Saturno, nunca mais se esbaldariam na espuma quântica de Plank, vibrar na frequência da Teoria das Cordas ou ensaiar viver no sanatório de Davoz Platz na Montanha Mágica de Thomas Mann. Como esquecer dela concentrada nos trabalhos de cura no Santo Daime, cantando firme e tocando maracá nos hinários “O Cruzeiro” e “O Justiceiro” de Mestre Irineu e Padrinho Sebastião. Gostava também dos hinários de Maria Damião e Madrinha Nonata.
Como amava vê-la compenetrada nos tratamentos xamânicos com kambô no meio da floresta, das celebrações wica, dos Amalás de Xangô e das belíssimas oferendas dedicadas a Oxum nas cachoeiras. Era espiritualidade pura, que mulher! Seguiu pela vida, nos quatro cantos do mundo, pensando na mulher das estrelas que havia deixado no passado e perdido a chance de ter sido feliz com ela.
Assim terminaram suas vidas. Ambos pensando um no outro, mas impregnados por um estranho sentimento que mistura amor com pavor de saltar sobre os abismos e mergulhar na escuridão que reside entre o tudo e o nada e que leva à realização plena do amor. Nunca mais se viram. Duas almas livres e incríveis que se negaram em favor da liberdade mais pura que é a própria negação da felicidade. Naquelas têmporas gris, nas noites estreladas, envelheceram cada qual em seu canto, um pensando no outro, sob um uma sinfonia doce e triste, entranhada por uma solitude serena e sincera. Cada qual no seu próprio universo observando amorosamente o céu e as estrelas, sonhando um com o outro, com aquele lindo amor que de tão incrível ficou perdido na grande imensidão universal. São namorados e amantes nos sonhos, nas noites frias e insones, nos momentos em que corpo e mente se unem independente da distância e do lugar. É o limiar do entrelaçamento quântico, rompendo todas as barreiras da ciência e estabelecendo que o amor é o bem maior e mais misterioso da natureza. Que para se realizar recebe toda a energia do panteão das deidades universais onde predomina a coroa dourada de Oxum e o manto branco de Oxalá.