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O Espelho

domingo, 14 de abril de 2024

A Beleza Verdadeira


" O primeiro gole do copo das ciências naturais o transformará em um ateu. Mas no fundo do copo Deus estará lhe esperando". (Werner Helsenberg. Pai da Física Quântica)

O capitalismo e a branquitude criaram para o povo negro uma cosmovisão similar como a que foi apresentada no texto “Alegoria da Caverna”, do livro 07 da República de Platão.  A branquitude arquitetou para o povo negro um mundo falso onde seres humanos despidos de seus direitos e com suas humanidades retiradas, passassem a coexistir em um ambiente difuso e violento, onde martírios, sofrimentos, exploração, dominação e a escravização de seres humanos, servissem como pano de fundo para enriquecimento e poder de uma Europa excludente, racista, ambiciosa e colonialista, sempre fundamentada na razão iluminista. Esta mesma razão, erigiu fundamentada na exegese sofista de Tísias e Quintiliano, os pilares de pseudo ciências que sustentaram a ideia da odisseia do fardo que o povo branco deveria carregar ao levar civilização aos povos negros, asiáticos e ameríndios.

A cosmovisão criada para os negros, depois de retirar a deles próprios, projeta imagens de um mundo falso, onde querem que acreditemos que a verdade está nas trevas e não na luz. Os poderosos donos do capital querem que aceitemos a naturalização da miséria como um “ethos constitutivo da alma negra”, que deve viver normalmente em comunidades ambientalmente degradadas e irrespiráveis, dominadas pelo terror do narcotráfico e eivadas por todas as formas de violências. A xenoafetividade interracial imposta pela branquitude, vige como possibilidade de uma visão virtuosa afro-futurística onde se repete o paradigma freiriano do deleite entre senzala e casa-grande.

Infelizmente nossos destinos ainda permanecem nas mãos das elites, dos brancos poderosos. Apesar da contemporaneidade eles ainda nos iludem com uma matrix anódina, distópica e geradora de óbices antropológicos que nos mantêm atados aos horrores do presente, através de antolhos que nos foram colocados no passado. Assim somos impedidos em nossa grande maioria de ver e atingir a luz da verdade e do conhecimento. O desafio é alcançar a verdadeira utopia libertadora, que se pode antever no materialismo histórico de Marx, na dialética entre o idealismo e o materialismo, que coloca o ser humano no lugar de concretude que o representa na sociedade hunana. Lugar ansiado e palpável do qual estamos tanto precisados.

Chega em boa hora o tempo de sairmos da caverna onde a branquitude nos colocou. Emprenhar um “ser negro” novo, com novas hermenêuticas, sem as amarras traiçoeiras do racismo estrutural e da retronegritude.  Sim, chegou o tempo de refletirmos sobre as rotineiras narrativas de que ‘negro é lindo’, ‘tudo negro é lindo’, uma metavisão da cosmovisão que pode se tornar uma representação perigosa de uma  antropolissemia, que constrói um estranho mosaico dentro de um contexto branco, burlesco, que propõe situar o negro em uma dimensão existencial de clivagem epicurista, que é a mesma coisa que mergulhar em um mar sombrio e difuso, repleto de tubarões brancos, vorazes e famintos.

Esse “lindo” tão propalado sempre foi uma construção caucasiana com ênfase na clivagem hedonística de um mundo helenístico, construtor da beleza artificial do corpo branco, no qual não devemos nos inspirar e pela qual não devemos nos interessar. A representação real do lindo da branquitude se espraia de maneira hegemônica nos programas de TV, nas propagandas e nos espaços de poder, onde nós os negros não encontramos representação. 

A realidade apresenta um cenário farsesco sobre o lindo, mas de alguma maneira estamos inseridos nele, de onde precisamos sair e cerrar esta porta definitivamente. O apagamento da excitante cosmovisão africana, sua formidável teogonia e suas culturas exuberantes, foi mais um dos crimes de lesa humanidade cometidos pelos colonizadores em África.

O universo em seu grandioso poder e magnificência não distingue as pessoas pela pigmentação da pele e tampouco se importa com elas. Para a criação universal todos os seres humanos são o que devem ser. Baseado em uma perspectiva lógica e compreendendo até um viés metafísico, todos os seres humanos são lindos, não por comparações ou diferenciações fenotípicas, mas sim pela gênese ontológica do constitutivo universal. Talvez o que seja mais próximo do que Baruch Spinoza quis dizer acerca da possibilidade panteística da imanência de um poder divino.

Lindos porque a vida é linda em todas as suas configurações quânticas e relativísticas. Sua indescritível beleza posta-se imperiosamente acima de todos nós, estando absoluta e indisponível ao limitado conhecimento humano. 

A vida como a nossa, como a dos seres humanos de agora, surge como um evento raríssimo no universo observável, onde ainda não encontramos nada igual ou semelhante entre milhares de mundos silenciosos, gélidos e mortos.

Precisamos refletir e quem sabe até abandonar essas construções burguesas de “Pequeno Príncipe Negro”, “Cinderela Negra” e coisas semelhantes do gênero. Tudo isso foi criação da alma branca para as mentes brancas e para um mundo branco. Os autores dessas fábulas e contos infantis não pensaram nem cogitaram encantar crianças negras quando criaram esses personagens  lúdicos do inaginário infantil.

Ao tentarmos demonstrar alguma alteridade comparativa da realeza negra com a realeza branca, talvez estejamos correndo o risco de utilizar os mesmos mecanismos excludentes do eurocentrismo, convertidos pela e para a pele negra, para a negritude. Os sistemas aristocráticos são originalmente excludentes e despóticos em suas essências, onde seres humanos normais se dizem ungidos por divindades e baseados em suposições metafísicas, desenham um modelo de exploração do povo  que visa manter uma casta de mandriões inúteis e preguiçosos  refestelados no poder. Ao exaltamos os reinos africanos da antiguidade e até da modernidade, como estética comparativa, estamos, como nós alerta a transvaloração de Nietzsche, referendando um sistema social de rapina, que avilta a soberania popular como sempre faz os sistemas capitalistas da branquitude. Fazendo então, senão reproduzir as antigas sombras projetadas pelas chamas bruxuleantes nas paredes da caverna de nossas existências negras colonizadas pelo proselitismo do cristianismo.

A beleza de cada ser humano está dentro de si e não pode ser vista a olho nu. Milhões de universos interagem simultaneamente fazendo a vida acontecer. Apesar da dialética que envolve biogênese e abiogênese, a vida em seu esplendor primordial é o amálgama de átomos, elétrons, prótons, nêutrons, pósitrons, quarks, leptons, bósons, férmions, neutrinos e mésons que interagem  com proteínas, mitocôndrias, lipídios, saia, fósforo , nitrogênio, hidrogênio, enxofre, glicídios, células, impulsos elétricos, fibras musculares, DNA entre tantas outras milhares de interações que se extasiam na entropia quântica através da contradança da criação, do existir. Ah!  quanta glória! receber o sopro divino em um universo que nos faz viver gigantes e ao mesmo tempo partículas, nos apresentando o fantástico milagre do desabrochar da vida. 

Jung disse que nossa psiquê é estruturada de acordo com a estrutura universal e o que ocorre no microcosmo também acontece nos infinitesimais e mais subjetivos alcances da mesma psiquê.Carregamos inúmeros universos quânticos e relativísticos, todos imensamente vazios e ao mesmo tempo repletos e intensos em força e poder. São potentados carregados pelas energias primordiais que vieram da fusão nuclear no interior das estrelas desnudas que se atiraram despojadas universo afora, em uma marcha inexorável que nunca terá fim. Isso sim é lindo demais. Todos nós somos lindos demais, filhos e filhas dessa grande criação misteriosa forjada nas fornalhas das estrelas que explodiram em tempos imemoriais. A casca de carbono que nos reveste um dia terá seu fim. Mas a vida que reside em nós, em sua fantástica configuração de energias caóticas e ao mesmo tempo harmoniosas e belas, permanecerá viva pelo sempre do universo. Está é a verdadeira beleza. Somos filhas e filhos imortais das estrelas e por assim sermos devemos louvar e admirar o brilho que herdamos do universo.

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