Mãe negra que estais no orum santificado seja vosso nome. De seu generoso ventre africano nasceu a humanidade. Oh! Eva! Negra Eva! Mãe de todos nós! Oh! Mãe da diversidade! Mãe dos degredados, dos despossuídos, dos famintos, daqueles que nada têm.
De seus seios fartos
jorrou o leite que manteve de pé seus filhos diletos. Também nutriu o filho do
branco que a escravizava. Leite bom, leite de sustança, leite de tetas sagradas
que inundou o planeta de corpos fortes, sadios e viris.
Venha à nós o vosso
amor, vosso acalanto, vossa sabedoria. Perdoai nossa covardia, nossa leniência,
nossa omissão em não lutarmos pela restauração de teu reino perdido para os
invasores. Perdoai oh! Mãe Negra! Por sermos reféns do medo, do terror, da
paúra de um porvir maior.
Perdoai-nos Mãe Negra,
por permitirmos que esse sistema opressor escravize nosso povo. Por não nos
rebelarmos por sair de uma escravidão para outra. Saímos do cativeiro da terra
para o cativeiro do dinheiro, que nos é negado e sua falta nos atira para longe
nos valhacoutos das cidades. Somos a bílis do corpo humano terra. Somos o esgar
de uma orgulhosa civilização de outrora.
Perdoai-nos por não
lutarmos pelo futuro de nossas crianças, nossas amadas crianças negras. Nosso
futuro povo negro que encontrará uma muralha de indiferença e desconfiança que
magoará para sempre seus corações puros, causando sofrimento e dor.
O racismo Mãe Negra,
nos destrói em silêncio. Produz marcas invisíveis, faz com que machuque sem
deixar marcas visíveis, mas marca para sempre a alma. A dor do negro é uma dor
solitária, é dor de peregrino, dor de tuaregue nos desertos da alma sem nunca repousar no oásis da felicidade plena.
O racismo apaga aos
poucos o sorriso franco e nos impõe o sorriso forçado. O sorriso de negro gente
boa, de negro sangue bom, de negro de alma branca. O pior é que não lutamos.
Nosso povo perdeu o rumo da luta que ficou na Serra da Barriga com Zumbi e seus
guerreiros e guerreiras, que lutaram por 100 anos contra dois impérios. Nós
decidimos ficar quietos por aqui Mãe Negra. Lutamos no teclado do computador
enquanto nossos povo está sendo massacrado pelo poder dos brancos de má
vontade, que querem nos relegar uma cidadania de terceira, pois a de segunda já
vivenciamos.
De terceira também será
a cova rasa para mais de 35 mil jovens negros que são assassinados todos os
anos. Agora Mãe Negra, estão nos exterminando sob a égide da lei. Nosso povo
está morrendo de várias maneiras: pelas balas da polícia, na violência do
narcotráfico, da pedra de crack, pela tortura, pela inanição, pelos abortos
clandestinos, isso mesmo Mãe Negra, não satisfeitos em nos matar não nos deixam
ao menos nascer. No futuro não existiremos mais. Somos estoque étnico
descartável para o capitalismo. As balas que nos oferecem são de chumbo e não
de confeitos ou guloseimas.
O pão nosso de cada dia
Mãe Negra, é a dor de ver nosso povo sob os viadutos no que pode se chamar de
arremedo de vida. Vivendo nos guetos, nas palafitas, nas favelas, sem trabalho,
sem recursos, sem dignidade. Por isso Mãe Negra que estais no céu, perdoai
nossas dívidas por que não temos como pagá-las. O sistema é cruel e não nos dá
trégua.
Perdoai as nossas
dívidas, pois nossas dívidas também são existenciais. Nossos credores
espirituais que estão no Orum são Zumbi dos Palmares, João Cândido, Teresa de
Benguela, Steve Biko, Malcoln X, Martin Luther King, Marielle Franco, George
Floyd, Rosa Parks e tantos outros que esperam mais de nosso povo e ficamos
atados ao imobilismo. Aguardando um porvir prometido pelo canto de sereia do
capitalismo que nunca virá. Os brancos racistas possuem o dom de iludir. Nos
acenam com falsas possibilidades e assim nos mantêm em modo de esperança, onde
o futuro é uma porta na linha do horizonte da qual jogaram a chave fora.
Perdoai nossa dívidas
assim como nós não perdoamos a dos nossos devedores que é impagável. Dos colonizadores, dos
escravistas, dos traficantes de escravos que tantas dores infligiram ao nosso
povo, nossos sofridos ancestrais.
Perdoai nossas ofensas
assim como não perdoamos a quem nos tenha ofendido com a crueldade do
cativeiro. E que ainda nos ofende com a indiferença, com a desigualdade, com o
racismo e o preconceito. Não perdoamos aos que nos delegam um sistema de ensino
falido, uma educação de péssima qualidade, o interdito ao acesso à cultura e ao
lazer.
Santificado seja o
vosso nome, assim na Terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos é negado
hoje. E então caímos em tentação e muitos de nós recorrem ao delito, à
desobediência civil e se tornam pessoas à margem da lei, em conflito com a lei,
como diz a lei criada pelos brancos. Na verdade acho que a lei é quem está em
conflito com eles, desde que nasceram. Antes de nascer já eram humilhados pela
obstetrícia violenta. Depois que nascem são agredidos pela violência das comunidades, pela
falta de apoio escolar, pelo estreito convívio com o narcotráfico, com o álcool
e outras formas lícitas e ilícitas de fuga da realidade.
Por favor nos deixes cair em tentação. Nos livre do mal da docilidade, da doma, da subserviência, da
resignação. Dê-nos o pecado da rebelião, do confronto, das trincheiras da
liberdade. Tire-nos, oh! Mãe Negra, desse limbo, tão cheia de graças que és e
que tudo pode! Acorde-nos desse sonho que nos imobiliza, faça com que haja um
despertar coletivo, onde arcanjos negros e brancos possam soar suas trombetas e
assim comandar nossos exércitos rumo à liberdade. Bendita sois vós entre as
mulheres! Bendita sois vós que sempre nos amparou e nos amou.
Vamos nós ao vosso
reino após vencermos essa luta. Vamos vencer a maldade, a segregação, a intolerância.
Vamos marchar nas ruas e avenidas das cidades. Será feita a vossa vontade e
será saciada a sede de justiça. Que cada pessoa do povo negro possa ser reconhecido como
igual, apesar das nossas diferenças. Assim seja na Terra como no Orum.
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