O
tempo da madrugada é uma ditadura vã, onde o insone sofre sob o plúmbeo do
tempo, sobre o catre indiferente, incomodado por um ou outro inseto que ainda sente
importância em você, talvez somente ele, nesse mundo de heróis superficiais.
A
madrugada possui um tempo lento, tempo de solidão, entremeado e compartilhado
com suspiros e assombrações. Ali no espaço cruel da solidão, entre a realidade
e o sono, existe o que podemos chamar de poesia estranha, difusa. É como se por
força das elocubrações cognitivas, a alma cede sua essência ao diáfano mundo da
criação. Oh, alma criativa! Mãe de todos os deserdados do leito matrimonial!
Via de escape dos atormentados pela incompreensão da vida! Dai-nos a paz, alma
criativa. Sabemos bem da sua predileção pela noite, pelo silêncio do tempo
perdido das madrugadas, pela dor desesperada dos poetas.
Enquanto
a cidade dorme, nós os poetas sofremos em nossa solidão soturna. Deitados
caminhamos entre os moinhos de Cervantes e as amarelinhas de Cortázar. Eneidas,
Odisseias, Lusíadas, Divinas Comédias, Ulisses e Policarpos Quaresmas. A
madrugada dos poetas e um mundo à parte onde as letras saem iluminadas como
vagalumes espectrais, compondo uma sinfonia eterna entremeada de luz e cores.
Enquanto
a humanidade dorme o sono dos justos o poeta insiste e teima em dormir, contrariando
o afã pulsante de sua alma criativa. Quer ser normal como as outras pessoas,
como todas as pessoas normais do mundo, mas como um sísifo fadado ao infinito
labor, cumpre sua sina infatigável de subir as pedras das letras, noites após
noites nos despenhadeiros da vida. Sua obra talvez nunca seja admirada, mas
qual o quê! É realizada pela incompreensível vontade da psiquê incontornável
dos loucos e incompreendidos. Uma criança chora ali, um cão ladrão acolá. São
os ruídos da noite. Uma moto transporta sonhos para algum lugar e pássaros
boêmios cruzam os ares embebedados pelo ar fresco da madrugada.
Finalmente
a madrugada vai nos deixando, silenciosa e sorrateiramente, dando lugar a um
dia ainda envergonhado por dar fim aos pirilampos de letras e suspiros. O sol surge então com seu poder avassalador, despertando
os normais que correm expeditos aos seus trabalhos, aos ditames do capitalismo
enlouquecedor.
O
poeta então desaba ao se defrontar com o mundo dos normais, com a busca insaciável
por dinheiro, por coisas, por desejos materiais. O poeta se espanta ao se ver
cercado de cartões de crédito, boletos, prestações, hipotecas, crediários e
caminhões de botijões de gás tocando músicas fanhosas. É o mundo dos homens . É
o mundo do dia, das guerras, dos poderosos. É o mundo do dinheiro, da ganância
e do egoísmo. Nesse cenário caótico e humanamente incompreensível para se viver
o poeta caminha atento, tentando salvar seus vagalumes da tórrida existência
dos diurnos.
A
madrugada dos poetas é acolhedora. É como um ventre acolhedor que nutre os
sonhos que iluminarão em tempos contemporâneos outras almas ávidas por
pirilampos de poesias.