(O Conde - Jair Rodrigues)
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A gente tenta não sentir a força do ódio, nem que seja por uns instantes, mas às vezes fica difícil. Estou na histórica cidade de Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro, participando da Feira Literária Internacional de Paraty, contribuindo em uma série de palestras sobre a questão racial brasileira.
Acordo bem cedo, ainda insone, custando a acreditar no que leio sobre o ocorrido com Dona Vilma da Portela no aeroporto de Brasília.
Vilma Nascimento, a maior porra-bandeira da Portela de todos os tempos, imortalizada como “O Cisne das Passarelas”, que junto com Neide e Mocinha da Mangueira, Irene do Império Serrano, Maria Helena da Imperatriz Leopoldinense, Juju Maravilha e Selminha Sorriso da Beija Flor, Rita Freitas do Salgueiro e Tuca da Vila Isabel e Lucinha Nobre entre outras beldades do bailado.
Vilma foi a escolhida pelo universo para ser a melhor. Durante anos encantou a passarela nos desfiles da Portela, seguindo fielmente a tradição de Dodô, a primeira porta bandeira da Portela.
Dona Vilma estava no aeroporto de Brasília, voltando para o Rio de Janeiro. Estava orgulhosa e feliz, pois havia sido homenageada pela Câmara dos Deputados na Semana da Consciência Negra.
No aeroporto de Brasília, na loja de conveniência Dutty Free pode entender que a homenagem havia sido apenas uma encenação do Brasil ideal, mas que na verdade, o Brasil real é outro bem sujo e opressor.
Humilhada publicamente por uma funcionária da loja, teve sua bolsa devassada, revirada, como se fosse uma meliante, uma ladra, acusada de furto.
Após o pérfido constrangimento, ainda pudemos assistir Vilma catando umas coisinhas da bolsa que caíram no chão, mostrando a falência moral dessa sociedade racista e hipócrita que é a sociedade brasileira.
O escândalo explodiu a Internet. A loja emitiu o tradicional pedido de desculpas, informando que tomará providências para que eventos do gênero não voltem a acontecer, enquanto que a funcionária racista e etarista, permacece “afastada”.
Dona Vilma viu toda sua glória desvanecer, atingida por um gesto cruel cometido por uma funcionária de uma loja de conveniência, que sequer deve saber sambar, mas sabe operar com eficiência os mecanismos estruturais do racismo. Famosa e reverenciada no mundo da cultura brasileira, Vilma para aquela funcionária desconhecida era apenas um mulher velha e preta que estava tentando surrupiar furtivamente umas coisinhas na loja.
Retornando ao Rio de Janeiro, onde é respeitada como uma deusa, Vilma sentiu a “ficha cair”. A glicose disparou e o estado de saúde preocupa a família e ao mundo do samba. Vilma sempre driblou os jurados e certamente vai se sair bem dessa, assim esperamos.
Fica então a pergunta: Quantas vilmas desconhecidas passam pelo mesmo constrangimento nas lojas do país? Quantas funcionárias e funcionários submetem negros e negras em todo o Brasil à mesma situação humilhante pela qual Vilma foi submetida?
A coisa tá feia, no Brasil e no mundo, tá piorando cada vez mais. As escolas precisam de maneira expedita começar a trabalhar com nossas crianças os fundamentos básicos do letramento racial para a partir de então podermos constituir uma nova sociedade, livre do racismo estrutural, da homofobia, da LGBTfobia, do etarismo, do capacitismo, e tantos outros “ismos” que adoecem nossa vocação de nação soberana e democrática.
Também podem ensinar samba nas escolas, pois diz a sabedoria popular que quem não gosta de samba bom sujeito não é, ou é ruim da cabeça ou é doente do pé.
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