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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

A Branquitude, o Colorismo e o Flautista de Hamelin

 


A branquitude historicamente sequestra os protagonismos e as histórias pertencimento da humanidade. Os gregos assim fizeram com as grandes produções intelectuais africanas. Os estadunidenses, por exemplo, sequestraram, se apropriaram e consolidaram para si o termo “América”, se apropriando indevidamente das designações “americano e americana”, como representantes universais do continente. O contexto de apropriação histórica é tão poderoso que os americanos do hemisfério sul não se dizem americanos e utilizam o gentílico de suas nacionalidades. Nós americanos do sul nos designamos brasileiros, assim como argentinos, chilenos, uruguaios e peruanos. Os estadunidenses não utilizam essa correta designação e se dizem americanos, colocando um ponto final no assunto, onde se recusam a discutir qualquer polêmica acerca desse assunto, definindo que está posto e será sempre assim.

Na questão racial, a branquitude luta para sequestrar nossas raízes, nossa ancestralidade e nossa capacidade de organização étnica e social, apresentando sistematicamente novos cenários conflitantes que visam a divisão e a desagregação social do povo preto. Designações como parditude e colorismo talvez tenham vindo mais para confundir que para explicar.

Os termos criados nesses contextos de desarmonização e assimetrias raciais, servem tão somente para nos manter ocupados com nossos próprios medos, proto conflitos gestados em nosso efervescente quintal racial, enquanto a branquitude segue imponente gerindo nossos destinos e por conseguinte os destinos da humanidade.

A branquitude criou um modelo de sistema racial diversionista, que podemos concebê-lo como uma imagem metafórica do teclado de um piano. Esse sistema é o colorismo, onde como nos teclados, os tons estão compreendidos entre os grave em um extremo e os agudos em outro. A branquitude se posiciona à direita dos tons agudos, enquanto que os pretos retintos estão agrupados nos tons mais graves, à esquerda e extrema esquerda.

A branquitude exerce interruptamente a sedução a cooptação e o recrutamento do máximo possível de teclas do teclado racial, para que possa compor com a tessitura média dos pardos suas próprias sinfonias e apresentá-las exclusivamente como suas. Dessa maneira, com a pulverização e desedentificação da totalidade do conjunto racial negro, pode isolar e impedir o avanço do povo preto retinto, que historicamente sempre foi o contingente étnico revolucionário desse país, junto com a valorosa resistência indígena.

Personagens como Dandara, Ganga Zumba, Acotirene, Aqualtune, Maria Felipa, Luiza Mahin, Maria Firmina, João Cândido e Teresa de Benguela entraram para a historiografia oficial como pretos e pretas que construíram e participaram de movimentos revolucionários que são exemplos universais incontestes de combate à branquitude.

A branquitude é filha dileta do capitalismo. Um conjunto poderoso de ações organizadas mas que não passa de uma das inúmeras metástases geradas pelo tumor principal que é o capitalismo. Através dele são geradas incongruências como o patriarcado, racismo, homofobia, etarismo, gordofobia e capacitismo, entre tantas outras. São as metástases de um tumor irrigado pelas elites internacionais, pelas burguesias imperiais e imanentes que sustentam o regime de horror denominado capitalismo.

É através da branquitude que o capitalismo organizou e construiu o maior sistema imperial de dominação universal. Foi através dela que foram realizadas grandes navegações pelo globo terrestre, que promoveram invasões, conquistas, grandes genocídios e a escravização mercantil de dezenas de milhões de africanos e indígenas, utilizados como mão de obra escrava na construção do Novo Mundo.

A consolidação desse sistema perverso de opressão tem como matriz principal a égide da dominação pela divisão. A partilha do Continente Africano pelas potências coloniais europeias propiciou e aprofundou as diferenças étnicas e tribais entre os povos africanos através da implantação forçada de diferentes cosmovisões eurocêntricas que desfiguraram o modo de viver africano. A divisão pela cooptação foi uma estratégia basilar para a construção de uma barreira praticamente intransponível formada por brancos e reforçadas pelos designados “pardos”. O recrutamento desse contingente étnico miscigenado sempre foi considerado como uma “promoção melanínica” que ocasionalmente pode gerar pequenos privilégios periféricos nos espaços políticos, culturais e econômicos na base produtiva do capitalismo.

O sequestro de grande parte desse contingente de pretos não retintos, com fenótipos miscigenados, gera como na doutrina jurídica o mecanismo denominado “Síndrome de Estocolmo” ou “Vinculação Afetiva de Terror”, onde o cativo, o sequestrado, se envolve emocionalmente com seu sequestrador. De posse da mente do oprimido, o opressor o instrumentaliza para que o oprimido lute contra os seus iguais, defendendo uma doutrina exógena que visa sua exploração, desumanização e dominação eterna.

O capitalismo e sua filha dileta a branquitude seguem se aperfeiçoando, gerando legislações, teses pseudo científicas e modelos tecnológicos avançados que lhes garantam cada vez mais benesses econômicas, lucros e poder. No piano racial da humanidade seguem executando maviosas sinfonias que encantam os mais desavisados. Agem como o flautista de Hamelin, conto do folclore alemão onde um flautista utiliza o poder da música saída de sua flauta para encantar pessoas e animais, levando-as a um destino cruel. Assim é o capitalismo que par a passo com a branquitude, que não é a designação de uma pessoa branca no grande concerto antropológico da vida. A branquitude que tanto nos impede de caminhar e avançar no processo civilizatório universal é um sistema perverso que se retrolalimenta e se fortalece com a desigualdade ocasionada por seus mecanismos.

 

 

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