segunda-feira, 30 de outubro de 2023
quinta-feira, 26 de outubro de 2023
A Branquitude, o Colorismo e o Flautista de Hamelin
Na
questão racial, a branquitude luta para sequestrar nossas raízes, nossa
ancestralidade e nossa capacidade de organização étnica e social, apresentando
sistematicamente novos cenários conflitantes que visam a divisão e a
desagregação social do povo preto. Designações como parditude e colorismo talvez
tenham vindo mais para confundir que para explicar.
Os
termos criados nesses contextos de desarmonização e assimetrias raciais, servem
tão somente para nos manter ocupados com nossos próprios medos, proto conflitos
gestados em nosso efervescente quintal racial, enquanto a branquitude segue
imponente gerindo nossos destinos e por conseguinte os destinos da humanidade.
A
branquitude criou um modelo de sistema racial diversionista, que podemos
concebê-lo como uma imagem metafórica do teclado de um piano. Esse sistema é o
colorismo, onde como nos teclados, os tons estão compreendidos entre os grave
em um extremo e os agudos em outro. A branquitude se posiciona à direita dos
tons agudos, enquanto que os pretos retintos estão agrupados nos tons mais
graves, à esquerda e extrema esquerda.
A
branquitude exerce interruptamente a sedução a cooptação e o recrutamento do
máximo possível de teclas do teclado racial, para que possa compor com a
tessitura média dos pardos suas próprias sinfonias e apresentá-las exclusivamente
como suas. Dessa maneira, com a pulverização e desedentificação da totalidade
do conjunto racial negro, pode isolar e impedir o avanço do povo preto retinto,
que historicamente sempre foi o contingente étnico revolucionário desse país,
junto com a valorosa resistência indígena.
Personagens
como Dandara, Ganga Zumba, Acotirene, Aqualtune, Maria Felipa, Luiza Mahin, Maria
Firmina, João Cândido e Teresa de Benguela entraram para a historiografia
oficial como pretos e pretas que construíram e participaram de movimentos
revolucionários que são exemplos universais incontestes de combate à
branquitude.
A
branquitude é filha dileta do capitalismo. Um conjunto poderoso de ações
organizadas mas que não passa de uma das inúmeras metástases geradas pelo tumor
principal que é o capitalismo. Através dele são geradas incongruências como o
patriarcado, racismo, homofobia, etarismo, gordofobia e capacitismo, entre
tantas outras. São as metástases de um tumor irrigado pelas elites
internacionais, pelas burguesias imperiais e imanentes que sustentam o regime
de horror denominado capitalismo.
É
através da branquitude que o capitalismo organizou e construiu o maior sistema
imperial de dominação universal. Foi através dela que foram realizadas grandes navegações
pelo globo terrestre, que promoveram invasões, conquistas, grandes genocídios e
a escravização mercantil de dezenas de milhões de africanos e indígenas,
utilizados como mão de obra escrava na construção do Novo Mundo.
A
consolidação desse sistema perverso de opressão tem como matriz principal a
égide da dominação pela divisão. A partilha do Continente Africano pelas
potências coloniais europeias propiciou e aprofundou as diferenças étnicas e
tribais entre os povos africanos através da implantação forçada de diferentes
cosmovisões eurocêntricas que desfiguraram o modo de viver africano. A divisão pela
cooptação foi uma estratégia basilar para a construção de uma barreira
praticamente intransponível formada por brancos e reforçadas pelos designados “pardos”.
O recrutamento desse contingente étnico miscigenado sempre foi considerado como
uma “promoção melanínica” que ocasionalmente pode gerar pequenos privilégios
periféricos nos espaços políticos, culturais e econômicos na base produtiva do
capitalismo.
O
sequestro de grande parte desse contingente de pretos não retintos, com fenótipos
miscigenados, gera como na doutrina jurídica o mecanismo denominado “Síndrome
de Estocolmo” ou “Vinculação Afetiva de Terror”, onde o cativo, o sequestrado,
se envolve emocionalmente com seu sequestrador. De posse da mente do oprimido,
o opressor o instrumentaliza para que o oprimido lute contra os seus iguais,
defendendo uma doutrina exógena que visa sua exploração, desumanização e
dominação eterna.
O capitalismo e sua filha dileta a branquitude seguem se aperfeiçoando, gerando legislações, teses pseudo científicas e modelos tecnológicos avançados que lhes garantam cada vez mais benesses econômicas, lucros e poder. No piano racial da humanidade seguem executando maviosas sinfonias que encantam os mais desavisados. Agem como o flautista de Hamelin, conto do folclore alemão onde um flautista utiliza o poder da música saída de sua flauta para encantar pessoas e animais, levando-as a um destino cruel. Assim é o capitalismo que par a passo com a branquitude, que não é a designação de uma pessoa branca no grande concerto antropológico da vida. A branquitude que tanto nos impede de caminhar e avançar no processo civilizatório universal é um sistema perverso que se retrolalimenta e se fortalece com a desigualdade ocasionada por seus mecanismos.