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Eu Negro

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

PELÉ, ISAAC NEWTON E THOMAS EDSON

Se Sir Isaac Newton tivesse visto Pelé jogar, provavelmente teria desenvolvido outras teorias, que aos olhos da ciência, pareceriam improváveis. Foi batizado Edson por seu pai Dondinho em homenagem ao inventor Thomas Edson. O apelido Pelé foi referenciado no goleiro Bilé do Vasco de São Lourenço/MG, onde seu pai Dondinho jogava profissionalmente.

Um jogador de futebol, creio que a grande maioria não saiba disso, é um laboratório vivo em ação. Ele trabalha com inúmeros conceitos da Física ao mesmo tempo e seu cérebro precisa processar essas informações de maneira simultânea.

Se prestarmos atenção  uma partida de futebol, durante seu decorrer, os jogadores trabalham intensamente conceitos como força, velocidade, pressão, tempo, espaço, impulso, giro, ginga,  interação, previsão, ilusão, controle e parametrização. Durante uma partida de futebol todas essas situações acontecem ao mesmo tempo sobre os jogadores, e aquele que tiver maior compreensão e habilidade em como lidar com todas essas transversalidades de maneira eficiente, terá assegurado seu espaço na fama e talvez adquirir riqueza.

Pelé foi o único atleta de futebol que conseguiu compreender de maneira completa a singularidade desse ambiente multidisciplinar. Conseguiu dominar todos os conceitos que se apresentam com o jogador em movimento constante, em velocidades inimagináveis para um bípede humano, desafiando sistematicamente as leis da Física, seja levando o corpo a desafiar a Lei da Gravidade como efetuar um chute de efeito com o lado de fora do pé que faz a bola mudar sua trajetória no ar, como se um anjo estivesse interferindo em seu percurso. Neste exato momento o goleiro adversário de desloca para a direção original onde a bola foi chutada, mas no meio do caminho ela toma outra direção e como se bafejada pelos deuses do futebol, desobedece a lei natural do movimento e rebelde muda seu destino, para morrer suavemente no fundo da rede, sob o olhar desconcertado de um goleiro em pânico, por estar inacreditavelmente no lugar errado.

Um craque como Pelé é diferenciado da maioria porque seu cérebro trabalha incansavelmente durante uma partida de futebol. Ele se mantém em rastreamento constante, analisando a mobilidade do conjunto de 21 jogadores, tanto seus companheiros como seus adversários. Observa atento aos espaços possíveis de ataque, a distância do gol adversário, a altura do goleiro relação ao travessão da meta, a posição do goleiro, o jogador ideal para cada tipo de jogada. Se for precisar de cruzamento na área ele entrega a bola para o ponta ir à linha de fundo e cruzar, tem que ter velocidade. Se quer penetrar na defesa em uma infiltração vertical vai precisar de um parceiro habilidoso que entenda a troca de passes, enfim, o cérebro do jogador trabalha febrilmente desenvolvendo possibilidades para atingir o objetivo principal da partida que é o gol, o clímax do espetáculo.

Quando o time adversário está com a bola, ele precisa reagrupar o time, fechar os espaços, combater com virilidade, impedir as infiltrações, cabecear os cruzamentos adversários, possuir maior impulso e rebater a bola com força quando necessário.

Todos esses movimentos acontecendo de maneira contínua em alta velocidade exigem uma leitura precisa dos atletas para que seu desempenho seja no mínimo satisfatório. Os atletas que não conseguem operar de forma perfeita esses conceitos, podem até ser jogadores de futebol, mas não são craques.

O que difere o craque dos jogadores normais? Simples, o craque está sempre um passo à frente. Enquanto os jogadores comuns estão esbaforidos tentando solucionar uma situação, o craque já conseguiu distinguir o final da jogada e o início da outra. Ele já sabe o que fará, de maneira antecipada, enfim, é um visionário espetacular operando no meio de seres humanos normais.

Assim era Pelé. Era o rei porque como os grandes enxadristas, sabia com antecipação os próximos movimentos. Sabia dosar a velocidade, sabia o momento da finta, do ilusionismo, quando o corpo contraria a lei da gravidade e fica onde não poderia estar, movimenta-se em um balé histriônico, onde o outro procura assombrado por um corpo que deveria estar ali mas que passou e partiu há muito.

Pelé é responsável pela construção de uma obra absurda, onde o corpo físico enquanto pode jogar contrariou todas as leis da ciência no que tange à utilização do corpo na prática de esportes. O mais respeitado dos cientistas nunca conseguiria colocar no papel a forma de jogar futebol desenvolvida por Pelé.

Se Isaac Newton tivesse visto Pelé jogar, teria desenvolvido naquela época, drones, carros de Fórmula 1, aviões e submarinos. Criaria tudo isso vendo aquele homem negro correndo pelos gramados dia campos de futebol. Pelé desenvolveu uma Física que não pode ser apresentada em fórmulas porque foi simplesmente impossível.

A dimensão de Pelé se torna evidente quando viajamos pelo mundo. Estive no interior da Índia e a única referência que tinham do Brasil era Pelé. Se Pelé não existisse essas pessoas não conheceriam o Brasil. Assim foi comigo em todos os recantos do mundo por 9nde passei. As pessoas conhecem que existe um lugar no planeta chamado Brasil, porque há um cidadão desse país que é chamado de Pelé.  Então ocorre o fato raro da existência da palavra composta Pelé-Brasil.

Se Newton tivesse conhecido e visto Pelé jogar, teríamos duas alternativas.  Ou o mundo teria sido outro muito mais evoluído ou o rapaz da Vila Belmiro teria levado uma maçã na cabeça.

 

domingo, 18 de dezembro de 2022

OS QUE DECIDEM POR NÓS

O povo negro sempre esteve à mercê da vontade do homem branco, durante os quase 400 anos de escravidão institucional que aconteceu no Brasil. A população negra nunca recebeu por parte do estado brasileiro, qualquer gesto positivo na direção de reparação do crime de lesa humanidade que foi o sequestro no continente africano, a pérfida viagem sob correntes até às terras do Novo Mundo e ao chegar serem explorados e humilhados nas piores condições sub humanas e degradantes até o final da vida.
A captura do futuro escravo em solo africano, era geralmente precedida de uma guerra entre etnias, fomentada pelo homem branco, que lhes fornecia quinquilharias, dinheiro, armas, pólvora e rum. Combinação explosiva que convulsionou a paz na África Subsahariana e abasteceu o tráfico negreiro por mais de três séculos. Dados empíricos mostram que durante esse período saía um navio todos os dias trazendo acorrentados em seus porões entre 300 e 500 cativos, isso durante mais de 350 anos. O contingente de africanos capturados e escravizados, era composto por homens, mulheres, jovens e crianças.
O tráfico negreiro era o mais lucrativo empreendimento colonial, e através dele foi possível a colonização do Novo Mundo. A empresa colonial exercia o que designou-se chamar de Comércio Triangular, que consistia em trazer os escravos para o Novo Mundo, levar açúcar e pau-brasil para a Europa e de lá armas, pólvora, rum, e equipamentos para o continente africano. Para isso, cometiam as mais hediondas barbáries, com o intuito de preservar o lucrativo negócio.
Para quebrar a auto estima e arrefecer o sentimento de revolta dos cativos, os africanos e africanas aprisionados eram separados enquanto famílias. Os traficantes separavam os membros de cada família capturada, enviando-os para diferentes continentes. Uns vinham para os países da América do Sul, outros para os Estados Unidos e outros para os países caribenhos.
Os estupros das mulheres negras cativas era consentido e até incentivado pelos comandantes das embarcações, que viam com bons olhos a venda de escravas grávidas. Essas mulheres possuíam um enorme valor, pois, em um breve futuro, iriam parir uma criança que seria vendida, gerando bastante valor agregado à transação no mercado negreiro.
Muitos dos cativos se atiravam ao mar, cometendo suicídio, preferindo morrer a vivenciar o terrível futuro que os aguardava. Muitos eram atirados ao mar pela tripulação por motivo de doença, motim ou mesmo para garantir a subsistência do coletivo, quando a embarcação se deparava com longos períodos de calmaria. Nesses casos, a ração e a água que alimentavam o contingente humano no navio, começava a rarear, por conta dos longos períodos estacionados no mar sem vento para impulsionar as velas.
Então eram selecionados por prioridade econômica os que seriam atirados ao mar para garantir que as provisões e alimentos fossem suficientes para todos até a chegada nos portos de destino.
A tripulação utilizava uma comprida e grossa corda marítima, com um enorme peso de ferro na ponta. Atavam então os escolhidos ao martírio, que atados pelos pés eram lançados pela borda da embarcação. Era uma cena horrenda que também servia como exemplo para os mais rebeldes.
A seleção era por prioridade econômica, onde os que não tinham chances de completar a travessia por motivo de doença eram os primeiros selecionados. Depois eram os mais idosos e depois os que ensejavam atos de rebeldia e assim sucessivamente.
O cálculo é que durante esses 350 anos, foram trazidos de África um contingente que órbita entre 10 e 20 milhões de africanos escravizados. Se do que 25% perdeu a vida nas águas do oceano. A quantidade de corpos atirados ao mar foi tão grande que chegou a alterar a rora migratória milenar dos tubarões, que Oi assaram a acompanhar os navios negreiros aguardando o “descarte” de carne humana fresca.
O custo do desenvolvimento das colônias do Novo Mundo para o povo negro será sempre impagável. Cada negro que circule por esses territórios, traz a visível marca da tragédia humana em sua ancestralidade.
As dores físicas não são mais sentidas, foram se desvanecendo nas brumas do tempo. Porém, o sentimento de degredado permanece, a sensação de não pertencimento é presente e o prazer de ser amado por seus concidadãos não existe. O negro herdou o pior que a escravidão poderia lhe oferecer, a repulsa, a desconfiança e a invisibilidade. Recebeu como compensação pelo holocausto de seus ancestrais o instituto do racismo, o preconceito, o bloqueio aos sistemas de saúde e educacionais de qualidade, aos empregos bem remunerados, poder morar em locais seguros e ambientalmente salutares. Também lhe foi vedado a isonomia com outras etnias para exercer o poder político que pode transformar realidades. O povo negro não foi convidado para sentar à mesa do banquete democrático e assim poder sentir o doce sabor da democracia e da igualdade na diversidade.
Nossa sociedade é governada através do modelo democrático, onde a maioria dos votantes escolhe seus representantes. Dentro da organização moderna do Estado, são criadas leis e mecanismos de gestão pública, para que a sociedade possa evoluir cada vez mais na direção do conhecimento, dos Direitos Humanos e da paz. O grande óbice que se apresenta nesse avanço civilizatório é a qualidade da maioria das candidaturas aos cargos eletivos em todo o país. A miríade de candidatos apresenta ao eleitor plataformas recheadas de proposições esdrúxulas, demonstrando profundo desconhecimento da coisa pública. Provam que o futuro projetado e previsto dentro da democracia será absolutamente discutível se depender de suas iniciativas canhestras.
A administração pública, destarte o conhecimento de algumas ilhas de excelência dentro do estado, apresenta uma complexidade enorme. A elaboração e aprovação de leis pelo Legislativo, exige um profundo debate que depende do conhecimento da legislação vigente e da mobilidade política das organizações sociais que colaboram com a estruturação da caminhada da sociedade na direção do futuro.
O entendimento da administração da ‘polis’, do funcionamento da máquina do estado, preconizado por Maquiavel, e depois modernizado e estruturado por Montesquieu, prevê a compreensão da respectiva separação dos poderes e a interação com a sociedade civil organizada, que deve ser o ponto de partida para a construção de políticas na gestão dentro de qualquer território.
Um dos mecanismos de observação, mensuração e controle da população é a Estatística. Através dela e de seus resultados, o estado promove as políticas necessárias ao bom funcionamento da sociedade. Através dela podemos traçar panoramas, estabelecer movimentos de pesos e contrapesos e elaborar políticas que possibilitem a harmonia social e a execução da biopolítica. Michel Foucault consagrou que a biopolítica elabora e controla as políticas voltadas aos cidadãos e cidadãs que têm suas vidas compreendidas dentro de um determinado território. A leitura e análise dos indicadores gerados pela Estatística permitem intervenções no sentido da correção de assimetrias sociais e econômicas que possam atingir aquela população.
Os principais óbices encontrados pela maioria dos parlamentares quando chegam ao poder é o absoluto desconhecimento do funcionamento do estado, do império da lei, da independência entre os poderes e o ato de legislar na abrangência dos limites territoriais estabelecidos pela Constituição, sem ferir legislações na condição de leis infraconstitucionais. A diversidade dos movimentos sociais pode e deve participar da vida do município, porém, a apreensão das técnicas de manipulação da Estatística e a consequente construção de indicadores podem servir de subsídio para a elaboração de políticas consistentes, baseadas no método e não somente no senso comum.
A arte de legislar sem a compreensão da realidade torna-se um fatigante ato de enxugar gelo. Por isso, entra legislatura e sai legislatura e a situação permanece sempre a mesma. Administrar um território com sua população, exige conhecimentos teóricos e práticos multidisciplinares, aliados à criatividade e inovação tecnológica. Ao analisarmos as campanhas políticas, observamos que as mesmas usam o velho e batido bordão “Tem que Mudar!”. Certamente nos últimos 30 anos em seus municípios, com raríssimas exceções, aconteceram mudanças estruturais permanentes, que promoveram mudanças significativas na realidade daquela população. Vejam como as velhas elites locais se revezam e se perpetuam na carcomida instituição do poder familiar, onde pouco importa se possuem capacidade de gestão que possa garantir bem estar para a população daquele território. Bem estar eivado pela democracia, assentado sobre o primado dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Ambientais. Voltado portanto para a promoção de trabalho e distribuição de renda. O entendimento principal deve passar por uma profunda reflexão sobre a necessária transformação social, que exige vigorosos investimentos em diversidade, cultura, tecnologia, educação, saúde, meio-ambiente, trabalho e renda e inclusão social. Quando falamos em inclusão é mister frisar a importância da elaboração de políticas voltadas para mulheres, jovens, negros, deficientes e LGBTQ+. Essas políticas não devem ser implementadas como assistência social e sim como fator de desenvolvimento e geração de novos patamares civilizatórios. A miríade de candidaturas no âmbito nacional, traz novas ondas de esperança que espero sejam motivo de júbilo e não de decepção e infortúnio.
No caso da população afrodescendente, a pólis não está preparada para compreender mecanismos históricos de correção, comumente chamados de Ação Afirmativa. Ao nos debruçarmos sobre o conjunto de leis do Brasil voltadas para o segmento, desde a chegada dos primeiros colonizadores até os dias atuais, não se observa uma linha sequer que vise a promoção da população negra enquanto política de reparação histórica. Pelo contrário, parte da etnia caucasiana luta contra a adoção das cotas para negros nas universidades. Estão equivocadas, pois, em nossa primeira constituição, a de 1824, o negro era impossibilitado de estudar e de votar. Assim o estado brasileiro, promoveu mobilidade social para um contingente humano, enquanto o outro permaneceu compulsoriamente estacionado durante centenas de anos, sem poder estabelecer isonomia com outros grupos humanos de outras etnias. Quando um político ocupa a tribuna para ofender o instituto das cotas nas universidades, está demonstrando ignorância histórica e absoluta ausência de compreensão da gestão do estado, pois, as cotas raciais, constam no documento final, no Plano de Ação da Conferência Mundial contra o Racismo das Nações Unidas, levada à cabo em 2001, na cidade de Durban, na África do Sul. Nesta conferência, que foi um marco para as relações raciais no planeta, foram construídas inúmeras pontes que pudessem viabilizar a elaboração de diversas ações viáveis e concretas, que orientassem a caminhada dos países com mais segurança, no que tange as políticas de inclusão e de combate ao racismo.
Ao ser signatário do plano de ação da conferência, cuja Relatoria ficou a cargo da brasileira Edna Roland, os termos assentados no documento final se tornaram compromissos assumidos pelo Brasil. Conforme decisão das Nações Unidas, esses termos tomam força de lei dentro do país após ele ser signatário do Plano de Ação. Por esse motivo jurídico e outros censitários, históricos e humanitários, que o Supremo Tribunal Federal – STF, julgou as cotas raciais para o acesso às universidades constitucionais, para desgosto dos falsos meritocratas.
Apesar de todo o horror que a ancestralidade negra foi submetida para que fosse possível a construção da nação brasileira, a quase totalidade da população não negra não se levanta contra o racismo estrutural que insiste em perpetuar a desigualdade e o preconceito contra o povo negro. Mesmo depois de 120 anos da promulgação da Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no país, ainda podemos assistir cenas cotidianas de racismo e movimentos neonazistas, destilando ódio aos negros. O racismo estrutural também atua através dos aparelhos de repressão de estado, promovendo um verdadeiro genocídio da juventude negra nas comunidades vulneráveis.
Onde estão os que decidem por nós? Não estão em lugar algum, pois os negros, desde 1532 sempre estiveram por sua própria conta. Todas as políticas de bem estar e de promoção sócio econômicas são destinadas aos brancos. Aos negros é destinado desde sempre o quartinho dos fundos das empregadas e os serviços degradantes para os homens. A responsabilidade sobre a precariedade é sempre apontada como falha meritocrática antropológica e não como mecanismo projetado pelo racismo estrutural.
Então aqueles que decidem, que através do voto popular são alçados ao parlamento para legislar para todos, no fundo apenas perpetuam e aprofundam o racismo estrutural e a desigualdade. Muitos por puro desconhecimento da história e outros porque são racistas e se utilizam do instituto da imunidade parlamentar para desfilar seu racismo.
É importante lembrar que a naturalização da precariedade do povo negro também é uma forma de racismo. Quando a polícia mata um jovem negro, matou porque era um bandido, então matou certo, dizem. Mas porquê ele se transformou em um bandido? Quais as politicas que o falecido jovem negro recebeu por parte do estado para que pudesse ao menos ter uma chance de viver uma vida normal? É muito mais cômodo julgar e matar um negro que pensar e desenvolver políticas que lhe garantam segurança desde a vida uterina, onde a violência obstétrica, comum no serviço público de saúde, é o primeiro sinal que a criança negra recebe, do mundo que a aguarda após nascer.
Os que decidem por nós não estão no cotidiano das áreas conflagradas onde vive o povo negro. Estão nas mansões e apartamentos de frente para o mar, no ar condicionado, cercados de serviçais que lhes acenam continuamente com humilhantes rapapés. Em seus ambientes de trabalho, cercam-se de benesses pagas com o dinheiro do povo sofrido, para legislar sempre em favor dos bem nascidos, dos que possuem e controlam o poder. Em seus espaços materiais e espirituais não cabem o sofrimento do povo negro. Desses só lhes interessam os votos, que geralmente são calçados em falsas promessas e abraços constrangedores. Os que decidem por nós negros, não estão nem aí para as nossas agruras, nosso sofrimento. Não estão nem aí para o holocausto dos nossos ancestrais, estão sim, perpetuando o racismo estrutural que nos oprime cada vez mais.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

AURORA CURSINO DOS SANTOS - A COSMOVISÃO DO CAOS

Aurora Cursino dos Santos, nasceu em 1896 na cidade de São José dos Campos, São Paulo. Deixou um casamento falido para trás e veio para o Rio de Janeiro, onde ingressou na vida noturna e na prostituição. Depois de um período na boemia, deixou a prostituição para trás, fazendo um curso de enfermagem e trabalhando em casas de família como cuidadora e doméstica.
Seu estado mental começou a se agravar e a partir de então passou a frequentar instituições de internação psiquiátrica, onde passou por uma criminosa lobotomia. 
Apesar de todo o sofrimento, nos longos períodos de confinamento, desenvolveu seu talento natural para a pintura. A qualidade de seu talento lhe levou a participou de inúmeras exposições no Brasil e no exterior. Morreu em 1959, deixando mais de duzentas telas que retratam na maioria das vezes o cotidiano da prostituição e a condição de submissão das mulheres. Também deixou uma séria infindável de vaginas e pênis em telas que geralmente não são expostas. Assim como Arthur Bispo do Rosário, passou grande parte da vida em manicômios sem a mínima condição de reabilitação. Seu talento e sua vida de sofrimentos começam a ser resgatados por estudiosos do Brasil e do exterior.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

MARIA FIRMINA DOS REIS - A PRIMEIRA ROMANCISTA DA AMÉRICA LATINA


Maria Firmina dos Reis
O Maranhão está entre os estados mais lindos e importantes do Brasil. Sua história está cravada na formação da nação brasileira. As belezas dessa terra produz uma misteriosa magia que encanta a todos.
No campo da literatura o estado é referência nacional em nomes de destaque na letras. Entre os filhos diletos da literatura maranhense podemos citar Aluísio de Azevedo, Josué Monteli, Graça Aranha, Gonçalves Dias, José Loureiro, Ferreira Goulart, Catulo da Paixão Cearense, Coelho Neto, José Sarney, Artur Azevedo, Salgado Maranhão e as mulheres Laura Rosa, Lucia Santos, Sônia Almeida, Jorgeana Braga, Luiza Cantanhede, Lenita Estrela de Sá e inúmeras outras grandes escritoras.
Há uma escritora porém que merece todas as reverências e homenagens possíveis. É uma mulher negra, uma admirável mulher negra, que ostenta a façanha de ser a primeira romancista da América Latina, tendo escrito e publicado o primeiro romance latino-americano escrito por uma mulher. Maria Firmina dos Reis inaugurou o Romance Abolicionista ainda no período da escravidão. Nascida em 1825, na Ilha de São Luís do Maranhão. Filha de uma preta forra (libertada) chamada Leonor, que aos 25 anos, contrariando o destino até era reservado aos negros e negras da época, estudou e se tornou professora. Maria Firmina publicou seu primeiro romance Úrsula, em 1859, onde denunciava as agruras do cativeiro enquanto expressava seus ideais abolicionistas, baseados em sua experiência ocular e no passado de sua família.
Em um país onde o racismo estrutural não fosse tão forte, como é o caso do Brasil, e que a invisibilidade da população negra não fosse um projeto estabelecido e tolerado pela população, Maria Firmina seria uma celebridade nacional. Contra tudo e contra todos, essa mulher negra, uma heroína do seu tempo, em pleno período da escravidão, escreveu e publicou um romance revolucionário e desafiador para a época, que causa espanto e admiração até os dias atuais.
Maria Firmina sempre foi dedicada aos estudos. Em 1847 aos 22 anos, ingressou no magistério através de concurso para Cadeira do Ensino Primário, no ensino de Primeiras Letras. Abraçou o magistério durante toda a sua vida, comprovando sua lealdade ao ensino ao fundar em Maçaricó uma escola mista gratuita para alunos carentes, uma das primeiras do país. Todos os dias era vista subindo a ladeira que antecedia a chegada a escola em cima de um carro de boi. Talvez tenha sido uma iniciativa pioneira do que hoje são os núcleos populares de estudo para jovens carentes no Brasil. Era conhecida como uma professora calma, de gestos comedidos e por isso era admirada pela população. Toda passeata que era realizada no município de Guimarães, onde residia, parava sob sua janela e aguardava sua benção.
A obra de Maria Firmina dos Reis é objeto de estudo em diversas instituições acadêmicas em todo o país. Além de escritora de diversos livros, participou de inúmeras antologias. Também era compositora, tendo composto um hino em homenagem à Abolição.
Maria Firmina dos Reis nunca se casou e faleceu em 11 de novembro de 1917, aos 95 anos de idade, pobre e cega. Infelizmente a maioria dos documentos de seus arquivos pessoais se perderam nas brumas do tempo, assim como não se tem notícia de nenhuma foto verdadeiramente sua.
Firmina deixou como seu maior legado o amor à literatura e à educação. Apesar de sua luta em prol da mulher, seu busto é o único que representa o gênero feminino na Praça do Pantheon, que homenageia os escritores mais importantes de São Luís do Maranhão.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

CARTÃO VERMELHO PARA A COPA

Estamos assistindo a Copa do Mundo de Futebol 2022 no Catar. O mundo deita os olhos no enclave oriental, onde sua majestade a bola, reinará imponente durante 30 dias.
Meu olhar é curioso e seletivo. Presto muita atenção em detalhes que costumam passar despercebidos para a grande maioria das pessoas. Costumo buscar, por exemplo, comparar os salários dos jogadores. Então cruzo desempenho no gramado com a faixa salarial. Outra curiosidade que tenho é prestar atenção nas torcidas no intuito de identificar pessoas negras quando o jogo não é de nenhum país africano. Parece que nesta edição do evento, dos 32 países participantes somente quatro não possuíam negros em suas equipes.
A torcida do Brasil, por exemplo, era constituída de 99% de brancos, mostrando para o mundo a escancarada desigualdade social. Os negros brasileiros brilham nos gramados mundo afora, mas a plateia que se deleita com suas habilidades não possui negros em sua composição.
Assim como o samba e a capoeira, o futebol não era um esporte cultuado pelas elites. O jogador de futebol era discriminado tanto por ser negro como por ser branco pobre. O esporte não gerava os contratos milionários de hoje em dia. O goleiro Manga contava que saíam do Maracanã depois do jogo e corriam para a feira livre comprar o almoço com o dinheiro do ‘bicho’ que recebiam. Na Copa do Catar pudemos assistir espantados jogadores brasileiros saboreando bifes coberto por ouro que custavam 9 mil reais a unidade. Além de gastarem uma verdadeira fortuna com o jantar, ostentavam relógios avaliados em 3 milhões de reais. Os tempos realmente são outros. Muitos jogadores viajam em suas próprias aeronaves movidas a jato, que atravessam o oceano sem necessitar de abastecimento. Muitos vão para os treinos em seus helicópteros e usufruem as férias em seus iates, que são vistos ancorados em diversos paraísos naturais ao redor do mundo.
Os negros do Catar participaram da copa, mas como operários que vieram de fora para trabalhar na construção dos estádios. Morreram mais de 6 mil trabalhadores na construção dos estádios. Obviamente que a grande maioria dos que os perderam não era de operários brancos.
A copa também mostra algumas curiosidades históricas, como o fato da seleção da Argentina ser a única seleção da América do Sul a não possuir jogadores negros em seu elenco. A explicação repousa em várias narrativas, principalmente que ela indenizou seus ex-escravos que concordaram em ir para o Brasil. Também enviou uma infinidade de escravos para as guerras da época, onde a grande maioria perdeu a vida. Por se considerar a Europa dos trópicos, orgulha-se pelo fato de sua população ser majoritariamente caucasiana.
Um dos fatos que mais prende minha atenção é a torcida dos países africanos. A diferença de felicidade é gritante. Os africanos chegam com seus trajes multicoloridas, cantando, tocando seus instrumentos e dançando felizes. O contraste comportamental é enorme, onde o corpo africano se diferencia dos europeus, americanos e asiáticos, com suas danças exuberantes, seus deuses e seus corpos falantes, que são verdadeiras maravilhas.
Quando a copa terminar o Catar voltará ao normal, com o islamismo cobrindo as mulheres e as expressões efusivas de felicidade controladas. O público LGBTQIA+ sairá de circulação e o consumo de álcool terá sua proibição de volta. Porém, os habitantes locais jamais esquecerão que existem povos felizes e que podem demonstrar essa felicidade. Que existem povos que podem demonstrar afeição por pessoas do mesmo gênero publicamente sem serem castigados, que mulheres podem andar livremente como queiram, até fumando e bebendo sozinha.
A copa do mundo não se resume em atletas milionários correndo atrás de uma bola. Ela serve para unir os povos e principalmente mostrar a diferença cultural entre os mais diversos povos do planeta. Na competição futebolística somente um país sai vencedor, porém, na agregação de valor todos vencem de uma maneira ou de outra. 
Apesar de ser considerado um evento excludente devido ao alto custo cobrado ao público participante, tornando-o exclusivista, a copa do mundo traz em seu bojo um quê de união dos povos, um orgulho patriótico saudável, não ufanista, saudável e verdadeiro.

sábado, 3 de dezembro de 2022

O QUARTO DE EMPREGADA E O ELEVADOR DE SERVIÇO

Essa coisa de quarto de empregada e elevador de serviço dá uma confusão danada e exige mais atenção por parte dos intelectuais. O quarto de empregada é considerado uma excrescência social na sociedade contemporânea brasileira. Eu particularmente não gosto desse tipo de arranjo. Mas como dizia o Garrincha, vcs combinaram com os russos? Os russos no caso são as domésticas, que geralmente vivem nas periferias distantes e gastam até três horas dentro dos transportes coletivos abarrotados e caros. Essas trabalhadoras chegam em casa por volta das 22h para acordarem às 5h e chegar de volta ao trabalho às 8h. Quem aguenta cumprir uma rotina dessas por mais de 30 dias? Nos Centros das grandes cidades brasileiras existem comunidades organizadas que dormem sob as marquises para não ter que fazer o vai e vem diário periferia x centro/zona sul x periferia que consome 6h diariamente das pessoas que necessitam cumprir essas jornadas. Muitas dessas trabalhadoras fazem a opção de "morar" no quartinho de empregada para ter mais "qualidade de vida". Preferem a singularidade do quartinho com banheiro dentro do apartamento dos patrões, onde possuem uma tv, um rádio e uma caminha de solteiro, a se despencarem pelas ruas escuras e perigosas nas noites e madrugadas das periferias. Soma-se a isso o cansaço extremo de ter que viajar por longas horas em transportes coletivos lotados e sem o menor conforto e regularidade. Várias preferem o quartinho pq economizam saúde, dinheiro e não correm riscos. 
Os patrões por outro lado aproveitam a precarização da situação laboral e transformam a jornada de trabalho em um processo laboral continuo, onde a trabalhadora fica responsável pela guarda das crianças para os pais poderem cumprir vida social e até viajar além de utilizá-la quando recebem convidados para seus convescotes noturnos. É uma troca onde um lado utiliza o quartinho como moeda de troca. Usa o quartinho, usa chuveiro elétrico, janta a comida dos patrões, não paga água nem luz para morar no quartinho, que geralmente pertence a um imóvel muito bem localizado, onde a trabalhadora pode sair à noite e dar uma volta no bairro chique, totalmente diferente das perigosas periferias. Há uma hipocrisia por parte dos patrões que chamam essas trabalhadoras de "quase da família". Muitas dessas famílias levam as trabalhadoras para as casas de praia ou de montanha para atenderem a família nos feriados e período de férias escolares. Muitas trabalhadoras gostam de viver assim, outras não. Penso que há que despertar o lugar de fala dessas trabalhadoras e fortalecer a ideia de sindicalização no sindicato da categoria. A lura de classes se faz no dia a dia, na rotina onde as relações sociais acontecem . Os porteiros também têm seus quartinhos. O deles e pior pq geralmente são contíguos ã casa de máquinas dos elevadores, onde não há sol nem qualquer tipo de ventilação, mas pouco se fala disso.
Quanto ao uso do elevador de serviço, existem diversos olhares. O principal é a motivação da segregação que na maioria das vezes não se sustenta muito diante de uma análise mais aprofundada. O elevador de serviço atende a diversas atividades, a mudança é uma delas. Uma mudança em um apartamento de três quartos leva praticamente o dia inteiro. Os elevadores de serviço geralmente vão até a garagem dos veículos e por esse motivo os proprietários geralmente os utilizam pois ali desembarcam de seus carros. São elevadores que transportam entulho de obras, máquinas, ferramentas grandes e recebem entregas do comércio ininterruptamente. Serve para discriminar os trabalhadores? Servem sim, mas também atendem a outras necessidades. 
O debate ficaria bem interessante se focalizassemos também a discussão no porquê daquela mulher negra ser a empregada e a branca a patroa. Que sociedade é essa que gera essas assimetrias sociais tão gritantes? De onde vieram os negros e os brancos? Como vieram ou foram trazidos e com quais propósitos? Por que os negros são pobres? Onde vivem? O que você pensa do racismo?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

O RAPPER ESTADUNIDENSE KANIE WEST JUNTA A SUÁSTICA COM A CRUZ DE DAVI EM SUA CAMPANHA PRESIDENCIAL

Noam Chomsky diz algo parecido como "que em comunicação quando se quer esconder uma coisa se cria outra coisa". Agora a bola da vez é o negro que gosta do nazismo. Ele talvez nem saiba o que está pregando, pois, as origens do nazismo, nada tem a ver com África e escravidão. O mais perto que a Alemanha passou da África foi a ocupação de partes daquele continente por Von Rommel e a Conferência de Berlim, de triste memória. O nazismo nasce do partido de Hitler, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães.
O recrudescimento do nazismo acontece com o ocaso da República de Weimar que deu fim a monarquia alemã em 1919 e terminou em 1933 após a morte do presidente e herói de guerra Von Hindenburg, culminando com a chegada do então Chanceler Afolf Hitler ao poder total. O resultado foi o desastre da Segunda Guerra Mundial com 60 milhões de mortos, sendo que 6 milhões nos campos de extermínio nazista.
Por que o Rapper Kanie West, um negro, utiliza o principal símbolo nazista junto c a estrela de Davi em sua campanha? Vou procurar saber. Infelizmente o genocídio africano da escravidão, do tráfico transatlântico de seres humanos e da colonização forçada daquele continente nunca tenha tido um símbolo. O povo judeu com toda a razão, luta diuturnamente para que o doloroso holocausto judeu nunca seja esquecido. E os africanos que perderam 100 milhões de vidas em todos os eventos citados acima? Somente o Rei Leopoldo da Bélgica é responsável pelo gên*cídi* de 10 milhões de congoleses, sendo que o tráfico transatlântico e a escravidão são responsáveis por estimados 10 milhões de vida e a colonização impôs um massacre que por baixo ceifou 60 milhões de vidas.
Qual a marca desse holocausto? Nenhuma. O racismo não permitiu ao menos um símbolo que representasse uma referência respeitosa pela perda de 100 milhões de vidas, ou seja, a perda de vidas de duas guerras mundiais somadas. Então o político negro junta os principais símbolos dos nazistas e dos judeus como uma mensagem política emblemática e enigmática.
Antes do cancelamento, alguém ouviu o que o cidadão negro tem a dizer sobre isso? É uma situação bizarra e surreal que merece explicação. Situações como esta servem como motivo de apedrejamento imediato dos que não gostem de negros. Não estão apedrejando o negro nonsense e sim todos os negros. No meu entender ele, o rapper, deveria explicar o sacrilégio (se é que tem explicação) que cometeu, para que suas teses fossem ouvidas e a partir daí então combatidas.
No meu entender não deveria entrar na seara alheia sem ser convidado. Certamente nazistas e judeus não colocam em suas agendas o combate ao racismo contra negros como prioridades. 
Aqui no Brasil pude assistir a uma jaboticaba política detestável, quando o então candidato Jair Bolsonaro falando no Clube Hebraica, para judeus, no Rio de Janeiro, fez várias piadas racistas contra o povo negro, tendo a plateia de judeus desabado em risos de cumplicidade. Parecia um grupo de dinossauros rindo de outro grupo de dinossauros, enquanto o meteoro se aproximava.
Não é o cancelamento no Twitter que impedirá a disseminação do nazismo ou do totalitarismo na sociedade. A proliferação se dá pelo apoio que Elon Musk acaba de oferecer a Donald Trump em seu império digital.
Voltando a Noam Chomsky, cancelaram o negro no Twitter que está sendo devidamente apedrejado. Enquanto isso acontece, Donald Trump foi silenciosamente reabilitado nessa mesma rede, por seu novo proprietário, o camarada Elon Musk.