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Eu Negro

terça-feira, 31 de maio de 2022

RACISMO ESTRUTURAL

O racismo estrutural é a política institucional que mantém o racismo como um dos fatores estruturantes da sociedade brasileira.
Apesar de passados 130 anos da promulgação da Lei Áurea, que deu fim à escravidão no Brasil, ainda persistem alguns mecanismos que impedem a ascensão social e econômica da população afro-brasileira.
Ao contrário do que deveria acontecer, as estruturas públicas, principalmente as de Saúde e Educação, que atendem majoritariamente o povo negro, são cada vez mais precarizadas e canibalizadas, aliando-se aos fatores estruturantes a degradação do meio ambiente nós territórios de população negra.
Nós territórios negros, a necropolítica continua sendo a principal maneira de relação entre os aparelhos de repressão de estado e as comunidades negras.
O arcabouço legal vigente no país, volta suas baterias contra a população negra com um peso diferenciado em relação a outros contingentes étnicos. Para esses aparelhos de estado o negro sempre será suspeito de cometer ilícitos, assegurando assim, demonstrações inequívocas de racismo e preconceito por parte do estado brasileiro.
A população negra, historicamente habita os territórios mais degradados ambientalmente, para os quais o poder público volta suas costas, criando o que se denomina racismo ambiental.
Essas estruturas sociais assimétricas tendem a se reproduzir exponencialmente, perpetuando e garantindo espaços de poder e privilégios para grupos étnicos não negros.
O racismo não é natural, apesar de estar naturalizado em nossa sociedade. É uma estrutura perversa que se realimenta em motocontínuo, garantindo poder econômico, privilégios e benesses às elites dirigentes do país.
O racismo estrutural organiza-se par a par com o capitalismo. O modelo de organização econômica que tem como primado a acumulação e o consumismo, vai de encontro a ancestralidade do povo negro, onde o modo de viver coletivo e o bem comum solidário são a pedra de toque da organização social africana.
No Brasil nos deparamos com inúmeros mundos invisíveis, onde a elite branca dominante tece incessantemente os destinos da base social da pirâmide.
Assim como nas primeiras cidades da civilização, a organização social ocidental capitalista detém o controle sobre as estruturas institucionais, militares e econômicas do estado. Os tribunais, o alto comando militar, o parlamento e a gestão política do próprio estado são absolutamente servis e diligentes com a elite nacional.
O conjunto de instrumentos da estrutura de Estado que regem direitos e deveres da população brasileira é absolutamente surdo e indiferente aos desassossegos do povo negro. Todo o conjunto de instrumentos funciona para manter a estrutura colonial, por mais que se brade acerca da vocação republicana da nação.
Os negros, com raras exceções, sempre estiveram fora das universidades publicas. Sempre ocuparam os piores postos no mercado de trabalho. Lotam os presídios, penitenciárias e se livres, formam o famigerado 'exército de mão de obra de reserva’.
Ao negar educação pública de qualidade para o povo negro, o estado empurra esse contingente humano para o desemprego e consequentemente para a margem da lei em muitos casos.
O sistema é perverso. Nega educação de qualidade que não acessa nenhuma ou boas colocações no mercado de trabalho, que de maneira perversa e miseravel atira um grande contingente de jovens negros nos braços do crime.
O estado cria os criminosos e ao mesmo tempo ordena que os aparelhos de repressão os prendam ou os matem, gerando o círculo vicioso da corrupção e da morte, onde o poder público se locupleta com dinheiro e garantia de território político enquanto oferece proteção e liberdade de ação para os meliantes, que foram gerados pelo próprio Estado, que negou-lhes uma vida com dignidade ao negar-lhes educação de qualidade e um território cultural decente e desassombrado. O Estado é também responsável em parte pela construção dessa catedral de horrores, tanto por inabilidade política como por sua decantada incapacidade gerencial.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

SEMPRE É TEMPO DE PESTE QUANDO SÃO OS LOUCOS QUE GUIAM OS CEGOS (William Shakespeare).

Os militares nazistas lotados nos campos de extermínio do Terceiro Reich foram cruéis e desumanos com nossos irmãos judeus. Deram fim a aproximadamente 6 milhões de vidas, que nada fizeram naquela guerra, a não ser sofrer toda a sorte de indignidade e infortúnios delegados aos povos oprimidos. 
Os fornos crematórios de Auschwitz, Sobibor, entre tantos outros do aparato bélico militar de Hitler, trabalhavam diuturnamente em suas sinfonias de morte, não poupando ninguém, nem mesmo as inocentes criancinhas judias. Não há como não se emocionar e se indignar com a situação a que foram submetidos nossos irmãos judeus naquele terrível conflito. A indignação e a perpetuação da lembrança de tempos tão sombrios nos comove desde sempre.
Porém há uma guerra invisível em curso no Brasil. Apesar das peremptórias negativas por parte do estado brasileiro, há um conflito real que ceifa mais de 50 mil vidas de nossos nacionais todos os anos.
Mata-se anualmente no Brasil, basicamente o mesmo número de militares estadunidenses que morreram durante os dez anos de guerra no Vietnã.
Com a política de flexibilização da venda de armas a tendência é a elevação exponencial desta barbárie.
A criminalidade aumenta a passos largos empurrada pela gigantesca e silenciosa crise econômica, social e moral que assola o Brasil.
Estamos chegando ao fundo do poço, sim, com o parlamento compurscado por negociatas e corrupção, o Executivo comprando o congresso com o orçamento secreto, militar levando cocaína no avião da Presidência da República, aquisições com dinheiro público de Viagra, próteses penianas e gel lubrificante para penetração sexual. Na verdade nem precisavam das tais estripulias eréteis, pois, de uma certa forma fazem isso com o povo há muito tempo.
Agora estão levando à sério a inventividade tupiniquim e resolveram estrear o forno crematório portátil sobre rodas.
A cena dos policiais incinerando dentro da viatura oficial um cidadão com problemas de saúde mental, mostra que estamos em tempo de peste, onde os loucos guiam os cegos, como disse William Shakespeare, famoso bardo inglês.
O período quando os loucos guiam os cegos, surge de tempos em tempos. A história é pródiga em apontar diversos ciclos desse tempo. Podemos citar Hitler levantando a Alemanha, Mussolini na Itália, Stalin na União Soviética, Pol Pot no Camboja e tantos outros exemplos de triste memória.
No Brasil emergiu há pouco o sentimento nazifascista que estava encolhido, hibernando, aguardando a oportunidade para se apresentar nesses novos tempos. E o tempo chegou, trazendo consigo a besta do apocalipse, o anticristo. Vige nas hostes dos cegos o culto às armas de fogo preconizada pelos loucos. O nacionalismo exacerbado, a canonização dos símbolos pátrios, a ojeriza aos direitos humanos, ao social, à organização dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, dos LGBTs e principalmente dos povos indígenas. 
A Amazônia tornou-se um capítulo a parte, onde o louco guia os cegos para a implantação de projetos devastadores para a região. Não há respeito por nada, somente pela tabula rasa que rege a caminhada dos loucos.
Pedro Aleixo era civil e Vice Presidente do General Costa e Silva durante a ditadura militar e foi o único membro do Conselho de Segurança Nacional que votou contra o AI5 na famigerada reunião que o sacramentou. Perguntado por Costa e Silva o porquê do voto isolado, Aleixo respondeu que o problema maior não era o presidente e sim o guarda da esquina. Pois é, aqueles policiais de Sergipe são os guardas da esquina do Messias que tem as mãos manchadas com o sangue de Jesus, Genivaldo de Jesus, um negro pobre, trabalhador, casado e pai de dois filhos,  sem antecedentes criminais, portador de esquizofrenia, que cometeu um único erro que lhe custou a vida, não entender que o guarda da esquina agora tem permissão para matar inocentes.
Incinerar um negro em plena luz do dia sob as câmeras de filmagem, se tornou um ato normal, ou seja, há uma naturalização da barbárie, principalmente quando a violência se volta para a população negra. Há uma ponte apocalíptica entre Aracaju e a comunidade da Vila Cruzeiro no Complexo da Penha. Essa ponte metafórica permite que se realize uma incursão policial em uma comunidade de favela, onde são eliminadas 26 pessoas com a intensa participação da Polícia Rodoviária Federal, que em tese não deveria estar ali.
 Para uma boa parcela da população isso também é normal. Mas não é normal. Pior, é assustador saber que o aparato de repressão do estado está saindo das suas prerrogativas institucionais. É assustador porque todas vezes que esta situação aconteceu, a institucionalidade não voltou ao normal. Para os mais alarmistas fica parecendo a preparação operacional para o golpe militar que a cada dia solta mais fumaça.
Não se pode questionar a ação que beira a genocídio, pois os que questionam são acusados de "defender bandidos". A lei e a democracia precisam ser preservadas. Não importa o custo. A democracia às vezes possui raízes amargas, mas seus frutos são sempre doces.
O primado dos direitos humanos nos ensina que a vida, dos dons é o mais importante e sagrado que possuímos. Não importa se estamos dentro, à margem ou fora da lei. Todos são inocentes até que a sentença transite em julgado. A constatação da importância desse recurso judicial foi a inocência declarada pela suprema corte brasileira ao anular as condenações do ex presidente Lula, que amargou quase 600 dias de cárcere, lá colocado por um sistema judicial comprometido com a inobservância da lei e aliado a interesses políticos escusos.
A cena é triste e cruel. O cidadão negro, portador de sofrimento mental, perde a vida incinerado em um veículo oficial do governo brasileiro. Sufocado sem poder respirar, assim como morreram as pessoas em Manaus, no auge da crise da COVID, onde morreram sufocadas, sem oxigênio, devido a leniência do estado, da verve fascista, da política negativista, da incapacidade institucional e política de gerir o estado com amor e solidariedade.
Os loucos seguem guiando os cegos. O Messias continua matando Jesus .

sábado, 21 de maio de 2022

ÍNDIO NÃO QUER TOKEN

Sou um observador atento da vida amazônica. Observador privilegiado, pois tive o imenso prazer de ter sido um morador da região. Vivi em Porto Trombetas, bem na beirada do Rio Trombetas, entre o Pará e o Amapá, no coração da selva. Ali convivi e me eduquei com a enorme diversidade humana que é composta por nações indígenas, caboclos, populações ribeirinhas, seringueiros, trabalhadores sem terra, quilombolas, posseiros, povos ancestrais e culturas tradicionais.

Religiões e cultos diversos, entre os quais podemos citar o Xamanismo, Santo Daime e União do Vegetal, além dos cultos colonizadores como o cristianismo e outros com menor visibilidade.

A povo amazônico sofre há muito da violência cultural por parte dos alienígenas caucasianos. Tentaram eliminar seus deuses e crenças, seus idiomas, sua liberdade corporal, a noção do naturismo, seus cânticos, sua agricultura e, principalmente, o saber milenar da etnobotânica.

O centro do capitalismo sempre usufruiu dos saberes tradicionais, onde através de seus laboratórios farmacêuticos, sintetizam o conhecimentos dos Pajés, das rezadeiras e benzedeiras, dos caboclos e dos conhecedores das ervas.

Ao se apropriarem da sabedoria afroindígena amazônica, geraram imensas fortunas em seus países com a produção de medicamentos que têm como princípio ativo a flora da hileia brasileira.

Os amazônidas sempre foram relegados a uma subdimensão folclórica aos olhos do ocidente. Lendas como a da Cobra Grande, Caipora, Curupira, Boto Sedutor, caboclos e Iaras encantadas sempre permearam o imaginário fantástico da floresta e seus seres encantados.

Desviando o olhar para a realidade mais contemporânea, podemos constatar péssimos indicadores econômicos e sociais. Àquela população há muito esquecida pelos nossos governantes, restou o de sempre as carcomidas migalhas institucionais, que podemos considerar meros curativos tópicos paliativos em um corpo cada vez mais doente, destarte sua plenitude esplendorosa.

Sem mergulhar nos gráficos e outros demonstrativos, que são avassaladores, sabemos que a região passa por diversas escaladas violentadoras como a ampliação das áreas de garimpo, as eternas queimadas, o genocídio dos povos indígenas e quilombolas e o horror da devastação da floresta virgem para o estabelecimento de pastagens, fazendas e projetos ilegais de retirada de madeira.

A Amazônia se transformou eu um cassino capitalista predatório, onde as fichas são jogadas em prol do lucro de empresários gananciosos, associados a grandes trustes internacionais que não têm nenhum compromisso com a biodiversidade e as populações que através dela subsisistem.

Quando o homem mais rico do planeta vem ao Brasil oferecer tecnologia digital para escolas amazônicas, devemos guardar um olho no peixe e outro no gato. O sulafricano com cidadania estadunidense não é um exemplo de bondade, ninguém ganha 11 mil reais por segundo impunemente. O bilionário que propôs que explodissemos bombas nucleares na Lua, não atravessaria o Atlântico rumo aos trópicos somente para oferecer tecnologia digital para as crianças da Amazônia. Obviamente que isso pode ser realizado, certamente que sim. Porém, o mais sensato e convencional, que fosse através de um projeto discutido com o governo brasileiro, nosso parlamento e atores sociais da sociedade civil amazônica.

Causa profunda estranheza ver o futuro colonizador do planeta Marte surgir repentinamente em seu zepelim prateado no interior de São Paulo, prometendo gratuitamente Tik Tok para geral e de quebra, como brinde, monitorar a imensa região amazônica com sua estranha rede de satélites Starlink agregada a toda tecnologia necessária envolvida.

É um projeto realmente sedutor, que fez o arrogante presidente brasileiro largar o batente em Brasília e se jogar humildemente aos pés de Musk, no convescote em homenagem ao bilionário, onde só foram convidados com a nata do empresariado nacional bolsonarista. Os próceres da Faria Lima estão em cólicas, loucos para bater a carteira do bilionário gringo pop star e fazer selfies com Musk que ostentarãobem suas salas de visitas e escritórios.

O projeto pode ser interessante, mas será que é mesmo? Talvez possa ser, desde que sejam postos à mesa os indicadores sociais da região. Se querem falar de escolas e Educação, precisam analisar seriamente as condições de trabalhos dos profissionais da Educação local e sua respectiva estrutura física, aliadas ao poder de acolhimento das unidades de ensino. Será necessário verificar a qualidade da formação dos docentes e dirigentes escolares. Avaliar o currículo a ser implantado levando em conta as especificidades regionais e o nível de aprendizado de jovens e crianças das comunidades beneficiadas.

Além do arcabouço social local, há que se debater no Congresso Nacional, inclusive com audiências públicas, a pertinência e o mérito do projeto, além da realização de fóruns locais, fóruns amazônicos, para saber se a população deseja o tal projeto ou não.

A experiência secular mostra que projetos de grande amplitude que são empurrados goela abaixo, vindos de cima, nada mais são que malandragens eleitoreiras, que duram somente até a próxima eleição. Também pode ser uma suave penetração no assunto proibido que são as reservas de lítio que podem produzir as baterias dos carros da Tesla, nióbio que o Brasil possue 90% da reserva mundial e urânio com o qual o Brasil detém 9% da reserva mundial que quiçá impulsionarão os foguetes nucleares de Musk na futura aventura marciana. Os foguetes químicos atuais levariam de 9 meses a 1 ano na viagem de ida ao planeta vermelho, expondo a tripulação e a própria missão a vários riscos. Com a propulsão nuclear a viagem duraria apenas 2 meses, poupando a missão, a equipe e os custos. Musk está de olho no desenvolvimento desta  desenvolvida pela empresa USNC-TECH.

Para que não seja rotulado como uma pantomina, um embuste, torna-se necessário que os atores amazônicos sejam consultados. Podemos citar por exemplo a FASE NACIONAL, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a Coordenação das Articulações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos – CONAC, a Cáritas Nacional, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Instituto Sócio Ambiental – ISA, SOS Amazônia, CEDEMPA, entre tantas outras.

A principal fonte de consulta, a fonte primária, ainda continua a ser as nações ou povos indígenas. Na verdade é uma enorme pretensão e ousadia divulgar um projeto dessa monta, até agora totalmente desconhecido da população brasileira, que impactará uma região enorme, correspondente a 41% do território da Europa. Fica parecendo uma divertida jogada de marketing político engendrada por Steve Bannon e comandada por Donald Trump, com o intuito em manter o clã Bolsonaro no poder. Trump precisa de bons aliados em seu projeto de retorno à Casa Branca.
Podemos incluir no pacote de surrealidades a presença do ministro Dias  Toffoli do STF? O que lá foi fazer o magistrado, sabendo que era no mínimo um estranho evento da campanha Bolsonaro? De novo "com Supremo, com tudo"?

Finalizando, não há nada de novo no que Elon Musk anunciou. Nada que não seja da capacidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nosso produtivo e tecnológico INPE, agora relegado ao degredo científico pelo atual governo. Além do INPE temos também o Sistema de Vigilância da Amazônia - SIVAM, que produz resultado similar de monitoramento. Estão na verdade oferecendo 'Ar de Musk' da mesma maneira que os europeus ofereciam espelhos e contas coloridas ao povo autóctone quando aqui aportaram no século XVI.

Deveríamos sentar na mesa com Elon Musk e fazer a célebre pergunta que Garrincha fez ao treinador Vicente Feola, da seleção brasileira campeã de 1962. Durante a preleção, antes do confronto com a então poderosa seleção da União Soviética, o técnico reuniu os jogadores para apresentar as estratégias que levariam o Brasil a vencer o jogo. Ao fim da preleção, instados pelo treinador se havia alguma dúvida, Garrincha levantou a mão e proferiu a seguinte pérola que foi eternizada pela crônica esportiva tupiniquim: “Dr. Feola! O senhor combinou tudo isso com os russos?

terça-feira, 17 de maio de 2022

RAP ELITE E FAVELA


É a velha estória da elite oprimindo a favela

É o povo pobre da perifa se lascando nas vielas

E na peleja desigual do capital contra o povão

O culpado por sofrer é o coitado do irmão

A justiça matou no peito e devolveu de canela

É a velha estória da elite oprimindo a favela

 

A injustiça dói! A injustiça dói!

Capitalismo não rima com igualdade

A injustiça dói! A injustiça dói!

O genocídio da negrada é crime contra a humanidade

 

O sangue do negão tá convocando lá do chão

Tá lá desafiando a consciência do povão

Tá lá nos intimando a fazer revolução

O povo vai fazer a verdadeira abolição

 Palmares é aqui Canudos guerrilheiro

Somos filhos de Zumbi e Antônio Conselheiro

Somos cangaço e herdeiros de Lampião

Somos Malês fazendo a revolução

Aqui o povo luta o povo não amarela

Quando a força da cultura é o comando da favela

No baile funk, no jongo, na passarela

Na beleza da passista

Nos artistas das vielas

Seres brilhantes diamantes cintilantes

Personagens fascinantes que a elite atropela

 Viva Cartola, Mano Décio da Viola, Dona Zica, Dona Neuma, Babaú, Zé Espinguela;

Carlos Cachaça, Dona Ivone, Zé com Fome, Lecy, Geraldo Pereira, Bid e Paulo da Portela;

Zé Criolinho, grande Nelson Cavaquinho, Padeirinho, Molequinho, Dona Eulália e o povo dela;

Coluna Prestes, Araguaia, Abdias, Apolônio, Santo Dias, Chico Mendes, Marighella; 

Tibete livre, África reparação, Palestina pátria livre o bom cubano é meu irmão;

O povo negro no Haiti fez gol de placa e a elite deu carrinho e até hoje contra ataca;

No USA (uesseêi) do Mississipi ao Alabama Luther King e Malcoln X prepararam pro Obama;

Falei e disse, já mandei o meu recado

Seja pobre ou seja rico é cada um no seu quadrado

Aqui o povo luta o povo não amarela

Mas no ônibus da vida o rico anda na janela

Aqui o povo luta o povo não amarela

Eu sou mais é João Cândido e Teresa de Benguela.

 

sexta-feira, 13 de maio de 2022

A ALMA NEGRA É ESSENCIALMENTE REVOLUCIONÁRIA

 Para ser negro, basta nascer negro. Para tornar-se negro, somente abraçando sonhos revolucionários.

Para abraçar sonhos revolucionários é necessário a chama do devir, a iluminação social, o renascimento para uma nova vida, onde as cascas amorfas do passado complacente dão lugar à chama da insurreição.
Um negro não pode não ser insurrepto, não ser revolucionário, sem deixar de constituir uma dívida ancestral enorme. De Palmares, a Tróia Negra até João Cândido e seus marinheiros. De Teresa do Quariterê ou Teresa de Benguela, a Oswaldão e seus combatentes no Araguaia, foi muito sangue jorrado.
O negro pode passar a vida sem lutar, sem se importar ou mesmo sem se rebelar. Mas será sempre um meio negro, um negro conformado com a situação, um aliado da opressão.
Para deixar de ser simplesmente negro e tornar-se verdadeiramente negro, terá que sentir o suor das trincheiras, não temer o enfrentamento, bater-se contra o mal, contra a injustiça, contra o racismo.
Após a venda retirada dos olhos, até mesmo os antolhos, o novo negro surgirá em ébano orgulhoso, forte, cabeça erguida e invencível.Pronto para lutar até a morte por um futuro melhor para nossas crianças negras. Lutando por um descanso digno para nossos idosos negros. Também estará ombreado com nossas irmãs negras em defesa da agenda feminista das mulheres negras.
O novo negro estará na linha de frente por uma educação pública de qualidade, pois é na escola pública que estão as crianças negras. Estará no front por saúde pública de qualidade, pela defesa do SUS, por políticas abrangentes no tratamento da anemia falciforme, mioma uterino, humanização da obstetrícia e nutrição de qualidade.
O negro do devir revolucionário não seguirá os despóticos, não marchará com conservadores e em tempo algum com fascistas. Estará sempre ao lado de seus irmãos e irmãs negras conscientes, trabalhando junto aos inconscientes, para aumentar o exército revolucionário, o exército do povo negro que recusa firmemente sua rendição à opressão.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

MUNDOS INVISÍVEIS

O útero negro é a preparação da passagem de uma criança negra para um mundo invisível que a acompanhará para sempre, pelos restos de seus dias.

O mundo de uma criança negra começa antes da concepção, há milhares de anos que se perdem nas brumas do tempo.

Seus genitores geralmente desprovidos de poder financeiro, vivem nas periferias, em habitações precárias, sem estruturas mínimas de saneamento e em espaços ambientalmente degradados, onde o estado só comparece com a polícia em cotidianas ações violentas e perigosas.

A mãe negra daquela criança não possui condições financeiras de adquirir um plano de saúde que garantiria a ela o conforto, a tranquilidade e a presteza dos hospitais da rede privada, sempre bem equipada e com equipamentos e exames em perfeito estado de funcionamento.

Todo o acompanhamento da gestação será em hospitais públicos, depauperados, geralmente sem profissionais à disposição, sem medicamentos gratuitos e com instalações em péssimo estado, oferecendo inclusive sério risco à parturiente através da violência obstétrica.

Ao nascer a criança negra produz uma redoma de amor e carinho, portadora que é de esperanças renovadas para seus pais e família. Porém, seu mundo começa se tornar estranho e diferente, pois, sobre seu berço, não existem móbiles com anjinhos negros. A decoração de seu quarto, se houver um quarto, é sempre eurocêntrica, com personagens de outra etnia que não a sua.

Aquela criança negra vai crescendo feliz, pois em sua inocência não percebe que seu mundo real será precedido por um mundo invisível, que a manterá presa em um campo de retenção indetectável durante grande parte de sua vida. Porém, em seus primeiros anos de vida, esse campo será tão aceito e sutil e que para ela esse é o mundo real, enquanto, que na verdade, esse é o mundo invisível, o mundo de Nárnia ao contrário, onde para se adentrar nele a criança tem que sair da proteção do armário e se atirar em um mundo tenebroso e cruel, onde sua vida será massacrada lentamente desde o nascimento até a morte.

Aquela criança negra vai se desenvolvendo, já tendo então deixado de lado a ausência de anjinhos negros para trás. Aprende em suas igrejas que os deuses e santos são brancos de barbas brancas e que nas aulas de formação religiosa nas manhãs de domingo, não há negros em sua ancestralidade. Apresentam-lhe um Deus que castiga, flutuando entre as nuvens com longos cabelos brancos e barbas brancas, cercados por anjinhos brancos de asas brancas. Para aquela criança, o sagrado é uma deferência que Deus escolheu para as crianças brancas, pois, elas estarão livres de seus pecados e poderão ascender aos céus.

O desenvolvimento daquela criança negra será um corolário de inconformismos e sofrimentos em um país de matriz multirracial. Nos livros de contos de fadas ela não encontrará nenhum rei, rainha, príncipe ou princesa negros. Aprenderá que a bondade, a generosidade e a realização espiritual se dá em valores caucasianos. Nas histórias em quadrinhos o personagem negro de maior destaque é Cascão da Turma da Mônica que não toma banho de jeito nenhum e o Pelezinho que tem suas virtudes circunspectas às habilidades futebolísticas.

A criança negra vai crescendo e chega o momento de iniciar sua vida escolar. Momento de grande alegria e expectativa por parte dela e toda sua família. Não sabe em sua pura ingenuidade o mundo invisível que a aguarda. Seu ingresso no mundo real se dá geralmente através das escolas públicas onde seus profissionais lutam bravamente para oferecer ensino de qualidade, que possibilitem àquela criança competir em igualdade de condições com as caríssimas escolas privadas da burguesia. Aquela criança está sob a coordenação cognitiva do mundo invisível, onde lhe é passado que através de seu esforço e dedicação, poderá realizar todos os seus sonhos, através do aprendizado no ambiente acadêmico. A criança parte feliz para uma jornada que lhe invariavelmente lhe será adversa por quase toda a sua vida.

A partir desse momento terá início a luta titânica do mundo invisível com o mundo visível. O mundo invisível, em seus mais puros requintes de perversidade, lhe mostrará um mundo maravilhoso, que poderá ser conquistado caso ela tenha disciplina e obediência aos valores impostos pela sociedade eurocêntrica. É como aquela imagem do burro com uma vara amarrada ao pescoço e com uma cenoura na extremidade da vara à sua frente. O burro caminha eternamente tentando alcançar a cenoura sem nunca porém consegui-lo.

Aquela criança negra passará grande parte de sua vida buscando a cenoura dourada dos seus sonhos sem contanto poder consegui-la, pois, o prêmio por uma formação de qualidade reconhecida pelo mercado profissional é oferecido somente aos caucasianos da classe média, que nascem em vantagem competitiva em diversos itens como nutrição, ambiente familiar moderado, habitações de acordo com suas necessidades e acesso à engenhos de comunicação eficientes, cultura e bens materiais.

Algumas daquelas crianças negras desistem no meio do caminho. Muitas delas não conseguem suportar a transição da escola de primeiro segmento para o ensino médio e partem para o sub emprego no mercado de trabalho, pois sua família não consegue suportar um membro não produtivo que necessite de alimentação, roupas, remédios e afins.

O mundo invisível em sua perversidade inicia a formação do exército de mão de obra disponível que propicia ao capital oferecer baixos salários em suas corporações econômicas, para uma massa de desempregados que anseiam por uma vaga no mercado de trabalho, ou um lugar ao sol como costumam dizer. Mais uma vez o mundo invisível se manifesta em sua necropolítica ao gerar uma imensa competição entre os que nada possuem, evitando assim a sedição e o movimento popular organizado por justiça e igualdade social. Com esse mecanismo sórdido, o mundo invisível mantem o “rebanho” ocupado em se colocar no mercado de trabalho e não em lutar por melhores condições de vida ou de sobrevivência até.

O mundo invisível é muito atuante no período escolar e acadêmico da população negra. Ele em seu pérfido refinamento, prepara os filhos da burguesia branca para ocupar os espaços de poder na sociedade. As escolas da elite são caríssimas e sempre se constituíram no principal óbice para que jovens negros pudessem acessar educação de qualidade. Ao construir esse muro de bloqueio ao acesso invisível, o mundo invisível garante a perpetuação de sua existência. É o modo de racismo mais sutil que existe, pois, leva a sociedade acreditar que os meios de acesso são justos e meritocráticos.

O sistema demolidor da autoestima do mundo invisível tem seu início nas primeiras séries das escolas, onde as crianças negras são alcunhadas das piores designações possíveis, destruindo suas autoestimas e gerando um sentimento de inferioridade que em muitos casos as acompanhará pelos restos de suas vidas.

O sistema do mundo invisível é cruel no ambiente escolar. Apesar de esforços tímidos, nada é capaz de deter a força do projeto do mundo invisível. A formação do professorado não compreende com lucidez a desconstrução do racismo e a decolonização cultural eurocêntrica. A cultura não é somente eventos e entretenimentos. cultura é a forma de viver de um povo, seus legados, seus costumes, sua constituição enquanto nação. Por conta da formação muitas vezes incompleta, o corpo docente das instituições de ensino pode repetir os valores tradicionais da sociedade aristocrática burguesa, causando assim um dano irreparável na formação e no desenvolvimento de seus alunos, brancos ou negros.

Os jovens negros crescem tentando superar o racismo que povoa seus cotidianos. Ao romper a barreira da infância e entrar na pré-adolescência eles têm contato com a maior dor que podem sentir enquanto seres humanos que é a rejeição do amor de uma paixão. Envolvidos pelas tramas do mundo invisível, não atentam que a cor, a melanina, a epiderme, será uma barreira decisiva em suas relações afetivas dali por diante. As meninas se encantam e se apaixonam pelo menino loiro de olhos azuis, de poder aquisitivo maior, com família economicamente estabilizada. Em muitos casos são estimuladas pelos genitores a ensaiarem uma relação afetiva com os meninos detentores desses atributos. Os jovens negros não são opção preferencial das meninas brancas e como foram criados envolvidos pela doutrinação eurocêntrica, passam a cobiçar essas meninas, em detrimento às meninas negras da escola ou da comunidade. Então o mundo invisível se torna mais poderoso ainda, pois, faz o negro rejeitar, recusar o outro negro, desejando viver com uma pessoa diferente de sua etnia, que em certos aspectos está renegando. Por um outro lado as meninas negras sofrem racismo por diferentes vias e tristemente pelos seus iguais. Cria-se então a desordem na compreensão afetiva dessas pessoas tão jovens e já tendo que administrar a dor da rejeição por conta de suas características étnicas. Mais uma etapa vencida pelo mundo invisível, onde ele massacra a autoestima e a força de representatividade da juventude negra. Essa juventude talvez carregue até o túmulo os dissabores da rejeição de amores tão imberbes e inocentes, O resultado poderá ser visto anos depois nos casamentos e nas relações maduras, onde sempre surgem fagulhas das cinzas da adolescência e dos amores platônicos.

Algumas daquelas crianças negras conseguem chegar aos cursos de graduação superior, onde o funil de recepção é muito estreito e alguns mecanismos de ação afirmativa são necessários para garantir o ingresso de negros nas universidades públicas, onde há uma luta fenomenal por vagas em seus cursos, todos de excelência.

Realizando um retrospecto sobre a desigualdade social e racial na educação superior, podemos constatar que o sistema de cotas sempre existiu na universidade públicas desde sua fundação. O percentual de brancos nas universidades públicas sempre girou em torno de 97%, cota praticamente irremovível até a década de 60. Com o crescimento do ensino técnico no país, uma leva de negros e pardos passaram a sonhar com o acesso nas universidades públicas e assim foram construindo lentamente os patamares inferiores da densidade social e racial naquelas instituições. Com o advento das cotas raciais inicia-se uma verdadeira revolução nas universidades públicas, com debates acalorados entre cotistas, calcados nas centenas de anos de escravidão e da negação de acesso ao ensino, e dos meritocratas, que defendiam o acesso através do mérito somente, onde deveria ser jogar com as regras do jogo estabelecidas por eles. O debate chegou ao Supremo Tribunal Federal – STF, que garantiu o tratamento desigual para os que foram desigualmente tratados pelo estado brasileiro.

O sistema de cotas garantiu um incremento de jovens negros nas universidades nunca visto antes. Porém, a burguesia ainda manteve alguns nichos intactos como os cursos de Medicina, Engenharia, Direito e Administração, entre outros. Os negros em sua maioria optaram pelas ciências sociais, onde a competição não é tão acirrada e o conjunto de seres humanos com conteúdo étnico mais diversificado.

O mundo invisível continua operando com intensidade nas universidades. Primeiro, seleciona para os melhores postos de trabalho os candidatos oriundos das universidades de excelência, detentores de coeficientes de rendimento elevadíssimos. Depois passam a exigir outros dotes como domínio de idiomas, habilidades específicas diversas e redes de relacionamento comprovadas. Ao fim priorizam a pós graduação em universidades estrangeiras do hemisfério norte, inviabilizando assim a possibilidade de um jovem negro e pobre, oriundo das camadas populares da população conseguir uma vaga de trabalho em uma empresa de ponta.

Aquelas crianças negras que não conseguiram superar o ensino médio, serão a força de trabalho do país, o exército de reserva, a peãozada como costuma se dizer no chão de fábrica. Os que conseguirem superar o ensino médio estarão em postos intermediários nas cadeias produtivas e alguns através de muito esforço conseguirão concluir o curso superior nos cursos noturnos de alguma universidade privada ou então através da nova modalidade EAD, que cada vez cresce mais no país.

Os negros que concluíram a graduação superior lutarão bravamente por um espaço no mercado de trabalho, que sempre optará prioritariamente pelo fenótipo caucasiano masculino. Muitos desses negros egressos das universidades, tendo tomado percepção da realidade do mundo invisível, serão obrigados a assumir a pecha de “empreendedores”, que significa dispor de seu conhecimento adquirido à duras penas e imenso sacrifício em atividades não remuneradas, onde sua produção é que lhe garantirá o ganha pão. O mundo invisível também opera em nível governamental e criou o SEBRAE, que nada mais é que uma válvula de escape da panela de pressão que é o elevado índice de desemprego no país. A ilusão do empreendedorismo em um país de miseráveis é a mais tosca visão do fracasso de um projeto de nação que deveria incluir sua população negra no acesso à riqueza e ao desenvolvimento.

O Mundo Invisível trabalha diuturnamente para que as escolas sejam cada vez mais precarizadas, pois assim, faz a população se revoltar contra o sistema público e valorizar as redes privadas de ensino. Lentamente faz a sociedade migrar para o ensino pago, e os que não podem pagar são obrigados a deixar os filhos em instituições que poderiam ser de excelência, mas infelizmente não são. Dizia o educador Darcy Ribeiro que a destruição da educação pública brasileira não é um acaso e sim um projeto. Torna-se comum encontrarmos pessoas negras talentosíssimas que foram obrigadas a abandonar a escola pelos mais diversos óbices e problemas. Grandes Pesquisadores, Médicos, Advogados, Engenheiros, Sociólogos, Administradores e toda uma gama de profissões perdem anualmente milhares de negros e negras talentosos, que tiveram seus sonhos interrompidos pelo poder da força do capital que é a energia motriz do Mundo Invisível.

Por fim, aquela criança negra que veio ao mundo cheia de sonhos e alegrias, chega ao final da vida sem ter realizado suas metas de prosperidade, ancorado que foi, profissionalmente, em vendas de cotas de pirâmides financeiras, ou então no serviço público, o último refúgio de conforto de um negro antes de se despedir desta vida, provavelmente sepultado em cova rasa, acomodado em um caixão de terceira.

ATLÂNTICO NEGRO

13 de maio de 1888

AS ONDAS BEIJAM INCESSANTES

O BARCO FRIO DA DOR

O VENTRE PRENHE DE LAMENTOS

LAMENTOS, SADISMO E TERROR

 

ATLÂNTICO MAR INSENSÍVEL

PROFUNDO DE TANTO ABANDONO

MORADA DE CORPOS CARENTES

O HOMEM TE FEZ DESUMANO

 

A CRUZ E A ESPADA UNIDAS

NAVEGAM-TE EM LOUCO CORCEL

NAVEGA-TE A DAMA DA IRA

COBERTA DE FÚRIA E DE FEL

 

CHIBATA, SANGUE, CONFISSÃO

A CRUZ TRAZ A SUBMISSÃO

A ALMA SE APARTA DO CORPO

A ESPADA FAZ A PERVERSÃO

 

ATLÂNTICO ROTA SOFRIDA

DA ÁFRICA TERRA QUERIDA

VIAGEM SOMENTE DE IDA

A CRUZ E A ESPADA UNIDAS

 

ESPADA, CRUZ, INQUISIÇÃO

TÃO TRISTE O PORTO SOLIDÃO

ATLÂNTICO ÉS PINGO D'ÁGUA

DIANTE DA SEPARAÇÃO.

ESPADA,  CRUZ, INQUISIÇÃO

ATLÂNTICO ESCRAVIDÃO

A DOR DO TAMANHO DO MUNDO

AFOGA A CIVILIZAÇÃO.

 

quarta-feira, 11 de maio de 2022

MÃE É PARA SEMPRE

Dona Ana chegando aos 100 anos.
O Dia das Mães sempre me soou ambíguo. Desde criança pensava nas pessoas que não tinham mãe. Algumas haviam perdido pelos tristes fados da vida, outras nem mesmo chegaram a conhecê-las pelos mais diversos e dolorosos motivos.Como será o Dia das Mães em um orfanato? Como será o Dia das Mães que perderam seus filhos?
Nesse dia, quando a mídia invade nossas vidas com propagandas amorosas visando nosso convencimento ao endividamento e ao consumo, também penso naquelas pessoas que têm mãe mas, desempregadas e endividadas, não podem ao menos comprar um simples mimo para a homenageada do dia.
Por um outro lado, não se pode vedar a ansiedade e alegria que acompanham o momento da entrega de um presente para aquela que desde a gestação nos oferta amor incondicional. Geralmente elas dizem que o presente não é necessário, que não precisava gastar dinheiro com isso, que depois vai faltar dinheiro para pagar as contas etc. Falam sempre assim, mas por dentro estão explodindo de felicidade e orgulho de estar com suas crias sob suas asas, almoçando o indefectível macarrão com frango mais delicioso do mundo.
Antes eu acusava o capitalismo de criar essas datas p gerar mais consumo, para aquecer a atividade econômica e gerar mais lucros. Mas hoje quero que essas teorias se danem, pois, uma mãe feliz vale muito mais que um milhão de Karl Marx e Adam Smith juntos.
Hoje saio de casa sem ninguém para me lembrar do casaco ou do guarda-chuva, mesmo sob calor de 40 graus. Não tenho ninguém para me assustar quando resolvo sair em horários noturnos, citando as manchetes dos programas vespertinos diários eivados de violência. E agora quando chego, independente do horário, não há mais aquele prato feito, o tradicional PF em cima da panela coberto com a tampa da mesma. Era o melhor banquete do mundo.
As namoradas sofriam nas mãos dela. Era de uma ironia fina incomparável. Nenhuma sobrevivia a seu julgamento. Depois reclamava q eu não casava nunca, que queria netos, etc.Toda mãe é pura metamorfose ambulante.
Aprendi com o tempo que não há entidade maior nesse planeta. Não há exércitos, corporações financeiras, parlamentos, nada, nada pode ser maior, nada pode superar o poder das mães.As abastadas cobrem os filhos de presentes e amor, as menos favorecidas pela vida cobrem os filhos de amor e amor. 
Então quando esse dia vai se aproximando fico tenso, um tanto agoniado, triste, pensando nela que partiu deixando um vazio enorme em minha vida. Existem outras mães em minha vida: as mães dos meus filhos, minha ex-sogra que amo muito, as mães dos amigos mais próximos, minhas irmãs que são mães e até sobrinhas e sobrinhas-netas que também são mães. São muitas mães originárias da mãe-mater, a principal. São como fios de uma teia invisível mas luminosa, que nunca para de ser tecida por teares mágicos de amor.
Acho que as pessoas que não têm mãe no Dia das Mães se aproximam mais de Deus. É quando os sentimentos se tornam mais puros e verdadeiros. É quando fortalecemos a crença em outros planos existenciais mais elevados. É quando nos sentimos transbordar com o verdadeiro amor.
A única forma de homenagear, o único presente que posso ofertar para ela que não está mais aqui, é ser sempre e cada vez mais, uma pessoa melhor. Viver em harmonia comigo mesmo, respeitar o outro, fazer valer à pena seu legado. Amanhã despertarei sendo uma pessoa melhor em homenagem à sua memória, coisa que faço todos os dias desde que ela nos deixou. E assim será até o reencontro um dia.
Amor que não se mede. Dona Ana marcou seu tempo de vida aqui na Terra. Liderança católica e de esquerda, parteira das boas, mãe dos meus amigos, enfermeira profissional de primeira e jamais errou quando atirava o chinelo na gente. 

terça-feira, 10 de maio de 2022

VERMELHO

 

Vida de sinal

Fechou, vai! Se apresenta!

Mundos diferentes separados pelos vidros insensíveis da vida

Pela desigualdade transparente e excludente

Retirar esperança dos parcos segundos vermelhos

Da mimetização estática do tempo

Dos segundos de espera

Aguardando um gesto de amor e desejos de dias mais verdes

O sinal não espera

Frio, moldado no tic tac do tempo dos homens

Verde é verde

Vermelho é vermelho

Cada um preso em seu círculo de luz

Os carros ficam aflitos e ansiosos, há tensão no ar

Loucos para partir em busca de seus indecifráveis e até inconfessáveis futuros

Fechou mané! A hora é essa! Já é!

Mostre suas esperanças e possibilidades, suas toscas habilidades

Através do balé carente das bolinhas

Malabarismos com bolinhas no sinal

Sinal de falência da civilização

Sol escaldante, chuva fina, dia e noite

O show não pode parar

A fome não espera

A escola pode esperar

Quem sabe um dia tenha um dia de criança feliz

Sonhos embargados pela emoção

Pela indiferença do concreto da urbe

Eu quero um deus que me traga a beleza

Que me traga o calor do amor

Um deus sem cascas

Um deus novo

O Deus da restauração

O balé quântico das bolinhas se inicia

Buscando a aprovação insensível da cidade

Que poderia estourar as bolinhas da desigualdade com gestos de amor

Que dessem cor e magia a tanta desumanidade

É luz vermelha! Tempo! Ação! Bora irmão!

No corre-corre do vermelho um diz sim, dez dizem não

Cem teatralizam  fingindo alguma ocupação

Evitando o compromisso espiritual de irmão

De partilha e de solidariedade

Mas um disse sim

Sangue bom

Salvou o pão c mortadela e um bombom

E o refri pra aguentar esse rojão

Fechou mané, um bom fez boa ação

Bolinhas mil na careta dos caretas

Subindo são lamentos dos navios negreiros

Descendo são as pretas velhas socando o pilão no cativeiro

Socando a fome no pilão

Um bom fez boa ação! Salvou o pão e o macarrão meu irmão, valeu!

E o do refri prá aguentar esse rojão que ninguém é de ferro não

Abriu, verde, esperança!


quinta-feira, 5 de maio de 2022

LUIZ GAMA - O SPARTACUS BRASILEIRO

Luiz Gonzaga Pinto da Gama, chamado o ‘Spartacus Brasileiro’, é um dos maiores brasileiros de todos os tempos. Nasceu na cidade de Salvador, capital da Bahia, em 21 de junho de 1830, em um sobrado da Rua do Bângala, na Freguesia de Santa’Anna. Sua mãe, Luiza Mahin, segundo alguns historiadores, foi uma princesa da Costa da Mina, sequestrada de sua casa real e trazida para o Brasil na condição de escrava. Do pai de Luiz Gama ninguém nunca soube o nome. O que se sabe é que foi um fidalgo branco de posses e pertencente a uma tradicional família baiana de origem portuguesa.
A mãe era mulher culta, letrada e islamizada. Conseguiu comprar a própria liberdade no ano de 1812. Alforriada então, inicia sua participação em inúmeros levantes de escravos que lutavam por liberdade na Bahia. Luiza Mahin sempre foi uma revolucionária convicta, participando de quase todas as rebeliões de cativos que sacudiram a Bahia no início do século XIX, com destaque para a Revolta dos Malês e também a Sabinada. Sua casa servia de local de encontro dos insurretos e Luiza, como trabalhava como quituteira nas ruas de Salvador, era encarregada de distribuir as mensagens secretas para os revoltosos, com as instruções de reuniões e atos de sabotagens. Foi perseguida e refugiou-se no Rio de Janeiro onde ao chegar integrou-se em outras rebeliões. Algumas fontes dizem que foi presa e deportada para África. Outras asseguram que refugiou-se no Maranhão, onde desenvolveu o Tambor de Criola. Seu verdadeiro destino permanece em mistério até hoje.
Luiz Gama foi o homem que Rui Barbosa, o Águia de Haia, se referiu na Conferência sobre o Abolicionismo de 1911 da seguinte maneira: “...foi uma rara fortuna ter cultivado intimamente a amizade de Luiz Gama em lutas que nunca esquecerei”. Rui Barbosa e Castro Alves formavam com Luiz Gama o trio baiano de abolicionistas mais brilhantes na capital paulista. Era no escritório de advocacia de Luiz Gama que Castro Alves, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, entre outros, se reuniam para falar de política abolicionista, república, Direito e Maçonaria, ordem onde Luiz Gama galgou os mais altos graus da Loja América em São Paulo, um centro irradiador da abolição da escravidão e da república. Foram nas reuniões desta Loja que eles tomaram conhecimento desses ideais liberais e progressistas. A amizade entre os baianos é comprovada quando Luiz Gama levou o amigo Castro Alves ao navio que o transportaria ao Rio de Janeiro para se tratar de um acidente com arma de fogo. Do Rio de Janeiro o Poeta dos Escravos partiu para a Bahia e nunca mais retornou a São Paulo, morrendo muito jovem, retirado na propriedade de seus genitores.
 Como consolidar a amizade entre dois representantes da alta burguesia baiana com um negro, vendido pelo pai aos 10 anos de idade como escravo. O menino escravo, tornou-se um voraz autodidata, que por força da vida, já que foi proibido de frequentar a Faculdade de Direito de São Paulo por sua condição racial, ensinava Direito a seus pupilos conterrâneos que nela estudavam. Porém o infortúnio do destino, a escravidão em voga e o racismo, não permitiram que ele pudesse nela estudar.
Ao completar 10 anos, no dia 10 de outubro de 1840, Luiz Gama ouviu de seu pai que fariam um passeio. Apesar de nunca falar sobre seu genitor, nem mesmo pronunciar seu nome, disse que o pai era carinhoso com ele. Porém, mesmo pertencente a uma rica família, endividou-se me demasia, metido em súcias que vivia, e o passeio de barco do menino na verdade era a sua venda como escravo para o Rio de Janeiro, em um navio de nome Saraiva. Sua mãe estava foragida por contas de sua participação em diversos movimentos sediciosos e deixou o menino com o pai até que pudessem reunir a família novamente, o que nunca mais aconteceria.
Ao desembarcar no Rio de Janeiro na companhia de um grupo de cerca de cem escravos, foi entregue a um português de nome Vieira, que possuía um comércio de velas na Rua da Candelária no centro da cidade. Vieira também comerciava grupo de escravos oriundos da Bahia em troca de polpudas comissões. O português o levou para a própria casa, onde avaliou que o menino poderia fazer companhia, servindo de pajem a seus filhos. A esposa do lusitano se afeiçoou ao pobre piá negro, assim como todas as mulheres da casa, que se encantaram com o menino tão jovem, indefeso, envolvido pelo manto da tanta penúria, porém repleto de doçura. Deram-lhe um bom banho, roupas limpas e o colocaram em uma cama para dormir, quando enfim pode ter sua primeira noite de sono tranquila e em segurança, desde que havia saído da Bahia no paquete Saraiva.
O português Vieira, com seu coração na sola do pé, resolveu vender o menino para outro traficante de escravos, que o levou com um grande grupo de cativos para São Paulo em viagem de navio. Desembarcaram no Porto de Santos e subiram a perigosa e temida Serra de Cubatão rumo a longínqua cidade de Campinas, percurso que fizeram à pé, em sofrida caravana. Tanto em Campinas como em Jundiaí, os compradores de escravos rejeitaram Luiz Gama por ser de origem baiana. Os senhores de escravos tinham notícias das revoltas de cativos na Bahia e recusavam qualquer escravo oriundo daquele estado. “Ainda mais com 10 anos!”, diziam “Já é coisa ruim desde pequeno, boa coisa não deve ter feito por lá!”. Que triste fado! Vivendo entre tantas rejeições o menino também era rejeitado inclusive como escravo, talvez o mais baixo degrau da escala humana.
O traficante de escravos sem conseguir vender o menino, o devolveu ao seu proprietário, um alferes de nome Cardoso, no centro da cidade de São Paulo. O comerciante morava em um amplo sobrado na Rua do Comércio, bem próximo à Rua Direita. Passando a viver no sobrado, Luiz Gama aprendeu diversos ofícios como sapateiro, engomador, lavador, costureiro e copeiro.
Os bons ventos da sorte começaram a lhe bafejar quando veio morar no sobrado dos Cardoso o jovem Antônio Rodrigues, um hóspede muito culto e com a mente voltada para o altruísmo e para as humanidades, estava ali para concluir seus estudos. Esse jovem mais tarde se tornou advogado e juiz de direito. Antônio Rodrigues se afeiçoou a Luiz Gama, lhe ensinando a ler, para logo depois lhe abrir as portas do mundo das ciências matemáticas e humanidades. O progresso de Luiz Gama com as letras era tamanho que passou a ensinar os filhos do Alferes Cardoso e por assim fazer, solicitou sua alforria, alegando que seu trabalho intelectual estava acima e não compreendia os ofícios de um escravo. Além disso, alegava que era um homem livre, pois seu pai era um fidalgo e sua mãe uma escrava liberta que havia comprado sua alforria. O alferes Cardoso obviamente negou a alforria e Gama após conseguir provas incontestes de sua condição de homem livre, fugiu da casa dos Cardoso e se tornou soldado da milícia estadual aos 18 anos de idade, onde permaneceu até 1854. Ocupava a patente de Cabo de Esquadra quando foi obrigado a dar baixa do serviço por supostos “atos de insubordinação” contra um oficial. Além da baixa forçada, esteve preso por 40 dias antes de ser posto em liberdade. Nos idos de 1840, em plena vigência da escravidão, a palavra de um praça negro não tinha a mínima credibilidade perante a acusação de um oficial branco. Um tribunal penal militar jamais estaria ao lado de um jovem negro de baixa patente, em detrimento ao libelo acusatório proferido por um oficial caucasiano.
Pelo que se pode observar, na trajetória de vida de Luiz Gama, desde quando foi entregue à escravidão pelo próprio pai, ainda menino e depois rapazola e homem feito, sua caminhada sempre foi eivada de revezes, onde todos, um a um foram removidos e superados, inclusive um dos principais à época que era o analfabetismo. Mais uma vez Gama teve que buscar um novo rumo para seguir em frente, pois, desde que embarcou no paquete Saraiva rumo ao assustador destino no Rio de Janeiro, longe da mãe que nunca mais veria, passou a ter a própria existência como sua principal tirana.
Luiz Gama aprendeu com a dureza da vida, que o caminho se faz caminhando. Durante os anos em que abraçou a carreira militar trabalhava nas horas vagas como Copista no escritório do Escrivão Major Benedito Coelho Neto, já então seu amigo. Também sendo amanuense, algo como auxiliar administrativo, no gabinete de Francisco Furtado de Mendonça, catedrático da Faculdade de Direito do qual também tornou-se, por seu correto comportamento e louvável saber, ordenança e homem de confiança. Serviu como Escrivão para várias autoridades policiais, sendo nomeado amanuense da Secretaria de Polícia onde ficou até 1868, de onde foi demitido a bem do serviço público como “turbulento e sedicioso”, pelos políticos dos partidos conservadores que chegaram ao poder. Luiz Gama ainda estava no período da escravidão e sua condição de negro em cargos públicos de referência incomodava o sistema escravista que se estruturava sobre a quebra da autoestima do negro, de sua alegada condição inferior, de ser quase que um objeto que falava. A sua ascensão social e política na sociedade onde o escravismo ditava as leis, certamente incomodava o poder supremacista local da época.
Como Jornalista Gama escreveu para vários periódicos onde através de sátiras defendia o fim da escravidão e a república, atacando ferozmente a aristocracia brasileira. Em seu trabalho de advogado, exercido de maneira gratuita para os negros, conseguiu libertar mais de 500 escravos. Em seu círculo de relações abolicionistas, entre tantas outras personalidades, torna-se amigo íntimo de José Bonifácio, o Moço, professor de Direito, neto do Patriarca da Independência, amizade correspondida que durou por toda de ambos.
Em julho de 1859 assiste ao nascimento do seu filho Bendicto Graccho Pinto da Gama, fruto de sua união com Claudina Fortunata Sampaio, que viria a se tornar engenheiro eletricista e que está sepultado a seu lado no mausoléu do Cemitério da Consolação. Neste mesmo ano publica “Primeiras Trovas Burlescas de Getulino”. No ano seguinte publica a segunda edição da mesma obra revisada e corrigida na cidade do Rio de Janeiro, onde mais uma vez tenta encontrar sua mãe Luiza Mahin, sem obter êxito.
A partir de 1861 Gama dedica-se de corpo e alma ao seu trabalho no jornalismo, com ênfase na “República das Letras”, focando sua verve literária e o saber jurídico na defesa das ideias liberais, republicanas e abolicionistas. Os movimentos sociais republicanos avançam juntamente com a pressão internacional pelo fim da escravidão, capitaneada pela Inglaterra com seu interesse em vender máquinas e engenhos à vapor paridos pelo ventre da Revolução Industrial.
A Junta Francesa para Emancipação dos Negros, ligada à Maçonaria, encaminha carta ao governo brasileiro para que a abolição da escravatura se torne um processo rápido e concreto. Que obteve como resposta do Império Brasileiro que seria apenas uma questão de forma e oportunidade. Todo esse movimento incendiava o país. Estados como Ceará e Rio Grande do Norte já encaminhavam seus processos de abolição, assim como o Rio Grande do Sul. Revoltas escravas aconteciam de norte a sul do país e em 28 de setembro de 1871, como um preâmbulo para a abolição geral e irrestrita, foi promulgada a Lei do Ventre Livre.
No ano de 1877, em meio ao incansável trabalho humanitário, Luiz Gama estabelece sua banca de advogados com Antônio Carlos Soares e Antônio Ferraz, onde exerce a profissão de advogado até o fim de sua vida. Doente e consumido pelo diabetes sua militância no final da vida era motivo de admiração por toda a sociedade. Mesmo assim fundou o Centro Abolicionista de São Paulo e José do Patrocínio por sua influência cria no Rio de Janeiro a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, cujo presidente era Joaquim Nabuco. Tornou-se destacado maçom, recebendo daquela fraternidade todas as honrarias possíveis.
Morreu em 24 de agosto de 1882 na cidade de São Paulo. Exatamente 6 anos antes da abolição da escravatura, pela qual tanto lutou e dedicou sua vida de jurista, jornalista e poeta. Seu funeral foi o maior já registrado na história da capital paulista. Se fossemos calcular proporcionalmente em relação aos dias de hoje, seriam milhões de pessoas às ruas acompanhando a passagem do cortejo fúnebre.
Luiz Gama deixa como exemplo para o povo negro, que nada pode suplantar a força de vontade, a garra de vencer e a paciência para triunfar. São inúmeros recados que sua existência deixou para a posteridade. Mas alguns são basilares como a importância da educação formal na vida de todos os seres humanos. O segundo exemplo é a retidão de caráter e a determinação na crença do que é o bem natural e humano, e o último, que é a lealdade do compromisso com a justiça e a liberdade. Se hoje pessoas negras conseguem galgar patamares significativos tanto na vida pública como na iniciativa privada, com certeza há a pena, o cérebro e o olhar de Luiz Gama. Se em cada parque, praças e praias do país as crianças negras correm livres e felizes está ali o sorriso de Luiz Gama. Ele nos deixou como responsabilidade uma tarefa imensa que é defender o legado dos abolicionistas, que dedicaram suas vidas para que nós pudéssemos ter as nossas bem ao alcance de nossas mãos.
A vida de Luiz Gama é uma saga inimaginável. Se fosse no hemisfério norte, certamente teria se transformado nas mais altas linguagens culturais, artísticas e históricas. Nós escritores, poetas e amantes da liberdade, podemos homenageá-lo com lindas produções literárias que comporão essa coletânea tão especial. Traçaremos linhas de uma teia que serão o amálgama de um admirável mosaico, daquele ser humano que nasceu livre, foi tornado escravo pelo próprio pai aos 10 anos de idade, sofreu todas as intempéries da vida, deu a volta por cima e, mesmo atado aos grilhões da escravidão, soube perseverar e transformou todos os limões azedos que a vida sempre lhe ofertou em uma deliciosa e refrescante limonada chamada liberdade, para si e para todos os negros escravizados do país em que vivia e os que viriam depois.
A faculdade de Direito do Largo de São Francisco, emitiu um diploma post mortem de Direito parra Luiz Gama e erigiu um busto em sua homenagem, tentado reparar e ao mesmo tempo homenagear aquele que talvez tenha sido o maior advogado brasileiro de todos os tempos.


segunda-feira, 2 de maio de 2022

OLHAR DE FOLHETIM


De nada adianta chorar o que passou

O viço de outrora que o tempo levou

Foi se largando por aí, pela vida, sem eira nem beira

Pelas noitadas, madrugadas, carreiras e bebedeiras

Foram tantas tentativas, tantos erros, tantas marcas de amor

Marcas doídas e sofridas

Marcas de vida que o rouge teima em ocultar

Cumpro minha cruzada em silêncio, em solidão

Minha tosca rotina vive bares repletos de aflição

Enfrento meus moinhos de vento porém sem o escudeiro

Quero um copo amigo, quem sabe um corpo amigo, um parceiro

Um corpo como abrigo, quem sabe verdadeiro

Me abrigar das tormentas que me atormentam nesse louco mundo picadeiro

Ouvir um tango de Gardel, onde o bandoleón passional envolva meus soluços em arte e dor

Peço uma dose de amparo e o garçom me diz que acabou há tempos

Até um falso beijo amargo me faz crer que eu possa amar

Mas qual o quê!

Sigo a sina de mulher sozinha nessa vida sem afeto

Perdida na vida como cão sem dono

Perdida no próprio abandono

Consumindo sonhos e desejos

Tragando homens, álcool e cigarros

Homens fracassados e vis com seus beijos senis

Mesmo assim digo sim às propostas carentes

Não tenho porque dizer não

Sou minha dona, atrevida, sou da vida, quase bandida

Não tenho família para abraçar aos domingos

Aceito a cópula com delicadeza

A mesma delicadeza com que se confeita um bolo de noiva

Mesmo investida de falsos brios

Sei que somos humanos estranhos, diferentes, sombrios

Cúmplices indecentes em nossos sorrisos pérfidos e amarelos

Lentamente o álcool me aquece

Aos poucos me incendeia em fogo

Me entrego ao seu calor para esquecer a dor

Mergulho na falsa sensação de amor, é o que me resta, é o que tenho

Minhas dores são tão presentes que nunca se tornam passado

Marcas de uma vida sem recato

Adicta do presente devasso e hedonista

Carrego marcas e cicatrizes, gloriosas e ferozes das ferrenhas luta de cio

Não fui à lona, não estou derrotada

Sou esperta e sagaz

Sei fingir prazer, sei ser teatral

Divido pó e pecados igualmente

Não necessariamente nessa ordem

O prazer marginal tem um ótimo sabor, é agradável

O sabor do interdito nos eleva em torpor ao inimaginável

É tanto revés, submundo, falsidade

Que até parece que é amor de verdade

E quando a aurora invade o quarto atrevida e curiosa através do tule

Assusta-se com o sabor intragável do ambiente

Meu corpo é a Tróia invadida, conquistada e colonizada por um Menelau sociopata e vazio

Jaz lasso sob os escombros de um fogo que o consumiu violentamente

São abertas as cortinas do palco da vida onde o cenário é cruel e aterrador

No campo de batalha somos guerreiros feridos pela vida

Onde a indiferença e o arrependimento predominam em uma cama sem sabor

O ar fresco da manhã é tomado pelo gosto amargo da derrota e da dor

Em lágrimas ocultas apago o cigarro

Incinero nas cinzas os teus cheiros de vida, das outras mulheres, do teu suor, da tua bebida

Rota colombina embriagada de um pobre pierrô de vida corroída

Não sou imortal, posso ser frágil, mas sou fatal

Sou do botequim, sou a diva dos desesperados, sou da rua

Dama dos restos, dos copos solitários e dos seres abandonados

Sou o falso sorriso que sempre diz sim

Mas meu amigo eu lhe recomendo

Nunca acredite no meu olhar de folhetim.