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Eu Negro

quarta-feira, 28 de abril de 2021

FILHA DE CAIM

 

FILHA DE CAIM


Amor sincero e delicado nunca tive

Amargo a sina de viver em solidão

Desejos mortos que vivo através do tempo

Sonhos de amores que perdi na ilusão

 

São anjos tortos que ficaram no caminho

Mil cicatrizes de distantes carnavais

Eu fulgurante colombina em alegria

Em fogo intenso queimando canaviais

 

Amor incerto quase certo é perdição

Um tango amargo na doçura da canção

Ledo engano refletido em cristais

Sendo incerto a compulsão é querer mais

 

Sigo sem rumo em minha vida reconheço

Meu recomeço é de cigana bar em bar

Sou o restolho de corações desvalidos

Sou pitonisa do interdito de amar

 

Vida perdida afogada no vermute

Velho embuste que ilude a razão

Rotos lampejos em parceiros desgarrados

Eu sou a pária deserdada por Adão

 

Por ser sublime meu amor desfez no ar

No destilado amargor do botequim

Sou a caída que ninguém quer em seu lar

A degredada pela casa de Caim.


domingo, 25 de abril de 2021

O ORGASMO É BRANCO?

 

O ORGASMO DO AMOR TEM COR E MORALIDADE

Recentemente fiz uma pesquisa iconográfica sobre o orgasmo. O objetivo era conseguir uma imagem que ilustrasse uma poesia sobre o tema. A grande surpresa foi que ao iniciar a busca em bancos de imagens à procura de pessoas negras no momento do orgasmo, fui surpreendido com a absoluta invisibilidade que os meios de comunicação dedicam ao povo negro na questão da afetividade.

"Orgasmo"


Dirigi a consulta para a expressão ‘orgasmo negro’ e o resultado foi este:

‘Orgasmo Negro’


As imagens que surgiram no motor de busca, referentes a orgasmo negro, além de humilhantes, são assombrosas, profundamente ofensivas e degradantes, com imagens de sexo explícito, até com ejaculação visível, entre mulheres negras e homens brancos e mulheres brancas com homens negros. Enquanto no ‘orgasmo branco’ as mulheres são retratadas até pudicamente ao atingir o clímax do ato sexual, com as mãos coprimindo os lençóis e bocas em esgar, no ‘orgasmo negro’ as mulheres negras estão com as pernas escancaradas com suas vulvas à mostra e em alguns casos, sendo penetradas por pênis gigantes. Tudo ao vivo e em cores

Obvio que podemos notar uma enorme diferença na forma de como os veículos de comunicação tratam a afetividade entre as duas etnias. A provocada invisibilidade do povo negro no que concerne à realização sexual, promovida pelos meios de mídia brancos, elimina o amor e o afeto, transformando-a de simples plenitude sexual em aberrações imaginárias e perversões hedonistas, extensivas às práticas do bondage.

O povo negro sempre lidou com a sexualidade sob a égide do terror. O estupro sistemático e consentido pelas lei do império português transformou o estupro em prática consentida pelo judiciário e tolerada pelas esposas dos senhores de escravos. A obrigatoriedade de procriar ao menos um filho a cada dois anos, sem família ou grupo de apoio, transformou a mulher negra escrava em mera reprodutora, sempre pronta a atender os desejos bestiais de seus senhores.

Os primeiros registros que se tem notícia sobre a sodomia escrava remonta ao ano de 1593 na Capitania de Pernambuco, onde o Visitador Oficial do Santo Ofício colheu durante 22 meses depoimentos sobre o modo de vida e a moralidade na colônia portuguesa na América.

Os desvios morais encaminhados pela Santa Inquisição baseava-se no Catecismo Católico exarado pelo Concílio de Trento, Nos Confessionais Medievais, Nas Epístolas Paulinas No Levítico e nas Tábuas da Lei. Esse corolário de normas de comportamento era a baliza para a moralidade judaico-cristã da época.

O Visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendonça recolheu depoimentos com provas de 17 casos de sodomia na Capitania de Pernambuco. Sua estada no Nordeste porém, se estendeu à Bahia onde compreendeu que a vida nos trópicos seguia suas próprias leis e a moralidade era bastante relativa.

Os quase 400 anos de estupro e sevícias sobre as mulheres negras ainda ecoam em nossa sociedade. As representações são desrespeitosas e apontam para a perpetuação desses atos infames. Nossos adolescentes consultam esses motores de busca na Internet e quando se interessam pela temática orgasmo é com esse quadro racista que se deparam.

Precisamos construir uma sociedade igualitária em todos os sentidos. Parece que a adoção do sistema de cotas raciais nas instituições públicas de ensino resolveu o problema do racismo no Brasil e isso não é verdade. As mulheres negras e homens negros exigem e devem ser respeitados, não podendo ser submetidos a situações degradantes como essas que constatei em minha busca.


sábado, 24 de abril de 2021

O AFAGO DE DEUS

 

O AFAGO DE DEUS

O CLÍMAX DO AMOR É O AFAGO QUE DEUS NOS OFERTA

UM RARO BRINDE DIVINO CELEBRADO COM OS MORTAIS

OÁSIS CELESTIAL NO ÁRIDO DESERTO DA VIDA

IMPÉRIO DO AMOR QUE COLONIZA COM FELICIDADE

O TERRITÓRIO AMOROSO DA HUMANIDADE

 

INTENSIDADE QUE PREENCHE O VAZIO

RAZÃO TORNADA CONTRASSENSO

CHAMA PRIMORDIAL DO REINO ANIMAL

DETERMINAÇÃO INSONDÁVEL DO ASTRAL

 

FORÇA CRESCENTE QUE ELETRIZA A CALMA

SINFONIA CAÓTICA QUE ENGRANDECE A ALMA

CÁLICE SAGRADO DAS ESTRELAS

FAZ DO CORPO O GRAAL DO PRAZER

JAZ EM GLÓRIA AO AMANHECER

 

COROS DE ANJOS ANUNCIAM SUA CHEGADA

MOMENTO SUBLIME...AFAGO DE DEUS

RÉSTIA DE SANIDADE NA REALIDADE

VOLÚPIA...AMPLIDÃO...SENSORIALIDADE

DIMENSÃO ONDE O CORPO PERDE A LÓGICA

ENTREGUE AOS DEUSES EM FRASES SENIS

BOCAS ROUCAS SUSSURRAM UM IDIOMA OBSCENO PORÉM PERDOADO

SÃO OS ACORDES EXPLOSIVOS DA PAIXÃO

CESSAM GUERRAS...PAZ NA TERRA

A LAVA QUENTE DO VULCÃO ESCORRE CÁLIDA

COM O SUOR DOS SOLUÇOS DE ESPANTO E ALEGRIA

REINA ENFIM A PAZ DO SER PROFUNDO

O AFAGO DE DEUS.

LUIZ GAMA O SPARTACUS BRASILEIRO

 

LUIZ GAMA, O SPARTACUS BRASILEIRO

A HISTÓRIA DO HOMEM QUE FOI VENDIDO COMO ESCRAVO PELO PRÓPRIO PAI AOS 10 ANOS DE IDADE E SE TRANSFORMOU EM UM DOS MAIORES ADVOGADOS BRASILEIROS DE TODOS OS TEMPOS. LIBERTOU QUASE MIL ESCRAVOS ATRAVÉS DA LEI.


Luiz Gonzaga Pinto da Gama, chamado o ‘Spartacus Brasileiro’, foi um dos maiores brasileiros de todos os tempos. Nasceu na cidade de Salvador, capital da Bahia, em 21 de junho de 1830, em um sobrado da Rua do Bângala, na Freguesia de Santa’Anna. Filho de Luiza Mahin, que segundo alguns historiadores, foi uma princesa da Costa da Mina, sequestrada de sua casa real e trazida para o Brasil na condição de escrava. Do pai de Luiz Gama ninguém nunca soube o nome. O que se sabia era que foi um fidalgo branco de posses e pertencente a uma tradicional família baiana de origem portuguesa.

A mãe foi escrava e era uma mulher culta, letrada e islamizada. Conseguiu comprar a própria liberdade no ano de 1812. Alforriada então, inicia sua participação em inúmeros levantes de escravos que lutavam por liberdade na Bahia. Luiza Mahin sempre foi uma revolucionária convicta, participando de quase todas as rebeliões de cativos que sacudiram a Bahia no início do século XIX, com destaque para a Revolta dos Malês e também a Sabinada. Sua casa servia de local de encontro dos insurretos e Luiza, como trabalhava como quituteira nas ruas de Salvador, era encarregada de distribuir as mensagens secretas para os revoltosos, com as instruções de reuniões e atos de sabotagens. Foi perseguida e refugiou-se no Rio de Janeiro onde ao chegar integrou-se em outras rebeliões. Algumas fontes dizem que foi presa e deportada para África. Outras asseguram que refugiou-se no Maranhão, onde desenvolveu o Tambor de Criola. Seu verdadeiro destino permanece em mistério até hoje.

Luiz Gama foi o homem que Rui Barbosa, o Águia de Haia, se referiu na Conferência sobre o Abolicionismo de 1911 da seguinte maneira: “...foi uma rara fortuna ter cultivado intimamente a amizade de Luiz Gama em lutas que nunca esquecerei”. Rui Barbosa e Castro Alves formavam com Luiz Gama o trio baiano de abolicionistas mais brilhantes na capital paulista. Era no escritório de advocacia de Luiz Gama que Castro Alves, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, entre outros, se reuniam para falar de política abolicionista, república, Direito e Maçonaria, ordem onde Luiz Gama galgou os mais altos graus da Loja América em São Paulo, um centro irradiador da abolição da escravidão e da república.  Foram nas reuniões desta Loja que eles tomaram conhecimento desses ideais liberais e progressistas. A amizade entre os baianos é comprovada quando Luiz Gama levou o amigo Castro Alves ao navio que o transportaria ao Rio de Janeiro para se tratar de um acidente com arma de fogo. Do Rio de Janeiro o Poeta dos Escravos partiu para a Bahia e nunca mais retornou a São Paulo, morrendo muito jovem, retirado na propriedade de seus genitores.

São mistérios que somente a Bahia possui. Como consolidar a amizade entre dois representantes da alta burguesia baiana com um negro, vendido pelo pai aos 10 anos de idade como escravo. O menino escravo, tornou-se um voraz autodidata, que por força da vida, já que foi proibido de frequentar a Faculdade de Direito de São Paulo por sua condição racial, ensinava Direito a seus pupilos conterrâneos que nela estudavam. Porém o infortúnio do destino, a escravidão em voga e o racismo, não permitiram que ele pudesse nela estudar.

Ao completar 10 anos, no dia 10 de outubro de 1840, Luiz Gama ouviu de seu pai que fariam um passeio. Apesar de nunca falar sobre seu genitor, nem mesmo pronunciar seu nome, disse que o pai era carinhoso com ele. Porém, mesmo pertencente a uma rica família, endividou-se me demasia, metido em súcias que vivia, e o passeio de barco do menino na verdade era a sua venda como escravo para o Rio de Janeiro, em um navio de nome Saraiva. Sua mãe estava foragida por contas de sua participação em diversos movimentos sediciosos e deixou o menino com o pai até que pudessem reunir a família novamente, o que nunca mais aconteceria.

Ao desembarcar no Rio de Janeiro na companhia de um grupo de cerca de cem escravos, foi entregue a um português de nome Vieira, que possuía um comércio de velas na Rua da Candelária no centro da cidade. Vieira também comerciava grupo de escravos oriundos da Bahia em troca de polpudas comissões. O português o levou para a própria casa, onde avaliou que o menino poderia fazer companhia, servindo de pajem a seus filhos. A esposa do lusitano se afeiçoou ao pobre piá negro, assim como todas as mulheres da casa, que se encantaram com o menino tão jovem, indefeso, envolvido pelo manto da tanta penúria, porém repleto de doçura. Deram-lhe um bom banho, roupas limpas e o colocaram em uma cama para dormir, quando enfim pode ter sua primeira noite de sono tranquila e em segurança, desde que havia saído da Bahia no paquete Saraiva.

O português Vieira, com seu coração na sola do pé, resolveu vender o menino para outro traficante de escravos, que o levou com um grande grupo de cativos para São Paulo em viagem de navio. Desembarcaram no Porto de Santos e subiram a perigosa e temida Serra de Cubatão rumo a longínqua cidade de Campinas, percurso que fizeram à pé, em sofrida caravana. Tanto em Campinas como em Jundiaí, os compradores de escravos rejeitaram Luiz Gama por ser de origem baiana. Os senhores de escravos tinham notícias das revoltas de cativos na Bahia e recusavam qualquer escravo oriundo daquele estado. “Ainda mais com 10 anos!”, diziam “Já é coisa ruim desde pequeno, boa coisa não deve ter feito por lá!”. Que triste fado! Vivendo entre tantas rejeições o menino também era rejeitado inclusive como escravo, talvez o mais baixo degrau da escala humana.

O traficante de escravos sem conseguir vender o menino, o devolveu ao seu proprietário, um alferes de nome Cardoso, no centro da cidade de São Paulo. O comerciante morava em um amplo sobrado na Rua do Comércio, bem próximo à Rua Direita. Passando a viver no sobrado, Luiz Gama aprendeu diversos ofícios como sapateiro, engomador, lavador, costureiro e copeiro.

Os bons ventos da sorte começaram a lhe bafejar quando veio morar no sobrado dos Cardoso o jovem Antônio Rodrigues, um hóspede muito culto e com a mente voltada para o altruísmo e para as humanidades, estava ali para concluir seus estudos. Esse jovem mais tarde se tornou advogado e juiz de direito. Antônio Rodrigues se afeiçoou a Luiz Gama, lhe ensinando a ler, para logo depois lhe abrir as portas do mundo das ciências matemáticas e humanidades. O progresso de Luiz Gama com as letras era tamanho que passou a ensinar os filhos do Alferes Cardoso e por assim fazer, solicitou sua alforria, alegando que seu trabalho intelectual estava acima e não compreendia os ofícios de um escravo. Além disso, alegava que era um homem livre, pois seu pai era um fidalgo e sua mãe uma escrava liberta que havia comprado sua alforria. O alferes Cardoso obviamente negou a alforria e Gama após conseguir provas incontestes de sua condição de homem livre, fugiu da casa dos Cardoso e se tornou soldado da milícia estadual aos 18 anos de idade, onde permaneceu até 1854. Ocupava a patente de Cabo de Esquadra quando foi obrigado a dar baixa do serviço por supostos “atos de insubordinação” contra um oficial. Além da baixa forçada, esteve preso por 40 dias antes de ser posto em liberdade. Nos idos de 1840, em plena vigência da escravidão, a palavra de um praça negro não tinha a mínima credibilidade perante a acusação de um oficial branco. Um tribunal penal militar jamais estaria ao lado de um jovem negro de baixa patente, em detrimento ao libelo acusatório proferido por um oficial caucasiano.

Pelo que se pode observar, na trajetória de vida de Luiz Gama, desde quando foi entregue à escravidão pelo próprio pai, ainda menino e depois rapazola e homem feito, sua caminhada sempre foi eivada de revezes, onde todos, um a um foram removidos e superados, inclusive um dos principais à época que era o analfabetismo. Mais uma vez Gama teve que buscar um novo rumo para seguir em frente, pois, desde que embarcou no paquete Saraiva rumo ao assustador destino no Rio de Janeiro, longe da mãe que nunca mais veria, passou a ter a própria existência como sua principal tirana.

Luiz Gama aprendeu com a dureza da vida, que o caminho se faz caminhando. Durante os anos em que abraçou a carreira militar trabalhava nas horas vagas como Copista no escritório do Escrivão Major Benedito Coelho Neto, já então seu amigo. Também sendo amanuense, algo como auxiliar administrativo, no gabinete de Francisco Furtado de Mendonça, catedrático da Faculdade de Direito do qual também tornou-se, por seu correto comportamento e louvável saber, ordenança e homem de confiança. Serviu como Escrivão para várias autoridades policiais, sendo nomeado amanuense da Secretaria de Polícia onde ficou até 1868, de onde foi demitido a bem do serviço público como “turbulento e sedicioso”, pelos políticos dos partidos conservadores que chegaram ao poder. Luiz Gama ainda estava no período da escravidão e sua condição de negro em cargos públicos de referência incomodava o sistema escravista que se estruturava sobre a quebra da autoestima do negro, de sua alegada condição inferior, de ser quase que um objeto que falava. A sua ascensão social e política na sociedade onde o escravismo ditava as leis, certamente incomodava o poder supremacista local da época.

Como Jornalista Gama escreveu para vários periódicos onde através de sátiras defendia o fim da escravidão e a república, atacando ferozmente a aristocracia brasileira. Em seu trabalho de advogado, exercido de maneira gratuita para os negros, conseguiu libertar mais de 500 escravos. Em seu círculo de relações abolicionistas, entre tantas outras personalidades, torna-se amigo íntimo de José Bonifácio, o Moço, professor de Direito, neto do Patriarca da Independência, amizade correspondida que durou por toda de ambos.

Em julho de 1859 assiste ao nascimento do seu filho Bendicto Graccho Pinto da Gama,  fruto de sua união com Claudina Fortunata Sampaio, que viria a se tornar engenheiro eletricista e que está sepultado a seu lado no mausoléu do Cemitério da Consolação. Neste mesmo ano publica “Primeiras Trovas Burlescas de Getulino”. No ano seguinte publica a segunda edição da mesma obra revisada e corrigida na cidade do Rio de Janeiro, onde mais uma vez tenta encontrar sua mãe Luiza Mahin, sem obter êxito.

A partir de 1861 Gama dedica-se de corpo e alma ao seu trabalho no jornalismo, com ênfase na “República das Letras”, focando sua verve literária e o saber jurídico na defesa das ideias liberais, republicanas e abolicionistas. Os movimentos sociais republicanos avançam juntamente com a pressão internacional pelo fim da escravidão, capitaneada pela Inglaterra com seu interesse em vender máquinas e engenhos à vapor paridos pelo ventre da Revolução Industrial.

A Junta Francesa para Emancipação dos Negros, ligada à Maçonaria, encaminha carta ao governo brasileiro para que a abolição da escravatura se torne um processo rápido e concreto. Que obteve como resposta do Império Brasileiro que seria apenas uma questão de forma e oportunidade. Todo esse movimento incendiava o país. Estados como Ceará e Rio Grande do Norte já encaminhavam seus processos de abolição, assim como o Rio Grande do Sul. Revoltas escravas aconteciam de norte a sul do país e em 28 de setembro de 1871, como um preâmbulo para a abolição geral e irrestrita, foi promulgada a Lei do Ventre Livre.

No ano de 1877, em meio ao incansável trabalho humanitário, Luiz Gama estabelece sua banca de advogados com Antônio Carlos Soares e Antônio Ferraz, onde exerce a profissão de advogado até o fim de sua vida. Doente e consumido pelo diabetes sua militância no final da vida era motivo de admiração por toda a sociedade. Mesmo assim fundou o Centro Abolicionista de São Paulo e José do Patrocínio por sua influência cria no Rio de Janeiro a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, cujo presidente era Joaquim Nabuco. Tornou-se destacado maçom, recebendo daquela fraternidade todas as honrarias possíveis.

Morreu em 24 de agosto de 1882 na cidade de São Paulo. Exatamente 6 anos antes da abolição da escravatura, pela qual tanto lutou e dedicou sua vida de jurista, jornalista e poeta. Seu funeral foi o maior já registrado na história da capital paulista. Se fossemos calcular proporcionalmente em relação aos dias de hoje, seriam milhões de pessoas às ruas acompanhando a passagem do cortejo fúnebre.

Luiz Gama deixa como exemplo para o povo negro, que nada pode suplantar a força de vontade, a garra de vencer e a paciência para triunfar. São inúmeros recados que sua existência deixou para a posteridade. Mas alguns são basilares como a importância da educação formal na vida de todos os seres humanos. O segundo exemplo é a retidão de caráter e a determinação na crença do que é o bem natural e humano, e o último, que é a lealdade do compromisso com a justiça e a liberdade. Se hoje pessoas negras conseguem galgar patamares significativos tanto na vida pública como na iniciativa privada, com certeza há a pena, o cérebro e o olhar de Luiz Gama. Se em cada parque, praças e praias do país as crianças negras correm livres e felizes está ali o sorriso de Luiz Gama. Ele nos deixou como responsabilidade uma tarefa imensa que é defender o legado dos abolicionistas, que dedicaram suas vidas para que nós pudéssemos ter as nossas bem ao alcance de nossas mãos.

A vida de Luiz Gama é uma saga inimaginável. Se fosse no hemisfério norte, certamente teria se transformado nas mais altas linguagens culturais, artísticas e históricas. Nós escritores, poetas e amantes da liberdade, podemos homenageá-lo com lindas produções literárias que comporão essa coletânea tão especial. Traçaremos linhas de uma teia que serão o amálgama de um admirável mosaico, daquele ser humano que nasceu livre, foi tornado escravo pelo próprio pai aos 10 anos de idade, sofreu todas as intempéries da vida, deu a volta por cima e, mesmo atado aos grilhões da escravidão, soube perseverar e transformou todos os limões azedos que a vida sempre lhe ofertou em uma deliciosa e refrescante limonada chamada liberdade, para si e para todos os negros escravizados do país em que vivia e os que viriam depois.

A faculdade de Direito do Largo de São Francisco, emitiu um diploma post mortem de Direito parra Luiz Gama e erigiu um busto em sua homenagem, tentado reparar e ao mesmo tempo homenagear aquele que foi um dos maiores advogados de todos os tempos.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

 

Mary McLeod Bethune

 Uma Mulher Admirável



Mary McLeod nasceu em 1875, na cidade de Mayesville, Carolina do Sul, Estados Unidos. Não conheceu o cativeiro mas era filha de um casal de escravos libertos. Sua mãe auxiliava no sustento da família lavando roupa para as famílias brancas do município. E foi na casa de uma dessas famílias que seu destino foi transformado para sempre.

Certa vez ao acompanhar a mãe em uma casa de família, pegou um livro na estante para folhear, no que foi duramente repreendida por um membro da família com as seguintes palavras: “Você é negra e os negros não sabem ler. Ponha o livro de volta no mesmo lugar onde você pegou!”.

Humilhada mas obedecendo, Mary decidiu que a partir daquele momento investiria todas as suas energias no aprendizado das letras. Os negros passavam por período muito difícil no sul dos Estados Unidos, onde a educação formal era dirigida para a raça branca. Naquela época quase não havia instituições de ensino voltada para a alfabetização e educação do povo negro, liberto há apenas 25 anos, com a aprovação da 13ª Emenda à Constituição americana que aboliu a escravidão em todo o país.

Mary McLoud aprendeu na prática que a educação era um fator primordial de desigualdade entre negros e brancos, passando portanto a perseguir o conhecimento para que pudesse ser uma cidadã com mais possibilidades de ascensão na partida sociedade estadunidense.

Conseguiu que sua família lhe matriculasse em uma escola voltada para negros, a Trinity Mission School da igreja Presbiteriana. Para que pudesse cumprir sua jornada escolar diária, caminhava por quase 20 quilômetros todos os dias e mesmo assim nunca esmoreceu

Seu aprendizado não foi em vão. Através de sua determinação alfabetizou os pais e toda a sua família. Como aluna exemplar da Trinity Scool recebeu uma bolsa de estudos do Instituto Dwight Moody, voltada a formação de missionários e professores.

Após concluir seus estudos de licenciatura, entregou-se a tarefa de alfabetizar seus irmãos e irmãs negras onde estivessem, podia ser de casa em casa ou nas extensas propriedades rurais da região.

O contato com a realidade da dura segregação racial nos EUA fez com que fosse uma das primeiras mulheres negras a ingressar na luta pelos direitos civis daquele país, organizando diversos movimentos e atos contra as leis do apartheid.

Ao mesmo tempo em que educava seus alunos, fazia com que os mesmos tirassem os documentos necessários para que pudessem exercer a parca cidadania que lhes haviam propiciado. A medida em que aprendiam a ler Mary ensinava Matemática e outras ciências, além de debater com eles a temática racial e o horror da escravidão.

Sua fama ultrapassou as fronteiras da Carolina do Sul e Mary se tornou referência entre as lideranças políticas dos EUA, além de líderes de grandes igrejas protestantes do país.

Empreendeu grandes esforços para abrir umainstituição de ensino particular para negros em Daytona Beach, que se tornou uma das grandes escolas da Carolina do Sul.

Muito influente entre os líderes políticos e religiosos batistas e metodistas, Mary conseguiu arrecadar fundos para abrir uma escola particular para afro-americanos em Daytona Beach. O colégio atingiu excelentes notas no ranking das melhores escolas da Carolina do Sul, transformando-se na renomada Universidade Bethune-Cookman, que não permitia a segregação racial em suas dependências.

Consagrada como educadora, Mary Mc Load podia dormir tranquilamente sobre os louros da vitória, que justamente coroaram sua fantástica vida. Porém, não satisfeita com a grande obra que construiu, solicitou permissão ao governo para lecionar nos presídios do país, criando uma ponte entre o sistema prisional e o mercado de trabalho.

Ao mesmo tempo em que atingia seus objetivos na educação, Mary Mc Loud  nunca se afastou da luta contra o racismo e a política de oficial de segregação racial dos Estados Unidos. Pelo contrário, a medida em que o tempo passava ela intensificava sua atuação política na luta pelos direitos civis da população negra.

Utilizando sua influência, cruzava o país em manifestações e debates com os mais cruéis segregacionistas dos EUA, tornando-a praticamente imbatível, pressionando congressistas para votarem em favor das demandas afroamericanas da época.

Seu apogeu foi quando já denominada “A Primeira Dama da Luta”, foi nomeada nos anos 40 “Conselheira para Assuntos Raciais” do presidente Roosevelt.

Mary McLoad alfabetizou mais de 5 mil negros e negras nos EUA e deixou um imenso legado educacional e patriótico para as gerações futuras. Mary faleceu de tuberculose em 1955 aos 79 anos, no mesmo ano em que Rosa Parks, uma negra militante dos direitos civis se recusou a levantar de um assento do ônibus para dar lugar a um homem branco, conforme determinava a lei. A partir daquele momento o movimento dos direitos civis tomou impulso gigantesco e grandes lideranças como Martin Luther King e Malcoln X surgiram para mudar a história da luta racial nos EUA, com o fim do apartheid nos anos 60.

Mary McLoad foi declarada pelo jornal New York Times como uma das 10 mulheres mais importantes dos EUA e seu nome está consagrado no Hall da Fama das Mulheres dos Estados Unidos.


 

George Floyd - A Palavra de Ordem é Ar 



O ativo mais importante do planeta não é ouro, prata ou dólares. O ativo mais importante do planeta para os negros é o ar. Ar que foi negado a George Floyd, em Minneapolis, cidade de Minesota nos EUA.

Nós negros nascemos ansiando por ar. As maternidades das periferias são sufocantes, as casas que crescemos geralmente são superpovoadas e com pouco espaço para individualidades. Nossos salões de bailes são superlotados, assim como nossos supermercados, ambientes de trabalho, nossos transportes coletivos, nossas escolas, nossos bares e nossas igrejas.

Nossos antepassados vieram em sufocantes navios negreiros. Assim como sufocantes eram as rústicas e desumanas senzalas. A vida cotidiana do trabalho no eito também era irrespirável. O ar sempre nos foi negado.

George Floyd não queria dinheiro, não pediu por alimentação e sim por um tantinho de ar para que pudesse sobreviver. Precisava de um mero fio de ar para manter sua vida, mas lhe foi negado por um policial branco que o sufocava com as mãos nos bolsos, como se estivesse assistindo a uma partida de futebol ou observando pássaros.

A vida do negro não importa para os racistas e defensores da supremacia branca. Eles comemoraram a morte do negro do Minesota em lúgubres encontros clandestinos regados à leite, símbolo cultuado pelos supremacistas.

Tentam nos manter curvados e submissos nas mais diversas situações: no mercado de trabalho, nas escolas e universidades, nos trens e ônibus do cotidiano, nas unidades públicas de saúde, na fila da previdência, da seguridade social, na afetividade, nas comunidades e em todos os lugares onde existam outras etnias compartilhando os mesmos espaços.

Antes clamávamos por igualdade. Agora o eixo da luta dará uma guinada, pois, nos ideários da luta pelos direitos civis, na doutrina antirracista, não há a reivindicação por ar. Agora torna-se mister que haja, pois, nas internações da Covid19 a maior mortalidade está entre os negros, esses que não possuem condições financeiras para pagar um seguro de saúde privado. Estão morrendo aos montes nos hospitais públicos, sufocados por falta de ar, pois os respiradores não são suficientes. Para os privilegiados que não dependem da medicina pública os respiradores não faltam, pois são atendidos na rede privada, repleta que está desses engenhos respiratórios.

A luta por ar seria a ultima coisa que esperávamos enfrentar em tantos anos dedicados à luta antirracista.

Ar por favor.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

VIDAS NEGRAS IMPORTAM

 

OS RISCOS GERADOS PELA CRISE DA COVID19 NA PUPULAÇÃO NEGRA


A crise do Coronavírus desnudou definitivamente a enorme desigualdade social e econômica entre brancos e negros em todo o mundo. Um dos principais problemas que atinge diretamente a precisão dos limites da pandemia é a informação. São as graves as inconsistências nos indicadores que são divulgados. Apesar da precária precisão dos registros administrativos e da sistematização e disponibilização dos dados apresentados pelos governos, a alta morbidade de população negra ocasionada pela pandemia mostra que o cenário pandêmico apresenta de forma precisa a enorme desigualdade entre essas duas populações.

Os tópicos que justificam esses indicadores são apresentados em diversos estudos, que comprovam a maior letalidade para a população negra, que submetida a maior vulnerabilidade social que a população branca, assiste no cotidiano um cenário assustador e devastador de sofrimento e morte.

Existem outros vetores sociais que acentuam a letalidade da população negra, sendo que um dos principais é habitar as zonas periféricas e marginalizadas das metrópoles, onde a entrega de equipamentos de saúde como hospitais bem aparelhados praticamente inexiste. A população negra geralmente é atendida em postos de base comunitária, sem a infraestrutura hospitalar adequada no que tange a equipamentos e com a falta de profissionais de saúde como médicos, técnicos e enfermagem, que são necessários para um bom atendimento.

Outro fator que contribui de sobremaneira para a elevação da letalidade são as condições sanitárias e habitacionais onde a população negra se concentra. Habitações pouco arejadas, com muitas pessoas vivendo em espaços exíguos promovem a propagação da doença com mais facilidade.

A ausência de saneamento básico nessas comunidades aumenta exponencialmente o risco de contágio. Água potável e esgotamento sanitário canalizado são fatores preponderantes para evitar o aumento da contaminação, pois, está provado que o Coronavírus também está presente nos dejetos sanitários.

Os indicadores demonstram que a diferença entre classes sociais é determinante para definir que vai viver ou morrer. Outro ponto de inflexão fundamental é o acesso à medicina privada, que para se estabelecer, promoveu o sucateamento da saúde pública.

As condições prioritárias para que haja maior proteção para a população foi amplamente divulgada pela Organização Mundial da Saúde – OMS, e entre as prescrições está a alimentação saudável, a prática diária de exercícios e o consumo de cultura e lazer.

A população negra possui prevalência em doenças como a hipertensão e diabetes, que necessitam ser rigorosamente controladas para que o risco de contágio e morte seja reduzido. Como oferecer esses parâmetros fundamentais se o povo negro vive em constante estresse devido à tensão permanente da violência das periferias, da ameaça da fome pela impossibilidade de trabalho e das toscas condições habitacionais. Impossível viver sem estresse, onde portanto, a porta para a morte permanecerá constante mente aberta. 

Os negros e negras, em sua grande maioria, trabalham no mercado informal, em serviços domésticos, onde a oferta de planos de saúde praticamente inexistem. Portanto, por estar submetido a desigualdade social promovida pelo neoliberalismo, o povo negro se submete mais uma vez ao desterro histórico, à injusta condenação pelo fato de ter nascido em um contingente étnico que é descartado pelos estados nacionais da diáspora.

Porém, apesar de tudo, esses riscos podem ser minimizados. O grande risco, o risco maior é o próprio estado, que aponta a lança da ‘necropolítica’ para a população negra, ao negar a letalidade da pandemia e promover ameaças diuturnas para que as escolas reabram e voltem às aulas com suas atividades presenciais cotidianas.

A obrigatoriedade do retorno às atividades escolares presenciais criará uma enorme legião de crianças assintomáticas disseminando o contágio nos transportes coletivos e nos idosos em suas residências. A OMS emitiu documento afirmando que os seres humanos assintomáticos podem propagar o vírus, assim como as pessoas que desenvolvem os sintomas da doença.

No embate entre a economia capitalista e a possibilidade da morte o mercado financeiro venceu e estamos assistindo a um circo de horrores com o fim do isolamento social em plena pandemia e ali estão as pessoas negras em sua grande maioria. A necessidade de alimentar a família leva o trabalhador negro formal e informal viajar em transportes coletivos lotados e ao contato com outras pessoas que não se sabe se contaminadas ou não.

A burguesia está trabalhando em home office, segura na proteção do lar, enquanto que o povo negro vive em constante assombro de perder sua vida de um momento para o outro.

Michael Foucault em seu livro ‘Vigiar e Punir’ discorre sobre o poder não como uma propriedade mas como um conjunto manobras, táticas e funcionamentos de estratégias o ambiente do que determinou chamar de Biopolítica, que Achile Mbembe pesquisou para que pudesse estabelecer conjugando com os estudos de Giorgio Agamben e Anna Harendt no que batizou de Necropolítica, ou seja,  a capacidade de letalidade que o estado desenvolve contra as populações negras.

 

 

 

 

ÉDIPO GRITANTE

 

Édipo Gritante

O que fazer quando ele vê na própria mulher

uma projeção de sua mãe? 

Um casal recém nupciado tem por obrigação de atentar para o excesso de influência de ambas famílias no casamento ainda em fase de consolidação. Não podemos escolher as famílias das quais somos oriundos, porém, devemos cuidar para que as interferências excessivas construam um desagradável cavalo de tróia em nossas vidas enquanto casal.

A inexperiência e insegurança no início da construção do lar, nos leva a ser submetidos às ditaduras de sogras, irmãs mais velhas, cunhados, primas, primos, vizinhos e toda uma gama de “consultores matrimoniais”, que não desgrudam do casal de uma maneira geral.

O sentimento de pertencimento a uma família é muito importante para nós seres humanos. Em um mundo cada vez mais excludente e egoísta, onde a solidariedade passou a ser uma virtude e não um comportamento natural dos seres humanos, é na família onde encontramos o aconchego e a proteção necessária para seguirmos em frente na dura lida do cotidiano. Porém, Esse sentimento gregário e virtuoso, só tem sentido e se torna gratificante quando os espaços de cada um são respeitados, principalmente quando estamos mais fragilizados ou nos sentindo inseguros em relação à vida, como é o caso do casamento em seus anos iniciais.

A realidade é uma música que nos obriga a dançar, saibamos ou não. Ela nos mostra que o lugar mais difícil para alcançarmos não é o topo do Monte Everest ou o lugar mais profundo dos oceanos. A vida insiste em nos apontar e nós insistimos em não lhe dar ouvidos, que o lugar mais difícil de nos colocarmos é o lugar do outro.

Na intrigante dialética entre o ‘certo e o errado’, a mulher geralmente é o elo mais fragilizado da corrente. Sobre seus ombros recai a responsabilidade da garantia de sucesso do casamento, da vida a dois, da garantia de um lar bem sucedido. Por mais que a mulher se esforce no desempenho da ‘missão’, o patriarcado jamais lhe dará trégua no em todo o seu decorrer.

Os homens geralmente são criados pelas mulheres, por suas mães. Os pais estão sempre envolvidos em ‘coisas de homem’, como boteco, futebol e fuçando as entranhas de seus carros e motos. As mulheres com seu amor incomensurável, criam seus meninos como verdadeiros príncipes e é assim que costumam chamá-los. Sempre serão os mais lindos, mais fortes e mais inteligentes. Deverão encontrar um mundo ameno e acolhedor e mais, uma mulher que satisfaça todos os seus desejos. É assim que o meninão é entregue para o casamento, um ‘presente’ criado e cuidado com todo o carinho desse mundo, que terá a missão de gerar netinhos e netinhas para a preservação atávica do bom nome da família.

A mulher sempre será vista com desconfiança. Ao ‘surrupiar’ o varão do lar aconchegante e protetor que sempre teve. Algumas matriarcas consideram a decisão do casal de morar em outra residência que não a dela como ‘apropriação indébita’ do seu amado filho pela nora egoísta e dominadora.

Então a mulher será responsável pela carga pesada de manter o casamento no rumo certo, de acordo com as diretrizes da família de seu marido. Qualquer estremecimento na relação com o marido será suficiente para que haja uma intensa mobilização contra a usurpadora. As decisões do casal devem ser muito bem pensadas para que a vida de casal não se trone um fardo difícil de carregar. Sabemos que não é fácil a união de dois espíritos e corpos em uma construção onde as chances de êxito são desconhecidas e sem garantia. Porém, o tempo de convívio anterior ao matrimônio, apontou para uma razoável possibilidade de sucesso, que dependerá do equilíbrio de um sistema delicadíssimo onde pesos e contrapesos emocionais estarão interagindo sempre na direção das expectativas do casal. A realidade nos mostra que os indicadores de sucesso nessa empreitada não é muito animador. Poucos casais se mantêm juntos por mais de 15 anos de convívio.

O homem sempre casa sabendo que terá para onde retornar caso o infortúnio da separação recaia sobre ele. A casa materna sempre será seu porto seguro, que fortalecido pelo Complexo de Édipo, não investirá pesadamente na manutenção do casamento, deixando a parceira sempre insegura em relação ao futuro da união.

Em muitos homens o édipo é tão arraigado que ele solicita que sua mulher e companheira faça as demandas cotidianas exatamente como sua mãe fazia. A comida, o modo de tratar a roupa, o trato com os amigos e coisas afins.

Na tragédia de Sófocles, Laio Rei de Tebas consulta o Oráculo que lhe diz que seria assassinado por seu próprio filho e que este se casaria com Jocasta, sua esposa. Laio pega seu filho e o leva até uma densa floresta, onde prega seus pés com pregos para que não conseguisse fugir. O menino porém foi encontrado por um pastor de ovelhas que o salva e lhe dá o nome de Edipodos, ou pés-furados. Édipo acaba adotado pelo rei de Corinto e ao consultar o Oráculo recebe a mesma mensagem que seu pai. Pensando que assassinaria o rei de Corinto Édipo foge e acaba se envolvendo em uma briga com vários negociantes e mata o líder do grupo que vem a ser Laio, seu verdadeiro pai. Chegando a Tebas Édipo decifra o enigma da esfinge e rebe como prêmio o trono da cidade e sua rainha Jocasta em casamento. Anos depois descobrem a verdade e Jocasta se suicida enquanto Édipo fura os próprios olhos como auto-castigo por não ter reconhecido a própria mãe.

Assim continua sendo nas relações contemporâneas. A mãe disposta ao sacrifício da própria vida pelo filho enquanto ele fura seus olhos diante da responsabilidade de manter seu casamento e proteger sua companheira. Geralmente para evitar a morte lenta por desgosto da mãe, nosso Édipo moderno prefere dar fim ao casamento e retornar para sua Tebas tropical.

Para aumentar o caos de um casamento Jung nos brinda com o Complexo de Electra queé a disputa do amor do pai pela filha contra a mãe. O mito baseia-se em Electra, filha de Agamenon que tramou a morte de sua mãe Clitemnestra para vingar a morte do pai pelo qual era apaixonada.

Voltando ao casamento, nosso príncipe pode ser contaminado por este enorme labirinto existencial que poderá devorá-lo rapidamente, levando-o de volta para sua Jocasta.

Os sinais de que ele necessita de outra mãe, que sua esposa deve assumir esse papel é gritante e nosso Édipo não apaziguará a relação tensionada enquanto esses acordos não forem levados a termo. A mulher às vezes necessitando de colo de mãe terá que se tronar uma para aliviar as inseguranças do marido que agora já se tronou seu filho também.

Olhos furados para não encarar a situação e pés pregados para que não caminhe na direção da emancipação emocional do lar materno e da atmosfera protetora e acolhedora da mãe.

O Negro na TV e a Invisibilidade Programada.

 

EU E O EMBAIXADOR

O Negro na TV e a Invisibilidade Programada

Certa vez tomava café da manhã com um embaixador de um país africano em um hotel na zona sul da capital do Rio de Janeiro. O diplomata educado nas melhores universidades inglesas carregava uma expressão iracunda, poderia se dizer até feroz. Inquiri se estava tudo bem e ele me respondeu entre dentes o porquê de permitirmos que um crime tão hediondo fizesse parte da rotina cotidiana de nosso país. Não entendi bem e perguntei qual seria o crime e ele me respondeu com dureza: invisibilidade.

Sua ira era natural. Ao acordar no hotel da Praia de Copacabana, ligou a TV enquanto se preparava para o encontro comigo, um representante de uma organização negra brasileira. Segundo ele. Aos poucos foi tomando pé da situação e sua atenção passou a se fixar na programação da TV do nosso país. A medida em que trocava de canais, sua surpresa aumentava e com ela a mais legítima indignação.

O embaixador era um homem de sólida formação acadêmica. Passou parte de sua vida em Cambridge, uma das mais conceituadas instituições de ensino da Inglaterra e do mundo. De suas salas de aula saíram mais de oitenta vencedores do Prêmio Nobel, além de ter formado cidadãos que transformaram o conhecimento da humanidade, como Issac Newton, Charles Darwin e Stephen Hawking.

O racismo estrutural brasileiro deixou o embaixador africano aturdido após a constatação da invisibilidade programada do negro nas grades de programação de todos os canais. Além do mais, há um segundo fator ainda mais intrigante, segundo ele alegou, q1ue é a propaganda. Os comerciais nos canais de TV apresentam majoritariamente atores e atrizes caucasianos. O que para ele é um contrassenso econômico pois a população brasileira possui mais de 50% de pessoas não brancas que consomem os produtos que são anunciados diariamente na programação. A única explicação possível, segundo o embaixador, é que é mais lucrativo para os grupos econômicos manterem os negros distantes das imagens de seus produtos, pois, seus pensamentos canhestros e supremacistas, consideram o povo negros “desagradável de se ver na TV”. 

Oriundo do país que possui a maior população negra do planeta, cerca de 60 milhões de nacionais, o diplomata não compreendia como os negros brasileiros se submetiam a uma situação racista como esta.

Coberto de razão, tristeza e de indignação, o embaixador partiu se sentindo triste com o que viu por aqui. Disse-me pesaroso, que não conseguiria deixar de pensar durante a viagem de volta para seu país, sobre a construção ou desconstrução da autoestima das crianças e da juventude negra do Brasil. Que futuro esperar para esses seres humanos que Têm diariamente sua ancestralidade ocultada, invisibilizada e criminosamente saqueada em seus mais arraigados valores culturais, científicos e espirituais.

Saí daquele café da manhã pensando em quantas meninas negras desse país sonharam um dia em ser “Paquitas” do programa da Xuxa. Em quantos meninos negros sonharam com a atuação em uma telenovela que não fossem marginais ou “o melhor amigo” do personagem protagonista branco. O mundo do show business na TV reserva espaço para personagens negros caricatos como o que protagonizava nosso inesquecível mangueirense Mussum, onde era o adorador da cachaça e da ignorância.

A TV possui enorme participação na construção do imaginário popular. Suas dramaturgias paralisam o país de norte a sul e eles através de um processo de dominação e perpetuação da subalternidade do povo negro, o colocam dentro dos dramas como empregadas, escravos, pajens, onde geralmente são ridicularizados, escrachados e até tratados como animais pelos personagens brancos. Há no fundo uma “macunaimização” do negro, tornando-o preguiçoso e indolente, negras sedutoras e sempre à disposição dos agrados do sinhozinho ou de negros fiéis ao senhor até a morte, traindo inclusive seus irmãos de infortúnio. É uma tragédia sociológica que aliada á necropolítica se tornou uma bomba-relógio anticivilizatória.

O projeto é assim: Quebrar a autoestima quando há, desqualificar o comportamento, determinar um tipo de moda e de costumes onde o negro não possa ser inserido ou se inserir, manter o discurso estruturante de poder através da academia branca e elitista.

Os meios de comunicação perderam há muito, se é que já tiveram um dia, a característica de comunicação. Hoje são meros veículos de publicidade que inserem em suas grades comerciais programações de entretenimento para que o espectador fique atento à frente do aparelho para que as mensagens comerciais possam ser exibidas. Tanto que nos momentos de maior suspense das tramas, a exibição é interrompida para a apresentação dos comerciais.

Em nenhum desses momentos a representação do povo negro é apresentada como um mero cidadão comum. Na televisão os comerciais de produtos para bebês, os pequerruchos são sempre brancos e as famílias dos reclames de margarina parecem que são escandinavas. Em relação às mulheres negras é um massacre. Somente mulheres brancas consomem absorventes, vinhos, voos internacionais, decoração de interiores e internações em clínicas de estética.

Tudo isso acontece impunemente, de maneira sutil e descarada, como se fossemos um país nórdico. É uma vergonha! É ultrajante, criminoso, é uma situação vergonhosa e preconceituosa que entra na casa de centenas de milhões de brasileiros todos os dias, sob bordões de eficiência e qualidade.

Nunca mais tornei a ver o embaixador. Sua indignação porém jamais pude esquecer. Aquele café no hotel da praia de Copacabana continua até hoje causando embrulhos em meu estômago e causando desconforto. Perguntei ao embaixador como era a políticas de comunicação no país dele. Ele respondeu que em seu país as 250 etnias negras hegemônicas no poder não permitem que o eurocentrismo provoque o massacre existencial que comete no Brasil. Nunca esqueci de uma frese que me disse: “Em meu país, os juízes são negros, os parlamentares negros, os pilotos de avião negros e os comandantes dos navios também são negros. Somos o 25 PIB do planeta e fazemos isso sem os brancos nos controlarem. Nós fazemos as leis, nós os negros governamos nosso país”.

Lembro certa vez da surpresa de um amigo de faculdade quando disse que nos países africanos os negros faziam tudo que aqui é feito pelos brancos, no que concerne ao poder político e em muitos casos econômico. Meu amigo demonstrou um grande espanto pois isso nunca havia o passado por sua cabeça. Sua mente ainda vivia no período colonial e por assim acontecer, com o pensamento da população mundial, para os negros por falta de referência e para os brancos por conveniência mesmo, o racismo gera a falsa premissa que os brancos são os que devem controlar a sociedade.

Os negros precisam avançar para além dos esportes e da música enquanto seres dotados de expertises fantásticas. Os meios de comunicação de maneira ciclotímica reproduzem o apartheid invisível e o racismo institucional no Brasil.

É fundamental que façamos o pequeno exercício de nos sentarmos diante de um aparelho de TV por uma hora na programação e qual o papel que eles e marcarmos em uma folha de papel quantos negros apareceram durante este período e em qual situação se encontravam. Penso que seria um bom início para que possamos um dia, nos manifestarmos melhor acerca da democratização dos meios de comunicação, no que tange aos acessos de todos os grupos étnicos da nação em relação de igualdade.